A jornada começa com um adeus emocionado à família, amigos e à muamba de galinha de Sábado. Ou uma saída em segredo, para que não haja inveja nem "tala" que impeça a viagem. Com um brilho nos olhos e uma mala cheia de sonhos (e talvez, escondido, um pacote de fuba de mandioca e alguma kizaca já temperada). Por vezes, fica a promessa de, assim que conseguir emprego, mandar uns trocados para serem cambiados no Mártires, a casa de câmbio mais funcional do país e arredores. Promessa essa que depois cai no oblívio próprio das prioridades do emigrante. E mais tarde, desviada para as necessidades que surgem.
Chegar à Europa, apenas usada como exemplo, para aqueles que é a primeira viagem, é como entrar num filme. Tudo parece mais organizado, as luzes não piscam estimulando o sentimento de calafrio por causa da caixa de coxas guardada na arca, a água escorrega nas torneiras sem soluços e confirmando os conceitos aprendidos na primária de que a água é mesmo incolor, inodora e insípida, o transporte público funciona sem gritarias, baias perigosas e assaltos arrepiantes, o sossego do bairro contrastando com a azáfama das centralidades ruralizadas. Mas, depois vem o preço. Do aluguer de um apartamento, um quarto ou até um colchão para repousar o esqueleto depois de um longo dia de labuta. Não só para quem já labuta mas também para aqueles que garimpam na informalidade. De serviços onde já não esquema nem tio na cozinha.
Os empregos variam. Uns têm mais sorte ou mais jeito, outros nem tanto. É a lei da vida. Doutor em Angola, entregador de pizza na Europa. Pelo menos, agora é doutor em logística. Entre uma entrega e outra, o emigrante pensa na banda. Pensa no que poderia ter sido, no que deixou para trás. Será que poderia ter feito a diferença? Será que o seu talento seria reconhecido? Será que a muamba de galinha ainda tem o mesmo gosto? A saudade é um prato que se come frio, mas o emigrante aprende a temperá-lo com a esperança de um futuro melhor.
Na banda, reclamações eram o denominador comum. Na Europa, o custo de vida é o dominador comum. Depois vem o frio, a solidão, a saudade. Mas, no fundo, o emigrante sabe que, apesar de tudo, vale a pena. Porque, na incerteza da Europa, vislumbram-se oportunidades. Em Angola, a certeza do risco é uma constante e tal como o desgaste resultante dos problemas banais de todos os dias. Mas nem todos podem emigrar. E os insatisfeitos podem sempre regressar corroborando com a profecia do fundador da nação...havemos de voltar.
E assim segue o emigrante, entre risos e lágrimas, entre conquistas e desafios. Ele sabe que a jornada é longa, mas também sabe que, no fundo, é um sobrevivente. E, quem sabe, um dia ele volta. Ou talvez não. Mas, enquanto isso, ele segue, com a banda no coração e a Europa nos pés. Julgar quem sai não é a solução. Criar condições para não sair parece ser o mais próximo do "corrigir o que está mal".
Sorriso crónico
O Emigrante Angolano
Há quem diga que emigrar é um acto de coragem. Outros dizem que é um acto de desespero. Mas para o angolano que junta cada kwanza suado para comprar um bilhete de avião e obter um visto, é uma mistura de ambos, temperada com uma pitada de esperança e uma colher cheia de incerteza. As opiniões divergem sobre os motivos, vantagens e desvantagens, mas o certo é que há muitos angolanos e angolanas a emigrar, incluindo cérebros em fuga. Ou em busca de melhores condições de vida e oportunidades. Depende do ponto de vista!
