O fim do grupo, causado por desentendimentos internos sobre a gestão dos rendimentos e as relações de poder, é um reflexo da fragilidade do ecossistema musical africano, onde as questões financeiras frequentemente desestabilizam até os projectos mais promissores.
O impacto da separação do Staff Benda Bilili vai além da perda de uma banda importante; posto que deixa uma lacuna significativa na música africana. A banda foi uma das mais bem-sucedidas do Congo, além de ser, ademais, uma das mais aclamadas no cenário internacional, tendo se apresentado em prestigiados festivais como Womex, Womad, Roskilde e Glastonbury. A sua habilidade de combinar o tradicional soukous com sonoridades contemporâneas atraía uma audiência diversificada, capaz de atravessar fronteiras culturais. A sua música não apenas emocionava, mas também educava, trazendo à tona questões sociais e culturais cruciais para o Congo e para o continente africano.
Além disso, a premiação de Artista do Ano no Womex em 2009 e o título de Melhor Grupo no Songlines Music Awards em 2010 mostraram o reconhecimento internacional que o Staff Benda Bilili alcançou.
Esses prémios simbolizam o impacto global da banda e a sua contribuição única à música mundial. A separação da banda não só significa a perda de uma das vozes mais autênticas da música africana contemporânea, mas também a interrupção de um legado artístico que transcendeu fronteiras e inspirou gerações. A música do Staff Benda Bilili servia de elo entre a tradição e a inovação, algo que muitos temem que seja irremediavelmente perdido com o fim da banda.
A primeira vez que tive contacto com o Staff Benda Bilili, foi numa crónica assinada pelo jornalista, Sousa Jamba, na sua coluna Epístolas do Ocidente, publicada há muitos anos, no extinto Semanário Angolense, a propósito da nomeação deles para o primeiro lugar nos prémios Songlines Music Awards. No artigo, intitulado África Autêntica, o colunista fazia o retracto da descoberta, e ascensão à fama, de uma banda composta de oito músicos deficientes motores que moravam na rua do jardim zoológico de Kinshasa, onde se situava, igualmente, uma colónia de paraplégicos, cuja actividade principal era o comércio informal.
Do modesto espaço público do jardim zoológico, no coração da capital da República Democrática do Congo, viria a ascender, então, uma banda de músicos que chegaria a efectuar várias digressões artísticas pelo mundo a fora, gravar um CD e receber o cobiçado prémio Womex, normalmente só entregue a músicos no final de uma longa carreira.
Após um longo tempo de procura, consegui, felizmente, adquirir o primeiro disco do Staff Benda Bilili, gravado no zoo de Kinshasa. A obra discográfica em questão alcançou o primeiro lugar da World Music Charts Europe, em Maio de 2009. Intitulado "Très Très Fort" (Muito, Muito Forte), o disco é composto por 11 faixas musicais e um bónus de quatro vídeos, um dos quais, documentando o estilo de vida das famílias deficientes motoras que vivem na rua do zoológico. Os outros vídeos mostram actuações da banda em diversos lugares, em périplo artístico pelo mundo.
A brochura que acompanha o disco "Très Très Fort", escrita em inglês, reserva espaço suficiente para breve exposição iconográfica do Staff Benda Bilili, bem como várias composições em lingala e a respectiva indicação dos elementos que deram suporte instrumental para cada tema interpretado. O principal compositor do grupo chamava-se Coco Ngambali, de cinquenta anos de idade e um exímio executor dos solos de guitarra. Theo Nsituvuidi, o soprano do grupo, gosta de ouvir as músicas de Bob Marley e tem como referência o lendário James Brown, figura imortal do soul e do funk. Theo, que encontra nas fusões de estilos musicais um dogma a seguir, perdeu a família nos conflitos militares que culminaram com a queda do presidente Mobutu Sese Seko, entre Março e Setembro de 1997.
Outros elementos faziam parte do grupo, como o Roger Landu, jovem baixista, de 17 anos. E Ricky Likabo, de 55 anos, que tocava bateria e guitarra. Djunana Tanga era um dos apreciados vocais do conjunto. A banda Staff Benda Bilili contava ainda com a participação de outros talentos no suporte instrumental. Curiosamente, todos deficientes motores dos membros inferiores. As suas músicas, inclusive, ocuparam um papel de destaque nas campanhas de luta contra a paralisia infantil, poliomielite, com base em iniciativas de várias organizações públicas.
Finalmente, a disputa interna sobre os ganhos e a gestão dos rendimentos revela um problema comum no cenário musical africano: a falta de infra-estrutura e de transparência na indústria musical. A dissolução do Staff Benda Bilili é um reflexo triste dessa realidade e representa um golpe para a cultura musical congolesa, que perdeu não apenas um ícone, mas também uma plataforma para músicos com deficiência física, um campo ainda marginalizado nas artes.n
*Mestre em Linguística pela Universidade Agostinho Neto