A proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2025, aprovada no dia 12 de Dezembro de 2024 pela Assembleia Nacional (AN), parece directamente extraída de um conto de fadas, tamanho é o seu divórcio com a realidade económica do País. Nela vemos a despesa fixada e a receita estimada em Kz 34,63 biliões que, em termos nominais, equivale a um aumento de 40,13% face ao OGE 2024. A proposta aprovada tem como pressupostos a produção de petróleo estimada em 1.098 mil barris por dia e um preço médio do barril de petróleo de USD 70 por barril. Estima-se um défice fiscal global de 1,65% do produto interno bruto (PIB) e saldo fiscal primário positivo de 5,3%, enquanto o défice fiscal primário não-petrolífero é projectado em 4,2%.
Num artigo de opinião, publicado na presente edição deste jornal, Manuel Neto da Costa critica o processo de análise e aprovação das propostas do OGE pela AN em Angola. O colunista destaca que o modelo actual, baseado na Constituição e na Lei do OGE, falha em garantir uma avaliação técnica eficaz. A AN limita-se a uma aprovação genérica, muitas vezes apenas confirmando requisitos formais. Na especialidade, a apreciação mistura a análise do montante total e a sua repartição, dificultando a priorização de despesas essenciais. Mais grave ainda, nenhum escrutínio é feito em torno das premissas que fundamentam as róseas projecções do Executivo.
Após uma leitura minuciosa do OGE aprovado, a conclusão não poderia ser mais clara: estamos diante de um verdadeiro conto de fadas fiscal - uma obra de arte abstracta, praticamente ilegível, excepto para os próprios mestres da criação. Para uma análise profunda da sustentabilidade e da robustez das projecções e estimativas fiscais, elaboramos um mapa de origem e aplicações de fundos (ver tabela abaixo), com o objectivo de testar a solidez e a consistência macro-económica do quadro fiscal.
Ora vejamos,
O OGE estima uma receita petrolífera no valor de Kz 10 852,30 mil milhões e fixa a despesa com o serviço da dívida externa no valor de Kz 10 349,70 mil milhões, ambas denominadas em moeda estrangeira. Assim, projecta-se um saldo de tesouraria em moeda estrangeira no valor equivalente a Kz 502,60 mil milhões. Considerando os pressupostos que fundamentaram a elaboração da proposta, julgamos como moderadamente alto o risco de Angola não conseguir obter os recursos financeiros suficientes para pagar o serviço da dívida externa, que representa cerca de 48% do total da despesa. O principal factor de risco é o preço de referência do petróleo bruto que poderá sofrer importantes flutuações decorrentes da evolução geopolítica na Europa Oriental e no Médio-Oriente.
Os fluxos em moeda nacional pintam um quadro ainda mais trágico, digno de um enredo de filme de terror orçamental. Com a sua habitual overdose de optimismo, a Equipa Económica (EE) promete mobilizar recursos financeiros em moeda nacional de duas fontes: financiamento interno e receita não-petrolífera. Sem surpresa, os nossos deputados não pareceram notar que estavam a ser ludibriados. Afinal, enquanto o OGE prevê a mobilização de Kz 7 548,00 mil milhões, o Tesouro conseguiu apenas a façanha de captar 37,4% dos Kz 3.832,70 mil milhões projectados para 2024, até 30 de Setembro. Essa informação consta do Relatório de Execução do OGE 2024 referente ao 3.º trimestre recentemente aprovado pela Comissão Económica do Conselho de Ministro e amplamente divulgado. No entanto, a cereja no topo do bolo vem na receita não-petrolífera: a EE, num acto de pura devoção celestial, projecta Kz 8 995,80 mil milhões para 2025, mesmo tendo arrecadado apenas 58,4% dos Kz 6 709,60 mil milhões, previstos para 2024, até 30 Setembro. Fé demais ou pura fantasia? Pasme-se!
Esta projecção da receita não-petrolífera assenta sobre a frágil ilusão de um crescimento real do PIB não-petrolífero de 5,12% em 2025. Este número parece mais uma tentativa desesperada de criar uma realidade paralela do que um cálculo fundamentado. Até o FMI, frequentemente acusado de optimista, projecta apenas 4,6% para o mesmo indicador, e isso num cenário macro-económico com medidas mitigadoras ainda a realizar. A amarga e irrefutável realidade é que a EE já provou a sua inequívoca inépcia para sustentar as finanças públicas - a base necessária para qualquer crescimento do PIB não-petrolífero. Exemplos abundam: desde a incapacidade de pagar os funcionários públicos dentro dos prazos legais, até ao fracasso retumbante em mobilizar recursos de financiamento interno junto aos bancos comerciais. Talvez a EE acredite que os milagres económicos aconteçam por decreto, mas a realidade, cruel como é, insiste em destoar.
Ora, partindo da estimativa da receita de Kz 16.543,80 mil milhões (financiamento interno e receita não-petrolífera) e uma despesa fixada em Kz 17.301,80 mil milhões, os fluxos em moeda nacional revelam um défice de tesouraria de Kz 758,00 mil milhões. Claro, isso significa que a projecção da receita não-petrolífera, mesmo digna de haver sido extraída de um conto de fadas, ainda assim é incapaz de sequer cobrir os gastos essenciais, como a despesa com pessoal, o serviço da dívida interna, os bens e serviços e as transferências. No entanto, se retirarmos o toque mágico dos nossos «gurus económicos», o défice de tesouraria em moeda nacional é certamente superior a 50% da despesa prevista! Com isso, sem dúvida, estaremos a navegar por um mar de Abrolhos, repleto de rochas perigosas que se apresentam à flor d"água.
Qual é, então, o "milagre" possível para cobrir o gap de financiamento do OGE 2025?
Nos exercícios económicos 2023 e 2024, a EE acabou por conduzir uma política fiscal quase restritiva que assegurou o pagamento integral do serviço da dívida e das despesas essências através de financiamentos internos, cada vez mais caros, e realizou um conjunto de cortes nas rubricas de bens e serviços e de investimento público. Em 2025, o Executivo do Presidente João Lourenço vai enfrentar uma realidade nova que decorre da indisponibilidade dos mercados de capitais, quer nacional, quer internacionais, para continuarem a financiar o gigantesco e grotesco défice de tesouraria. O gasto público está fora de controlo e a sustentabilidade das finanças, em decorrência, bastante questionável.
Chegados aqui, a EE tem duas opções: forçar a captação dos recursos financeiros junto dos mercados financeiros através de um agravamento das condições de financiamento, que passam pelo incremento das taxas de juro e da redução das maturidades, ou ajustar o quadro da despesa pública nos limites das reais capacidades de tesouraria. O MPLA, partido que suporta o Governo, a oposição e a sociedade civil (academia e mundo empresarial) devem exigir ao Executivo uma definição clara sobre o destino das finanças públicas e da condução da política económica, incluindo a política cambial.
Outrossim, tentar relançar a produção nacional sem antes garantir a estabilidade macro-económica equivale a praticar alpinismo sem corda - um exercício de utopia fiscal digno de um bestseller de fantasia. Com uma inflação galopante superior a 20%, taxas de juros estratosféricas nos 25% e uma moeda nacional que mais parece um barco à deriva frente ao Dólar norte-americano, os esforços do Executivo para relançar o sector produtivo, inevitavelmente, colidirão com a dura realidade: a crónica ausência de competitividade das nossas empresas, esmagadas por custos desproporcionais e uma estrutura económica disfuncional.
Como bem afirmou Eça de Queirós (1845-1900), escritor português e mestre do realismo: «Logo que na ordem económica não haja um balanço exacto de forças, de produção, de salários, de trabalhos, de benefícios, de impostos, haverá uma aristocracia financeira, que cresce, reluz, engorda, incha, e ao mesmo tempo uma democracia de produtores que emagrece, definha e dissipa-se nos proletariados» . Esta reflexão revela a essência de um sistema económico desequilibrado, em que a prosperidade é concentrada nas mãos de poucos enquanto as massas empobrecem.
O nosso povo merece um Estado minimamente capaz de manter as contas públicas equilibradas, criando desta forma um terreno fértil para as empresas crescerem, gerar empregos, combater a pobreza e estimular a produção nacional. Somente com uma gestão orçamental responsável e equilibrada, que garanta justiça e igualdade de oportunidades, pode o Estado promover um verdadeiro progresso económico no qual o desenvolvimento não é privilégio de poucos, mas um benefício partilhado por todos.

*Professor Auxiliar de Economia e Investigador
Business and Economic School - ISG
20.11.2024

Bibliografia
- Relatório de Fundamentação do OGE 2025: Ministério das Finanças, Dezembro de 2024
- Manuel Neto da Costa: «Apreciação das propostas do OGE pela Assembleia Nacional: alguns minutos de fama para os deputados para um documento de utilidade duvidosa, Dezembro de 2024, Novo Jornal
- International Monetary Fund (2023): Angola, First Post Financing Assessment Discussions - Press Release; And Staff Report.