Então, esse conhecimento deveria ter levado o Governo a acautelar, nos seus instrumentos de programação e gestão macro-económica - sobretudo no pós guerra civil -, os riscos daí emergentes, designadamente o de liquidez do financiamento do Estado e o de liquidez em divisas do País para os pagamentos ao exterior, no que se inclui o pagamento do serviço da dívida externa. Tivesse havido tal cautela e o aparente pânico que se estabeleceu na sociedade, como consequência da depreciação acentuada da taxa de câmbio - a qual trás à memória as consequências da crise iniciada no último trimestre de 2014 - teria sido evitado.

Acontece, entretanto, que, na sequência da recuperação dos preços do petróleo bruto no mercado internacional após o choque registado em 2008, assistiu-se, a partir do ano de 2012 - numa altura em que o Tesouro Nacional havia acumulado perto de 8 mil milhões de dólares americanos para capitalizar o Fundo Soberano e um pouco mais de 7 mil milhões de dólares americanos do diferencial entre o preço efectivo e o preço orçamental do preço do petróleo -, a um despesismo que só veio a ser travado, de maneira forçada, por causa de um novo choque negativo do preço ocorrido em 2014 e que originou a crise que agora nos vem à memória. Contudo, com uma nova recuperação tendencial do preço do petróleo bruto, que se vinha registando desde Dezembro de 2021 (após uma oscilação, com uma recuperação dos perto de USD 40/barril, em 2015, para cerca de USD 70/barril, em 2019, seguida de nova queda para cerca de USD 40/barril, em 2020), com o preço médio do Brent a passar de USD 68,88/barril, em Novembro de 2021, para USD 94,12, em Fevereiro de 2022, e que se acentuou no período pós pandemia da Covid-19, como consequência da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, chegando a aproximar-se dos níveis históricos registados em 2008 de USD 130,50/barril, gerou-se uma euforia na sociedade por causa da eventual receita extraordinária.

Assim é que surgiram várias opiniões sobre o melhor destino a dar à mesma pelo Estado - dado que o Orçamento Geral do Estado (OGE) para o exercício de 2022 incorporava uma estimativa de receita petrolífera com base num preço médio de exportação de USD 59/barril -, o que constitui um indício da inexistência de uma política pública para lidar com os windfall gains e comunicada à sociedade. A realidade é que se retornou ao despesismo, denotando a continuidade da natureza pró-cíclica da despesa pública em relação à receita petrolífera. Assim se compreende que, em 2021, no seu discurso sobre o "Estado da Nação", o Presidente da República tenha referido que o excedente da receita petrolífera em 2021 seria utilizado sobretudo para "...garantir um reforço orçamental para a execução de projectos do Programa de Investimentos Públicos enquadrados no OGE 2021 mas que não têm fonte de financiamento garantida...".1

Do lado das contas externas, na sequência da crise de 2014, por um lado as Reservas Cambiais caíram cerca de 12,2 mil milhões de dólares, entre os anos de 2014 e 2021, e, por outro, acumularam-se atrasados de pagamentos externos, os quais até 2018 se calculavam em cerca de 5 mil milhões de dólares, além de que a taxa de câmbio foi mantida administrativamente fixa entre os anos de 2016 e 2018 - quando se iniciou a implementação de um processo de desvalorização gradual - medida da qual resultou a irrelevância da taxa de câmbio do mercado formal na formação dos preços internos. Em Janeiro de 2020 o BNA iniciou a implementação de medidas que visavam o estabelecimento de um mercado cambial formal de facto e a funcionar de modo transparente e com um regime de taxas flutuantes, que tinham sido abandonadas em 2015. Foi nessa altura em que, à margem da lei, se implementou um mecanismo de venda directa de divisas pelo BNA às empresas e a particulares, com base em listas definidas pelo Governo, supostamente para fazer face à escassez de divisas. Entretanto, a taxa de câmbio do Kwanza em relação ao Dólar Americano entre Janeiro e Novembro de 2020 depreciou-se em 33,9%, depois entre Novembro de 2020 e Junho de 2021 apreciou-se 1,7% e voltou a apreciar-se em 28,3%, entre Junho de 2021 e Março de 2022, com uma apreciação de 10,5% só no mês de Março de 2022.

Nota-se assim que a liberalização do mercado cambial, nos termos implementados pelo BNA, sujeitou a taxa de câmbio a variações significativas e bruscas - sejam elas apreciação ou depreciação -, decorrentes da volatilidade dos fluxos das receitas cambiais de exportação do petróleo bruto causadas pela volatilidade do preço do petróleo bruto no mercado internacional. Essas variações bruscas da taxa de câmbio não sendo desejáveis para uma economia piores serão para a economia angolana pelos riscos ora referidos.

Acautelar os riscos de liquidez do financiamento do Estado e de liquidez em divisas do País para os pagamentos ao exterior, emergentes para a economia, para as finanças públicas e para as contas externas, em face da sua excessiva dependência do sector petrolífero, bem como da volatilidade dos preços de exportação no mercado internacional e da probabilidade de choques negativos do preço, remete-nos para abordagens de mitigação da natureza pró-cíclica da despesa pública - do lado das finanças públicas - e das oscilações acentuadas da taxa de câmbio - do lado das contas externas.
Uma dessas abordagens será a da renda permanente que aqui reiteramos e que abordamos nas edições do Novo Jornal dos dias 18/03/2022 (gestão das finanças públicas) e 15/04/2022 (gestão da política cambial). Essa abordagem requer que se considere uma renda petrolífera anual projectada com base na melhor avaliação do preço do petróleo bruto de equilíbrio de longo prazo do mercado - baseado sobretudo nos fundamentos estruturais do mercado mundial, informados pela economia real e, por isso, isolado de factores conjunturais, especulativos e geopolíticos - e numa produção sustentada de longo prazo face às reservas petrolíferas provadas.

Então, no que diz respeito às finanças públicas, a sua gestão prudente deve remeter para uma elevada previsibilidade da despesa pública e a sustentabilidade orçamental, traduzidas num perfil da despesa pública e numa trajectória do endividamento público que garantam a estabilidade macro-económica e o equilíbrio entre as necessidades de financiamento do sector público e a capacidade oferecida para o efeito pela economia nacional, seja em termos do potencial da arrecadação fiscal ou do endividamento público sustentável. Isso feito, a suavização da despesa pública, com a eliminação da sua natureza pró-cíclica em relação à receita petrolífera passa pela constituição de um Fundo de Estabilização da Despesa Pública o qual deve recolher as receitas petrolíferas que excederem as decorrentes da renda permanente, por um lado, e desembolsar os recursos para cobrir eventuais receitas abaixo da renda permanente, por outro.

Quanto às contas externas, é exigível que a gestão da política cambial se baseie também nos fluxos cambiais permanentes da receita petrolífera. Assim, no cumprimento da sua missão de estabilidade de preços e preservação do valor da moeda nacional, o BNA deve assegurar o fluxo de oferta de divisas no mercado livre no limite dos fluxos cambiais permanentes. Para o efeito, interviria para a compra de eventuais excedentes e para a venda de eventuais défices, contrariando assim a eventual pressão para a apreciação ou depreciação da taxa de câmbio à margem dos fluxos permanentes de divisas, respectivamente, tendo em conta a taxa de câmbio de equilíbrio informada pela renda petrolífera permanente.

Em tais circunstâncias, o nível da renda permanente deve estar sujeito a reavaliações periódicas face à eventuais alterações dos pressupostos informados por eventuais alterações estruturais da economia nacional, que pode levar à incorporação de outras fontes de receitas públicas e de divisas, bem como de alterações estruturais da economia mundial.
Aqui importa notar que o n.º 2 do Artigo 104.º da Constituição da República de Angola dispõe que "O Orçamento Geral do Estado (...) deve ser elaborado de modo que todas as despesas nele previstas estejam financiadas". Ou seja, não era suposto inscreverem-se no OGE despesas sem financiamento garantido.