Historicamente as relações entre a República de Angola e os Estados Unidos da América sempre estiveram caracterizadas por incompreensões e desconfianças. Apesar do governo de Angola, no calor dos confiscos e nacionalizações de empresas privadas ter mantido intocável a companhia americana de petróleos, Cabinda Oil Gulf Company, que já operava na província angolana de Cabinda antes da independência de Angola, ainda assim os Estados Unidos da América havia inserido o capítulo sobre o seu relacionamento com Angola no contexto da guerra fria (1945-1989). A razão de fundo prendia-se com o facto de o MPLA a formação política que proclamou a independência nacional em 1975 ter beneficiado durante a guerra de guerrilha pela mesma independência e posteriormente pela defesa da indivisibilidade da Pátria angolana e contra as agressões de forças militares de Estados estrangeiros e mercenários por países da antiga comunidade socialista mundial particularmente União Soviética e Cuba.

O meio de pressão então utilizado pelos Estados Unidos da América para forçar Angola a desapegar-se dos seus parceiros estratégicos de sempre e renunciar o sistema político de inspiração e feição socialistas instituído no País, foi o seu apoio indefectível à oposição armada da UNITA e ao governo da República racista de África do sul que era a mais segura retaguarda da UNITA na desestabilização do país, apoio esse que também se destinava, por um lado, a retardar o máximo possível a ascensão da Namíbia à independência nacional e por outro lado, a supressão do regime político de segregação racial e apartheid da própria África do sul.

O desmoronamento da chamada comunidade ou bloco mundial dos países comunistas deu lugar à aproximação dos Estados Unidos da América a Angola, que começou com o seu envolvimento a título de país observador no processo de negociações entre o governo angolano e a UNITA. Até à assinatura em Lisboa em 1991 dos acordos de paz para Angola os Estados Unidos da América não haviam ainda reconhecido a soberania do Estado angolano. Fê-lo cerca de dois anos depois, isto é, a 19 de Maio de 1993 sob administração do presidente Bill Clinton do Partido Democrático, e na sequência da recusa pelo líder da UNITA, senhor Jonas Malheiro Savimbi dos resultados das primeiras eleições gerais democráticas de Angola realizadas em 1992 e declaradas como tendo sido livres e justas pelas Nações Unidas. Mas o senhor Jonas Savimbi não só rejeitou os resultados eleitorais a si desfavoráveis como candidato a presidente da República de Angola, e ao seu Partido UNITA como também reacendeu e arvorou mais alto ainda a chama da guerra civil que já havia sido apagada por força do sopro dos acordos de paz assinados em Lisboa.

O reconhecimento da soberania do Estado angolano pelos Estados Unidos da América liderou a vaga de condenações e sanções contra a UNITA pela comunidade internacional as quais permaneceram activas até ao fim do conflito armado em 2002. E dando mostras da sua determinação na promoção da paz em Angola o presidente Bill Clinton nomeara para seu representante pessoal um diplomata veterano o Embaixador Paul Here, para acompanhar de perto o processo negocial entre o Governo e a UNITA formalmente reatado em 1994, actuando em paralelo com o Embaixador dos Estados Unidos da América em Angola a titulo de observador, ao tempo, entretanto, já acreditado junto do Estado angolano na sequência do estabelecimento das relações diplomática entre os dois Países. Dentre os membros do Senado dos Estados Unidos da América pelo Partido Democrático de cuja administração Clinton teve a iniciativa de reconhecer o Estado soberano de Angola figurava o Senador Joe Biden. Ao lado de outros ilustres Senadores do seu Partido como Renghot, era das vozes mais sonantes no apoio ao governo de Angola nos seus esforços pela busca da paz para o povo angolano. Biden é, pois, um amigo de Angola de longa data. E não querendo deixar em mãos alheias o usufruto dos benefícios da paz em Angola para a qual também contribuiu para o bem dos interesses do seu país, Joe Biden veio dar a cara para em solo angolano dizer aos americanos e angolanos assim como ao mundo que foi na vigência de uma administração democrática que os Estados Unidos da América decidiram afastar o elemento ideológico na relação bilateral com Angola e colocar a sua pedra no edifício da paz então em construção e hoje plenamente consolidada, também para beneficio dos Estados Unidos da América que se vem traduzindo na aposta e efectivo envolvimento de operadores económicos e financeiros norte americanos em projectos de desenvolvimento económico de Angola como é o caso, entre outros, do corredor do Lobito. Tendo desde há pouco mais de duas décadas sido removidos os maiores escolhos no relacionamento bilateral sadio a visita a Angola do presidente Biden já deveria ter ocorrido há mais tempo por qualquer um dos presidentes dos Estados Unidos da América que reinaram de 2002 a esta parte. Em política de inspiração partidária, e no caso vertente dos Estados Unidos da América, trabalhando com abnegado espírito patriótico quer para o interesse geral de ordem económica e geoestratégica quer para beneficio particular de filiados e apoiantes do Partido, o inteligente aproveitamento das oportunidades que se oferecem num dado contexto histórico coloca o líder da conjuntura política prevalecente em bom obreiro da pátria. Por simbólica analogia creio que fica dentro do contexto, dizer que o presidente Joe Biden tem razões de sobra para parafrasear o compositor angolano, já falecido, Waldemar Bastos, as palavras da sua lendária canção intitulada velha Xica: agora já posso morrer porque já vi Angola independente.

Desde a assinatura em 1991 dos acordos de paz para Angola, por três vezes José Eduardo dos Santos esteve em Washington e sentou-se no famoso salão oval da Casa Branca. João Manuel Gonçalves Lourenço também já esteve sentado no mesmo salão oval da Casa Branca. Seis Secretários de Estado dos Estados Unidos da América visitaram Angola: Madaleine Albright, Colin Power, Mike Pompeo, John Kerry, Hillary Clinton e Antony Blinken. Pela República de Angola três ministros das Relações Exteriores estiveram no Departamento de Estado em visita oficial: João Bernardo de Miranda, Georges Rebelo Pinto Chicoty e Tete António. Dois ministros de defesa; João Manuel Gonçalves Lourenço e João Ernesto dos Santos estiveram em visita oficial no Pentágono. Pela extrema importância de que se sempre revestiram as relações bilaterais entre Angola e Estados Unidos da América faltava essa emblemática visita à República de Angola de um presidente dos Estados Unidos da América. Fez jus a máxima segundo a qual tudo tem o seu tempo. Agora sim, acabaram-se as incompreensões e desconfianças. Fica selada ao mais alto nível e em solo angolano a nova era das relações Angola-Estados Unidos da América.

Bem-vindo, amigo Joe Biden e sinta-se em casa. Ao presidente João Manuel Gonçalves Lourenço e seu ministro das Relações Exteriores, Tete António, muitos parabéns por essa grandiosa e a todas as luzes histórica conquista diplomática.

*Embaixador e antigo ministro das Relações Exteriores de Angola