Recentemente, o escritório regional do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), em colaboração com o Instituto Internacional para Análise de Sistemas Aplicados (IIASA) e a Universidade de Viena, lançou um novo relatório intitulado "Os impactos das alterações climáticas e a violência por parceiro íntimo na África Subsaariana". Segundo essa publicação, se a emissão de gases de efeito estufa continuarem incontroláveis e o desenvolvimento estagnar, a violência por parceiro íntimo na África Subsaariana quase triplicará até 2060. Isso implica que cerca de 140 milhões de mulheres e meninas poderão sofrer violência doméstica, um aumento alarmante comparado aos 48 milhões registados em 2015.
Qual é o mecanismo pelo qual as alterações climáticas afectam a violência baseada em género especificamente nessa região? À medida que o calor extremo e o estresse ambiental aumentam, os conflitos e comportamentos agressivos se intensificam. Em regiões que já lutam contra a pobreza, deslocamento e falta de acesso a recursos, os casos de violência por parceiros se multiplicam. À medida que os impactos climáticos se aprofundam - trazendo perda de meios de subsistência, escassez de água, fome e desnutrição - as vulnerabilidades das mulheres, especialmente as que chefiam famílias, são amplificadas.
O estudo destaca que um maior esforço em adaptação e mitigação, aliado ao desenvolvimento sócio-económico, pode reduzir a vulnerabilidade e proteger mulheres e meninas. Para tal, é essencial aumentar o financiamento climático para garantir sistemas de protecção robustos que atendam às necessidades específicas de mulheres e meninas, visando um futuro afectado pelos choques climáticos e deslocamentos crescentes.
Além disso, a educação é uma ferramenta poderosa nesta luta. Elevar o status das mulheres e reforçar a sua resiliência face ao estresse climático gera benefícios directos e indirectos, diminuindo a sua vulnerabilidade à violência e empoderando-as para construir comunidades mais resilientes.
A nível nacional, a região Sul de Angola está a sofrer os impactos do El Niño, com cerca de 5.6 milhões de pessoas expostas a condições de seca que variam de leve a grave, segundo dados do Índice de Precipitação Espacial de Outubro de 2023 a Março de 2024 (Escritórios de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas - OCHA).
O El Niño tem afectado áreas já vulneráveis pela seca mais prolongada dos últimos 40 anos e por colheitas fracas nos últimos 6 anos (OCHA). Em 2024, cerca de 2,8 milhões de pessoas enfrentarão insegurança alimentar no Sul de Angola, abrangendo as províncias do Namibe, Cunene, Huíla, Kuando-Kubango e Moxico.
Diante desta crise, o UNFPA em Angola tem actuado desde 2020 para mitigar e responder à seca nas províncias do Sul do País. O UNFPA tem contribuído para o empoderamento e resiliência das adolescentes e mulheres na preparação para os desastres naturais, com enfoque na diminuição dos riscos pela violência baseada em género e VIH-SIDA, e melhoramento da gestão da saúde menstrual.
Além disso, o UNFPA apoiou na melhoria da coordenação entre parceiros para preparação e redução dos riscos de desastres naturais nas zonas afectadas pelas secas. Fortalecimento dos serviços de saúde sexual e reprodutiva e a educação integral da sexualidade para os adolescentes, utilizando a gestão da saúde menstrual como ponto de entrada, utilizando os materiais amigáveis para o meio ambiente, como pensos reutilizáveis e higiene menstrual.
Também, tem procurado criar e manter os Espaços Amigáveis com salas de atendimento e de protecção, em que se promovem a escuta protegida e sensível de mulheres, adolescentes, jovens, e outras pessoas vulneráveis para violência.
Como próximo passo, através da nova parceria com o governo da Noruega, o UNFPA apoiará os governos provinciais na implementação de um Sistema de monitoramento em tempo real para recolher os dados para melhorar o planeamento e preparação local para desastres naturais. As províncias, Bié, Cunene, e Namibe, afectadas pelas secas são prioridades para essas intervenções.
A crise climática é a questão mais premente do nosso tempo. Resolvê-la exigirá que todos os membros da sociedade façam a sua parte. Apelamos a todos os nossos parceiros e partes interessadas para que se juntem a nós neste esforço e cumpram nossa promessa. Como afirmou a jovem activista Greta Thunberg: "Devemos agir agora antes que cheguemos no ponto de não retorno".
*Representante do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA)