De facto, a generalidade dos angolanos reconhece que houve melhorias, fruto da entrada em funcionamento de novas barragens hídricas, sobretudo a de Laúca, assim como das centrais térmicas e fotovoltaicas. Mas há uma série de factores que têm condicionado à distribuição da energia, à qual não está alheia à sua transportação dos pontos de produção até aos consumidores finais.
Não obstante os esforços que têm sido feito no sentido de reduzir a dependência a fontes térmicas, a geração de energia, a partir dos geradores, continua bastante onerosa para os cofres do Estado. Com a agravante de não serem fontes energéticas limpas e "amigas do ambiente".
Tem sido notória a falta de modéstia e uma aparente mania das grandezas por parte dos responsáveis do sector, e não só, que não se coíbem de passar a ideia de que Angola está em condições de exportar os "excessos" de energia, sem que os "trabalhos de casa" tenham sido ainda feitos, tanto em matéria de quantidade como em qualidade.
Nos círculos de opinião, cresce a polêmica que Angola não tem ainda capacidade para exportar a energia que produz, já que a prioridade deveria recair sobre as inúmeras localidades, municípios, distritos e comunas que se encontram distantes das fontes de geração de energia e mergulhadas, total ou parcialmente, na escuridão.
Qualquer observador sem recurso à lupa chega, facilmente, à conclusão que Luanda, que consome o grosso da energia produzida no País, vive às apalpadelas, com vários bairros, avenidas e ruas mergulhadas na escuridão, incluindo as zonas nobres da cidade onde vivem as elites da nossa sociedade. A escuridão tem andado de mãos dadas com a criminalidade.
A capital do País não só enfrenta problemas na distribuição, como também na qualidade da energia que consome, um deficit que tem se evidenciado durante a época chuvosa, em que os consumos disparam devido aos "apertos" do calor.
Há cada vez mais consumidores que se queixam dos cortes constantes de energia, sem aviso, da sua má qualidade, dos aparelhos de AC que não arrancam, assim como da queima de electrodomésticos devido às sobrecargas na rede pública.
No que pode ser entendido como o primeiro passo para a exportação de energia eléctrica "made in Angola", o Ministério de Energia e Águas subscreveu há dias um acordo com a Gemcorp, que vai permitir a construção das linhas de transmissão de eletricidade até à fronteira com a Namíbia.
Segundo um comunicado conjunto distribuído à imprensa, o acordo contempla a implementação dos projectos de modernização do aproveitamento hidro-eléctrico de Capanda e da construção das linhas de transmissão de energia eléctrica até à fronteira com o País vizinho, o que "possibilitará posicionar Angola como um exportador de energia para outros países da África Austral".
Por ironia da história, o sonho de Angola tornar-se um exportador de energia para os países vizinhos renasce 27 anos após ter sido colocada a primeira pedra na construção da barragem de Capanda, na província de Malanje.
Corria o ano de 1987, quando, em plena guerra civil, Angola, sonhadora, deu a conhecer ao mundo que um consórcio formado por uma empresa da extinta URSS e a Odebrect do Brasil iria erguer a maior barragem hidro-eléctrica no País que, à època, vivia uma grave crise energética.
Na altura, a ruidosa máquina de propaganda governamental já dizia, alto e bom som, que a barragem de Capanda, após concluída, iria abastacer todo o território nacional e o excedente exportado para os países vizinhos.
O facto é que a barragem, que demorou 27 anos a ser construída, não passa hoje de um "elefante branco" que mal consegue cobrir a província de Malanje, limitando-se a fornecer energia a apenas 4 dos 14 municípios que compõem a província do mesmo nome. Do sonho à realidade, vai uma longa distância.
Desde a inauguração de "Capanda", em 2005, até à data, o Ministério de tutela nunca reconheceu publicamente as razões que estiveram por detrás do fracasso da barragem e por que motivo não honrou com a sua promessa de produzir energia para o mercado interno e externo.
Por ironia do destino, o País para o qual Angola pretende agora exportar os seus "excedentes" de produção, ou seja, a Namíbia, vendia até há dois anos a energia eléctrica que iluminava a cidade de Ondjiva e Santa Clara.
Segundo o Ministério de Energia, o nosso País pagava um milhão de dólares/mês à vizinha Namíbia pela energia que era produzida a partir do Ruacaná, uma barragem sobre o rio Cunene.
Quando, em vésperas das eleições de 2022, o órgão dirigido por João Baptista Borges anunciou a ruptura do contrato com o país vizinho, questionei-me sobre a viabilidade económica dessa ruptura contratual.
Embora a imprensa pública tivesse anunciado que, com a ruptura do contrato, Angola iria poupar um milhão de dólares norte-americanos, que antes gastava com a importação de energia da Namíbia, a média estatal não fez, sintomaticamente, nenhuma referência aos custos com a compra de combustível para alimentar os dois "monstros" térmicos.
Pelo que foi possível apurar, as duas turbinas em funcionamento, durante as 24 horas do dia, iriam consumir 200 litros de gasóleo/minuto, perfazendo 12 mil/hora e 228 mil litros/dia. Aos elevados custos para os depauperados cofres do Estado, dever-se-ia acrescer ainda as despesas de manutenções aos equipamentos.
Algumas correntes de opinião defendem que o ideal seria que Angola apostasse, numa primeira fase, em satisfazer, em quantidade e qualidade, o mercado nacional, fazendo chegar a energia aos locais mais recônditos do País e, numa segunda fase, virasse as suas atenções para a exportação aos países vizinhos, de contrário, estaria a dar um passo maior do que a perna.
Há poucos dias foi anunciado em Luanda que Angola e Namíbia pretendem, a partir do próximo ano, desenvolver um projecto conjunto para a construção da barragem hidroeléctrica de Baynes sobre o rio Cunene.
Estando em vista um projecto dessa envergadura, faz algum sentido a pretensão de Angola exportar energia para o país vizinho.