Quando observamos o estado da democracia em muitos países africanos, percebemos que ela tem sido um instrumento de divisão e não de coesão nem de justiça social. Para muitos governos, a democracia tem como principal objectivo a manutenção de uma causa narcisista de poder, usando todas as artimanhas para contornar as suas Constituições e a Lei. De igual modo se assiste à manipulação e injustiça eleitoral como poder para os mesmos fins sob o olhar conivente da União Africana e hipocrisia de muitos países que, em nome do negócio, reconhecem a sua validade.
O problema desta narrativa envelhecida e prepotente é que ela está errada. Estes governos são testemunhas de um presente que se está a voltar contra eles, fruto da emancipação da consciência dos pobres que hoje sabem que têm Direitos. Desta forma, reconhecem a necessidade de fazer nascer um novo futuro que resolva a gritante desigualdade social, a ineficácia económica, a corrupção institucional, a ausência de transparência e a impunidade dos eleitos.
Angola está a atravessar um momento singular na sua história. Um momento que deveria acender todos os alertas pelo perigo que representa. A longevidade dos antigos movimentos de libertação ainda no poder impede o desenvolvimento com assertividade, rigor, pertinência e criatividade, dos partidos que hoje carregam a pesada herança monolítica. Falta, sobretudo, uma VISÃO que não deixe ninguém para trás. Não é necessário inventar uma nova democracia para África como muitos pretendem a pretexto da satisfação dos seus interesses políticos, defendendo um modelo que se adeque às suas conveniências. O que precisamos é de expurgar a nossa democracia de todas as conspirações institucionais e de toda a má-fé.
Vamos comemorar 50 anos de Independência. É assustador observar que só ouvimos o Governo falar das efemérides e de quão grandiosa vai ser a celebração deste meio século em que os angolanos são os donos do País. Todos reconhecemos a importância desta data e o seu profundo significado. Mas seríamos incoerentes se não exigíssemos uma resposta honesta e contundente, sem artifícios eleitoralistas, para o futuro que olhe, olhos nos olhos para as pessoas, a sua educação, o seu acesso a um médico, a solução para esta fome que assola este presente inglório e atinge milhões de angolanos. Seríamos falsos se não esperássemos uma resposta capaz de resolver a angústia da falta de eficácia, de audácia, financiamento e patriotismo dos programas sociais emergentes.
Seríamos ingratos para com todos os que deram a vida para que o País fosse nosso, de todas as cores e credos, com e sem militância política, em todas as frentes de combate, na academia, na literatura ou nas artes se continuarmos a aceitar a presunção que os eleitos nasceram para viver no topo do mundo e os eleitores para rastejarem a vida toda. Os princípios são universais e nenhum ser humano precisa de mais direitos do que o outro.
O 50.º Aniversário da Independência de Angola deve ser um momento de reflexão consciente e patriota que olhe para o país real, aquele que não aparece na Euronews. Devemos de honrar o nosso passado. Mas é imperativo que tenhamos coragem para olhar para o presente e acautelar as prementes necessidades que atentam contra todos os Direitos Humanos, assegurando desta forma o futuro.
Todos os dias eu renovo a minha estima por todos os que lutaram e lutam de forma honesta e sem proveito próprio, para transformar África num continente livre de miséria e do subdesenvolvimento. Foi este sentimento que esteve presente na mente de alguns dos nossos pais fundadores, assente em objectivos nobres que queriam o bem comum. Mas a cada dia é maior o meu desrespeito por todos aqueles que desvirtuam, subjugam, adulteram, escravizam e reduzem boas intenções em honra ao seu egoísmo e enriquecimento pessoal desonesto, que são os únicos responsáveis pelo atraso, miséria, descompasso e dependência externa em que os nossos países estão mergulhados sem que sejam capazes de materializar o nascimento de um país para Todos.