Seguimos pela Estrada Nacional 100 até ao N"zeto, o nosso desvio para prosseguir viagem até à cidade de M"banza Congo, o coração da província do Zaire. Poucos quilómetros depois de passarmos o município do N"zeto, seguíamos para Tomboco. Percebemos, perto da estrada, faúlhas de capim aceso a arder em grande proporção. Pensámos rápido que se tratava de incêndio de algum veículo longo de transporte de mercadoria. Como também fazia nevoeiro, ficou difícil diferenciar o que era névoa do que era fumaça. A situação climática impedia que se fizesse um diagnóstico rápido do que se estava a passar.
A imponência da fumaça pintava a paisagem nos vários tons de cinza possíveis. Ora mais leves, ora mais carregados, misturando-se com a vegetação em chamas. O monstro de fogo devorava em círculos tudo o que atravessava o seu caminho. A fumaça subia alto entre o nevoeiro e misturava-se com as nuvens. A mistura ardente das cores e texturas criava uma atmosfera dramática e intensa, onde a vegetação consumida pelo fogo se erguia em sombras contra o céu carregado de fumaça.
Abrandámos a velocidade da Mitsubishi L200, também de cor cinza (ironia do destino), observando prudência necessária, vista as circunstâncias. Identificámos que não se tratava de incêndio de veículo longo de transporte de mercadoria, como a nossa suposição inicial. Eram mesmo queimadas. De um lado, bananeiras, plantações de cana-de-açúcar e variedade de hortícolas. Do outro, brasas incandescentes a arder, línguas de fogo a regurgitar, enfim, o inferno em miniatura.
Em todo o território nacional, as queimadas descontroladas espalham-se como uma ferida aberta, sobre savanas e florestas de escarpe, devorando não só árvores centenárias, mas também colocando em causa o futuro. O desmatamento, como um golpe adicional, abre grandes clareiras na tapeçaria verde que é vital para o equilíbrio climático global.
O desmatamento é frequentemente impulsionado pela expansão de áreas agrícolas e pastagens. A extracção de madeira, tanto legal quanto ilegal, é uma causa significativa de desmatamento em muitas regiões de Angola. As árvores são cortadas para uso comercial, muitas vezes sem práticas sustentáveis de manejo florestal.
Há tempo, no município dos Luchazes, província do Moxico, a Polícia Nacional apreendeu 400 metros cúbicos de madeira em toro, da espécie Mussivi, em posse de cinco cidadãos chineses. Os infractores, depois de cortarem a madeira, enterravam-na para ludibriar os agentes da fiscalização, já que está proibido o corte da madeira Mussivi, uma das espécies mais cobiçadas devido ao seu valor comercial.
É preocupante que, entre Abril e Maio deste ano, a província do Huambo tenha registado 1.311 casos de queimadas anárquicas, detectadas através do sistema Planet Satellite Imagery, instalado no Centro Tropical de Alteração Climática do Huambo (adiante, CETAC). As queimadas atingirem 67 hectares de zonas cultiváveis e destruíram mais de 170 hectares de zonas florestais, provocando prejuízos ambientais e económicos.
Os principais responsáveis pelas queimadas anárquicas, segundo as autoridades, são os camponeses, que ateiam fogo nas florestas para a abertura de novos campos agrícolas, assim como os pastores de gado e caçadores furtivos, que têm usado este método para encurralar os animais selvagens.
Os municípios da Caála, Chinjenje, Londuimbali, Catchiungo e Ecunha são as regiões da província que registaram maior ocorrência de queimadas anárquicas, no referido período. O CETAC tem detectado as queimadas florestais através do satélite, com um controlo monitorizado, que serve para prevenir e extinguir os incêndios e saber onde estão a ocorrer e dar um alerta aos bombeiros para a extinção.
A solução de diagnósticos do CETAC mostra que, nos últimos anos, avanços significativos têm sido feitos na aplicação de tecnologias de controlo para monitorar e proteger as nossas florestas. Este método não apenas representa um avanço tecnológico, mas também se revela um instrumento fundamental nas mãos das autoridades responsáveis pela fiscalização ambiental.
A Lei de Bases de Florestas e Fauna Selvagem estabelece as normas que visam garantir a conservação e o uso racional e sustentável das florestas e da fauna selvagem existentes no território nacional e, ainda, as bases gerais do exercício de actividades com elas relacionadas.
Nos termos do artigo 33.º da Lei n.º 3/ 14, sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais, de 10 de Fevereiro, incorre em crime de agressão ao ambiente, todo aquele que, voluntariamente, atear fogo, realizar queimadas, provocar incêndios florestais e, por via daqueles actos, destruir, no todo ou em parte, seara, floresta, mata ou arvoredo.
Contribuindo com acções cívicas que visem desencorajar queimadas e desmatamentos, podemos criar uma sociedade mais sustentável e resiliente. Cada pequeno passo em direcção à redução das emissões de carbono conta e pode fazer uma grande diferença no combate às mudanças climáticas globais.
*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto