Efectivamente, o renascimento da agro-indústria, em Angola, enfrenta enormes desafios. São inúmeros exemplos que indicam o fracasso da afirmação da agro-indústria em Angola. Em 1977, vivia no Lobito quando o primeiro Presidente de Angola, Dr. Agostinho Neto, fez a abertura da safra da cana-de-açúcar na Catumbela, antes chamada de Cassequel. A plantação da cana-de-açúcar findava na rotunda do Bairro da Luz, atingia em média três metros de altura. Hoje, nos mesmos, campos a cana-de-açúcar raramente chega a atingir um metro de altura. Em Benguela, havia duas açucareiras: da Catumbela e do Dombe Grande, não sei se os proprietários eram os mesmos, mas, após confiscados, passaram ao domínio do Estado. As duas açucareiras estão em escombros, não foi por acção de guerra, a verdade é que deixaram simplesmente de existir, os terrenos de cultivo de cana-de-açúcar estão hoje talhados e em mão de outros titulares, tendo o País passado a importador de açúcar.

Tenho conhecimento da existência de algumas fábricas de transformação de tomate: uma na Matala (remodelada, mas inactiva, segundo uma recente reportagem da TV Zimbo), uma algures na Província do Namibe e outra no Dombe Grande, no Município da Baía Farta, na Província de Benguela (ambas inactivas). Por que razão as fábricas de processamento de tomate com tecnologia de ponta estão inactivas? Um mercado que importa anualmente mais de 3 mil toneladas de concentrado de tomate? Do tomate derivam vários produtos: concentrado, que depois é transformado em conservas de massa de tomate, sumos de tomate e muitos outros produtos. No passado, existiram várias fábricas de transformação de tomate em vários pontos de Angola, que sucumbiram à incapacidade de gestão dos novos donos (como todas as outras agro-indústrias herdadas do colonialismo português), que não tinham o conhecimento, consequentemente o engenho de conduzir o negócio do ramo de tomate. Malet conta a história de um General (prefiro omitir o seu nome), que liderou uma empresa de processamento e transformação de tomate, que apesar de nunca ter comandado um pelotão de militares, ostenta a patente de General, das Forças Armadas da República Popular da China, por liderar uma empresa lucrativa do negócio do tomate industrial pertencente ao exército chinês: desde a produção agrícola até à sua transformação em concentrado, que é exportado para Europa e África, a partir de Xijiang. Hoje, este general está algures na costa Ocidental da África, gere a sua própria empresa que negoceia concentrado e conservas de tomate, importado e reprocessado e comercializado em todo o continente, condenando os produtores locais de tomate a falência, pois não conseguem competir com o concentrado importado da China.

Malet conta que as políticas de estabilização e ajustamento estrutural dos anos 1980, liderados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM), impuseram a liberalização do comércio, assente no Consenso de Washington, que acabou por destruir a dinâmica da indústria de produção e processamento de tomate, que emergiu no Gana e Senegal, logo após a independência desses dois países em 1957 e 1960, respectivamente. As políticas neoliberais impuseram a liberalização do comércio de forma abrupta, escaqueirando as portas das alfândegas desses países. Liberalizar o comércio de uma economia com profundas deformações e desintegrada levou a falência das indústrias de transformação e processamento de tomate e outras de outros ramos. Com a falência das indústrias, os produtores agrícolas também sucumbiram, não lhes restou outra alternativa, senão arrojarem-se na travessia do mar mediterrânico e sujeitarem-se às imposições dos caporalatos (grupos que intermedeiam e exploraram trabalhadores nas plantações agrícolas) nos campos de produção de tomate e outras frutas no Sul da Itália. O mais sensato era permitir que fossem encetadas reformas que permitissem a elevação da competitividade da economia, com programas de construção de infra-estruturas, e, essencialmente, a capacitação das pessoas, sem o qual, simplesmente, restaurou-se a colonização, que apenas mudou de face.

A agro-indústria angolana teve momentos de glória, era essencialmente alimentada por matérias-primas locais, nas localidades onde vivi, conheci uma indústria de produção de óleo alimentar a partir de gergelim, a fábrica chamou-se Sibelda e havia também a EFA, transformadora de farinha de trigo, em Silva Porto Gare, hoje Cunje. Existia ainda a fábrica de bebidas alcoólicas e não alcoólicas que se chamava Faive em Nova Sintra, hoje Catabola. No Cubal havia uma fábrica de transformação e processamento de tomate, fazia concentrado de tomate (passa-me o nome da mesma). Em Benguela conheci a Dusol, Moagem Canine e Palapala, para citar apenas algumas, pois existiram muitas agro-indústrias, nos anos 1970. Então, como é que se explica que todas acabaram por sucumbir? Encontro várias respostas, uma das quais tem a ver com o que tenho reiteradas vezes referido, o problema da propriedade. Os confiscos, que transferiram as propriedades para o Estado, fez com que a gestão fosse feita por pessoas sem perfil de negócio e competências de gestão empresarial. As narrações de Malet mostram que as indústrias de transformação e processamento de tomate sempre foram dominadas por famílias, algumas estavam sob comando da terceira geração, ou seja, não basta boa vontade ou intenções, é preciso saber-se a origem e a história do negócio.

Uma segunda razão está associada à desconexão, que se fez, talvez por razões da guerra civil, que se seguiu independência nacional, entre a agricultura (fontes das matérias-primas) e as agro-indústrias. Não é realista ter a agro-indústria desconectada do sector primário, alimentar as fábricas com matérias-primas importadas é insustentável. As agro-indústrias, tais como as moagens de farinha de trigo e de milho, são alimentadas com matérias-primas importadas, o mesmo acontece com as fábricas de bebidas, vivem de insumos importados. Deixou de haver a ligação que havia entre os produtores agrícolas e os industriais, que se fazia, ou de forma directa, com o industrial a fomentar a produção da matéria-prima, ou de forma indirecta, que se dava através dos comerciantes espalhados pelo meio rural, que compravam ou trocavam os produtos agrícolas. Com o desaparecimento dos comerciantes no meio rural, a saída é o fomento directo pelo produtor industrial, assegurando o fornecimento de insumos e assistência técnica, adquirindo depois a produção. O fomento, se bem delineado, vai permitir o estabelecimento de relações comerciais profícuas, beneficiando, por um lado, o produtor agrícola e, por outro, o produtor industrial, que tem o controlo da origem da sua matéria-prima.

A agro-indústria tem de estar ligada ao sector primário da economia do País, foi o que os italianos e os franceses fizeram. A China seguiu fielmente o exemplo dos países da Europa Ocidental que tinham a indústria de tomate desenvolvida. Hoje a China é o maior exportador do concentrado de tomate, seguindo-lhe a Itália, os Estados Unidos da América, a Espanha e Portugal. Todos fazem com o tomate fomentado pelos produtores individuais, (claro, explorados) mas são os que alimentam a grande agro-indústria do tomate. Se quisermos atenuar o domínio dos países mais desenvolvidos que nós, temos de investir seriamente no conhecimento, o que vai evitar darmos os passos em falso, gastar dinheiro com fábricas que depois não funcionam, porque não se fizeram estudos aprofundados sobre os investimentos, não faz sentido. A roda foi inventada há muitos anos, mas não nos dá o direito de copiar iniciativas que resultam em desperdício de recursos. As fábricas de transformação e processamento de tomate, a desactivação das cinco açucareiras e muitas outras agro-indústrias, hoje em escombros, são exemplos de que não basta haver dinheiro, é preciso saber fazer. Por não se saber, fazer a agro-indústria tem sido um fracasso. Portanto, deve-se deixar para os que sabem fazer!