Em razão disso, tomando o OGE como um bolo e a correspondente afectação dos recursos a sua repartição em fatias, a sua elaboração deveria contemplar pelo menos duas etapas: a da determinação do tamanho do bolo, primeiro; e a da sua repartição, a seguir. A determinação do tamanho do bolo consubstanciar-se-ia na estimativa dos recursos totais a estarem disponíveis no ano fiscal, o que envolveria a estimativa das receitas decorrentes dos tributos, a avaliação das poupanças do Estado mobilizáveis e a determinação do montante de fundos passíveis de serem levantados por meio de um endividamento sustentável para as finanças públicas, sendo de todos esses recursos excluído o montante das obrigações com o serviço da dívida governamental. Por seu turno, a repartição do bolo em diferentes fatias envolveria a dedução dos custos fiscais (correspondentes a receitas cessantes por conta de benefícios fiscais vigentes e novos a contemplar) e a afectação de recursos às despesas obrigatórias, às despesas discricionárias e às aplicações financeiras (fundos públicos de fomento da actividade económica privada, aumentos de capital em empresas públicas, etc.). As despesas obrigatórias são as relacionadas com as actividades permanentes de operação e manutenção dos serviços existentes, bem como as que decorrem de compromissos pré existentes, estabelecidos por meio de legislação, contratos e instrumentos afins, de modo que têm curso contínuo - a menos que se decida previamente descontinuar os serviços ou desfazer-se os compromissos, respectivamente -, pelo que devem ser automaticamente inscritas; as despesas discricionárias são as relacionadas com projectos integrados em programas específicos - por isso limitados no tempo -, associados a metas e que concorrem para a realização de objectivos estabelecidos, contribuindo para a expansão ou o aperfeiçoamento de serviços existentes ou criação de novos, de modo que a sua inscrição orçamental e consequente realização depende da sua prioridade - que deve ser estabelecida no processo de planeamento - e da disponibilidade de recursos, incluindo os necessários para a cobertura das despesas permanentes que emerjam da implementação dos mesmos.
Assim sendo, a apreciação da proposta do OGE deveria, então, acontecer, também, em dois momentos - o da apreciação na generalidade e o da apreciação na especialidade -, tal como tem acontecido, mas com os conteúdos de tais apreciações substancialmente diferentes dos actuais.
A apreciação na generalidade deveria focar-se sobre os elementos determinantes do tamanho do bolo, designadamente: os pressupostos e hipóteses subjacentes à proposta orçamental (cenário macroeconómico); a natureza dos tributos e as correspondentes taxas; os níveis de arrecadação de receitas estimado; o envelope de despesas proposto (com despesas obrigatórias e discricionárias), incluindo os custos fiscais e a sua fundamentação e as aplicações financeiras; o saldo orçamental previsto; os montantes das obrigações com a dívida pública; as necessidades de financiamento; os recursos de poupança do Estado mobilizáveis; o nível de endividamento sustentável; e o montante de recursos que é possível levantar-se nos mercados financeiros interno e externo, por meio do endividamento. Consequentemente, a aprovação da proposta orçamental na generalidade corresponderia à aprovação dos grandes números do OGE, nomeadamente: o montante estimado das receitas tributárias, a fixação do limite global de despesas autorizadas, o saldo orçamental (limite máximo do défice), o limite fixado para a variação líquida das aplicações financeiras líquidas (mobilização de poupanças menos aplicações financeiras brutas) e a fixação do limite máximo de aumento do endividamento líquido (desembolsos de financiamentos menos a amortização do capital em dívida). E os limites fixados das despesas globais autorizadas, do saldo orçamental (défice, no caso), da variação líquida das aplicações financeiras e do aumento do endividamento líquido seriam, como é de lei, de observância obrigatória, sem prejuízo para a possibilidade de alteração do montante global das despesas fixadas, sob autorização da Assembleia Nacional, nos termos da Lei do OGE (a Lei n.º 15/10, de 14 de Julho).
O conteúdo da apreciação na especialidade, por seu turno, deveriam ser as prioridades da despesa pública, tendo em atenção os objectivos, as metas e as acções contidos nos instrumentos de planeamento nacional, conforme estabelece a constituição. Assim, deveria assegurar-se, primeiro, a cobertura financeira das despesas obrigatórias e, subsequentemente, as acções (programas, projectos e actividades) prioritárias, no limite da disponibilidade financeira. Então, a aprovação na especialidade da proposta do orçamento resultaria na fixação do limite autorizado para as despesas conforme as funções, programas, projectos e actividades, assim como para cada uma das instituições financiadas pelo OGE.
A prática da Assembleia Nacional (AN), entretanto - que estará respaldada pelo seu Regimento aprovado pela Lei n.º 13/17, de 6 de Julho -, remete-nos para uma aprovação da proposta do OGE, na generalidade, que se limita à decisão da sua eventual admissão ou não para a apreciação pelas suas comissões especializadas, sendo esta tida como a apreciação na especialidade. Foi isso que, mais uma vez, acorreu com a aprovação, na generalidade, da Proposta do OGE de 2025 no dia 15 de Novembro de 2024. Ora, não tendo uma tal decisão qualquer impacto sobre o conteúdo da proposta orçamental em si, decorrendo mais da verificação do preenchimento ou não dos requisitos legais e das peças da proposta, então a pretensa apreciação em plenário e votação na generalidade deveria simplesmente ser substituída por um despacho da Presidente da AN, com base em pareceres das comissões competentes. Como tem ocorrido, a apreciação acaba por se cingir na emissão de opiniões políticas dos deputados, num exercício inócuo, em que sobressaem considerações generalistas, de senso comum, como a necessidade de se melhorar as condições de vida das populações, aumentar as verbas para a saúde, para a educação, para a assistência social e para apoio à economia, combater a fome e criar empregos, melhorar as infra-estruturas...
Continua...
*Economista