Sim, os escombros falam. Mas não com palavras, apenas com a sua presença inacabada, impura, num silêncio ensurdecedor que fere a vista. Contam histórias de sonhos interrompidos, de promessas não cumpridas, de um futuro que nunca chegou. São monumentos à ambição desenfreada, à corrupção, à falta de planeamento. São cicatrizes abertas na paisagem urbana, um lembrete constante de que o progresso nem sempre é sinónimo de desenvolvimento.
Caminhando pelas ruas de Luanda, é fácil depararmo-nos com essas ruínas, esses esqueletos de concreto que pontuam o horizonte. Prédios inacabados, abandonados a própria sorte, com ferros retorcidos a desafiar o céu, janelas vazias como órbitas sem vida. Edifícios que foram, um dia, símbolo de esperança, mas que hoje são motivo de chacota. Mas ninguém diz nada, não há responsáveis. Há apenas a responsabilidade colectiva de um deixar andar, de quem tem os seus problemas pessoais e tudo o resto "fica já assim".
Os novos edifícios, com suas fachadas espelhadas, reluzem sob o sol, como se quisessem esconder a vergonha dos seus antepassados, velhos, a morrer aos poucos, mas também enciumados dos que eram para ser novos mas que não acabaram. Esses esqueletos de concreto não são velhos mas também nunca serão novos. Continuam ali, imóveis, a observar a cidade que se transforma. Testemunhas mudas de um passado recente, mas que parece tão distante. Cada edifício abandonado carrega consigo uma história única, um drama particular. Talvez um empreendimento que tenha ruído por falta de financiamento, um esquema de corrupção que levou à falência do proponente, ou simplesmente um projecto mal planeado desde o início.
Mas há algo de poético nessa ruína. Uma beleza melancólica, quase romântica. As plantas que brotam entre as fendas do concreto, as aves que fazem ninho nas vigas de ferro, a patina do tempo que cobre as paredes. São sinais de vida que resistem, mesmo nas condições mais adversas. Esses escombros são um espelho da nossa sociedade. Um reflexo das nossas contradições, das nossas ambições, dos nossos fracassos. São um lembrete de que o progresso não se constrói apenas com cimento e aço, mas também com ética, transparência e justiça social.
E enquanto os escombros continuarem a dominar a paisagem urbana, a cidade de Luanda permanecerá incompleta, dividida entre o sonho e a realidade, entre a esperança e a desilusão. Uma sinfonia inacabada, onde o silêncio dos escombros ecoa mais alto que qualquer outra melodia. Pena é que esta sinfonia inacabada é exportada para outras paragens.