Na sua alocução durante o conclave da JMPLA, o braço juvenil afecto ao partido no poder, João Lourenço não fez nenhuma referência aos valores que Angola poderá pagar pela vinda do combinado argentino, assim como a proveniência do dinheiro a pagar pelo compromisso desportivo.
Alguns jovens, que aplaudiram efusivamente a novidade dada em primeira mão pelo presidente do MPLA, terão estado, provavelmente, no Estádio 11 de Novembro, dias antes de o PR ter sido vaiado.
O episódio aconteceu, há duas semanas, à saída da catedral do nosso futebol, onde acabava de assistir ao jogo Angola/Ghana, que João Lourenço foi "agraciado" por palavras pouco simpáticas vindas de um grupo de jovens que gritava, alto e bom som: "saco de arroz, saco de arroz, fome, fome, fome"!
Apesar do clima de animosidade e de visível contestação, o PR fingiu não ver e ouvir os clamores, e, numa aparente fuga para frente, acenou para os contestários.
Embora tenha estado na cerimónia da "Jota" na qualidade de presidente do MPLA, João Lourenço não se coibiu de abordar um assunto que, em primeira instância, deveria ser feito pelo Ministério da Juventude e Desportos.
Dito de outro modo, o presidente do MPLA quis colher os louros de uma eventual vinda da Selecção de futebol da Argentina e de Leonel Messi, por arrasto, a Angola.
Com o gesto, João Lourenço quis inverter ou atenuar a imagem negativa que se tem da sua governação, cujo resultado tem sido pouco conseguido e alvo de fortes contestações, tanto nos círculos privados como no espaço público.
Provavelmente, embriagados pelo ambiente festivo e contagiados pela psicologia das multidões, os jovens que participavam do conclave da JMPLA explodiram de alegria diante da notícia do PR, sem, no entanto, avaliarem os elevados custos de uma " aventura" de trazer a Selecção Albi Celeste e de Leonel Messi, a sua estrela mais cintilante, ao nosso país.
Nos meios desportivos diz-se que uma deslocação da Selecção da Argentina a Angola custaria aos cofres do Estado a "módica" quantia de 6 milhões de dólares norte-americanos acrescidos de metade desse valor caso Messi venha a integrar a comitiva desportiva.
A projectada vinda da selecção daquele país da América latina poderá onerar o Estado com despesas supérfluas e aumentar os gastos já de si milionários com as festividades da Dipanda.
É nesse âmbito que se enquadra a "pornografia" política de trazer a Angola no próximo ano 70 Chefes de Estado e de Governo para assistirem às festividades relativas ao meio século de (in) dependência de um país que, apesar das suas enormes potencialidades económicas, vive quase de mão estendida à caridade alheia e acossado por dívidas milionárias.
O ardente desejo de trazer a Angola a melhor selecção do mundo evidencia certa vaidade política e a mania das grandezas de um poder que julga ter o mundo a seus pés.
Se, por um lado, pedem aos angolanos para que consintam cada vez mais sacrifícios, apertem os cintos, e "comam", se necessário, as fivelas, por outro, os governantes pouco ou nada fazem para a contenção das despesas públicas.
Nessa de piscar à esquerda e inflectir à direita, o Estado continua a sustentar um tecido governativo gorduroso, um bem nutrido corpo de diplomatas e altos funcionários, a quem concede principescos subsídios e mordomias.
A classe de políticos e governantes parece indiferente aos 11 milhões de pessoas (pelo menos 32% da população) que não têm acesso diário e regular a alimentos, ou seja, vivem em situação de insegurança alimentar grave, enquanto 8,3 milhões (23,2%) estão subnutridas (não têm o que comer, dito de outra forma, passam fome), segundo dados recentes da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Os elogios que João Lourenço fez à nossa Selecção de futebol que, segundo ele, "atravessa um bom momento de forma", e o anunciado convite feito à sua congénere argentina para jogar em Angola deixaram transparecer que o Titular do Poder Executivo (TPE) procura no desporto, sobretudo no futebol, para expor a imagem de Angola fora de portas e garantir a política de "circo" aos milhões de pobres.
Com as devidas distâncias, esta tentativa de reciclar a imagem por via do futebol ocorreu também, há uns anos, no Gabão, quando o deposto Presidente Ali Bongo, com a imagem seriamente corroída pela má governação, se decidiu a levar o astro argentino Leonel Messi ao seu país, numa operação de marketing que, segundo a revista France Football, custou aos cofres do tesouro gabonês a quantia de 3, 5 milhões de euros.
O ex-Presidente do Gabão, que conferiu a Messi um estatuto de Chefe de Estado, viu-se humilhado quando esse, à chegada ao Aeroporto de Libreville, esteve enfiado nuns calções rotos de ganga, numa camisola estampada e olhar distante. Quis, com isso, transmitir um recado ao ex-PR do Gabão sobre a má governação ou a divisão assimétrica da riqueza social?
Não menos humilhante para o ditador gabonês foi o facto de ele ter servido de motorista ao "camisola 10" em passeio pelas ruas de Libreville. Consta que Ali Bongo dispensou o seu motorista oficial para ser ele próprio a conduzir o veículo no qual se fazia transportar o antigo craque do Barcelona.
Por esta e outras razões é que muitos Presidentes africanos não são respeitados, por colocarem os seus interesses pessoais e ambições políticas acima dos interesses da nação.
Daí que a desfeita de Messi não serviu, pelos vistos, de exemplo aos Presidentes africanos que, na ânsia de eternizarem-se no poder, gastam milhões de dólares com futilidades, quando bem podiam usar os recursos financeiros em prol dos seus governados.