De forma pacífica e democrática, o processo, incluindo a campanha, a votação e a divulgação dos resultados eleitorais pouco depois do escrutínio, traduziu o compromisso da elite política tswanesa com a estabilidade, o progresso, a dignidade do país e o respeito pela vontade popular.
Diferentemente de Moçambique, o Botswana não apresentou qualquer indício de irregularidades ou crimes eleitorais como enchimento de urnas, discrepância entre o número de votos e de eleitores registados ou falsificação de editais.
O Presidente Mokgweetsi Masisi, 63 anos, líder do libertador Partido Democrático do Botswana (BDP, sigla em inglês) aceitou os resultados eleitorais e prometeu cooperar com o novo líder. O BDP passou de 38 deputados (52,6%) para seis, menos de dez por cento de um parlamento com 61 deputados. "Fizemos tudo mal aos olhos do povo", afirmou com humildade.
Felicitou o vencedor, Duma Boko, 54 anos, advogado de direitos humanos, graduado pela universidade norte-americana Harvard, líder da Coligação para a Mudança Democrática (UDC, sigla em inglês), que obteve a maioria absoluta com 36 lugares no parlamento.
"Participarei de um processo de transição suave, apoiando a nova administração que terá o meu apoio", assegurou Masisi, às primeiras projecções (antes da divulgação dos resultados oficias pela Comissão Nacional de Eleições), adiantando que "estamos muito satisfeitos por nos tornarmos uma oposição leal".
Manifestou ainda "orgulho dos processos democráticos", instituídos há 58 anos por Seretse Khama, fundador do partido em 1961 e primeiro presidente do Botswana independente.
Colocando o Estado à frente de formações partidárias, lembrou aos seus concidadãos princípios basilares de sociedades democráticas, nomeadamente que o "serviço público é apolítico e serve o governo do dia.
Dois dias depois da divulgação dos resultados eleitorais pela Comissão Nacional de Eleições, na cerimónia de passagem de pastas, o novo presidente Duma Boko regozijou-se com a transição pacífica e exemplo que o Botswana dá ao mundo.
"Sua Excelência (Presidente Masisi) telefonou-me e garantiu-me que iria entregar o poder e aqui estamos hoje sem qualquer apreensão ou acrobacia", disse Boko.
O Botswana está a "enviar uma mensagem ao continente africano e ao resto do mundo" de que "a democracia está viva e em acção", disse, saudando a atitude do Presidente derrotado.
Trata-se da primeira derrota do BDP em 58 anos de independência nacional, período em que se construiu uma das melhores democracias do Mundo, um país estável com elevada qualidade e dignidade de vida.
Masisi, o primeiro líder do BDP a fazer apenas um mandato, sem recorrer a subterfúgios nem ameaças de caos, mostra a África e ao Mundo que o respeito pela soberana vontade dos povos é em si mesmo um grande serviço à estabilidade, democracia e ao bem-estar das populações.
Com afinidades políticas com vários partidos libertadores da região, particularmente FRELIMO, ANC, SWAPO, Chama cha Mapinduzi, MPLA, ZANU e outros, os democratas tswaneses sempre pugnaram pelo equilíbrio do binómio bem-estar das populações locais e solidariedade com os povos oprimidos.
Sob a batuta do BDP, liderado por Seretse Khama, logo a seguir à independência nacional, o Botswana juntou-se à Zâmbia e Tanzânia na Linha da Frente, organização que se batia pela libertação da África Austral, nomeadamente pelas independências de Angola, Moçambique, Zimbabwe e Namíbia bem como a abolição do regime do Apartheid na África do Sul.
É membro fundador e sede da organização de integração regional, SADC, integrada também pela África do Sul, Angola, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Swazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe.
Desde a independência, o país tem construído o seu prestígio, apostando na promoção de instituições impulsionadoras do progresso interno, na integração e solidariedade regionais e na defesa dos valores da liberdade e dignidade dos povos, sobretudo africanos.
Nos últimos anos, o Botswana integrou as Forças Militares da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SAMIM) que em Cabo Delgado, ajudaram Moçambique a combater o terrorismo que assola aquela região.
Em 2022, ao inaugurar em Lobatse, no Botswana, o Museu Samora Machel (1933-1986), primeiro presidente de Moçambique, Masisi disse que tal acto visava também homenagear todos os que contribuíram para a libertação de África.
O museu, construído numa parceria entre o Botswana e Moçambique, recorda a história da luta de libertação de Moçambique, o papel de liderança desempenhado por Samora Machel e os primeiros anos da Independência do país.
Recorda também o elevado preço pago por países da região, como o Botswana, devido ao seu apoio à luta de outros povos-irmãos. Países que foram vítimas de bombardeamentos, sanções e chantagens políticas e económicas por parte do regime de Apartheid na África do Sul e seus aliados ocidentais que se opunham à emancipação dos povos africanos.
Nos 58 anos de governação do partido libertador do Botswana, a educação foi sempre uma aposta prioritária. O investimento neste sector resultou no aumento exponencial da oferta educacional no país.
Hoje, a pátria de Seretse Khama tem uma das mais elevadas taxas de alfabetização do continente, uma taxa de analfabetismo inferior a nove por cento e 100% de cobertura escolar. Noventa por cento das crianças frequentam as escolas públicas, sete por cento, as privadas e três por cento estudam em regime de ensino ao domicílio. Ou seja, não há crianças fora do sistema de ensino.
Para esse sucesso, o Botswana, com um PIB per capita de 7,249.80 dólares e uma população de cerca de 2500 milhões de habitantes, destina cerca de 10 por cento do Orçamento de Estado ao sector de Educação.
A qualidade de ensino do país é reconhecida externamente de tal forma que a Universidade do Botswana recebe anualmente muitos estudantes de diversos países do continente em busca de uma formação de excelência.
Segundo produtor mundial de diamantes, depois da Rússia, o país passa por uma crise económica e social, resultante da drástica diminuição das receitas dos diamantes, consequência da queda da procura de diamante no mercado mundial. Esta pedra preciosa representa um quarto da economia do Botswana e mais de 90% das suas exportações.
Diamante que foi o principal catalisador do crescimento económico do Botswana, um dos mais elevados do Mundo, em média 9%/ano, entre a proclamação da independência e o final do século passado.
O surgimento de diamantes sintéticos no mercado mundial, que imitam quase na perfeição os originais, está na base da queda da procura que se acentuou durante os anos da pandemia da Covid-19. Como consequência, a economia do Estado tswanês decresceu e, naturalmente, a da taxa de desemprego subiu vertiginosamente, atingindo este ano os 27 por cento.
Para além do mau desempenho da economia, as divisões internas no BDP, que culminaram no apoio à campanha da oposição por parte de Ian Khama, antigo Presidente do país e ex-líder do partido, também contribuíram para o desaire eleitoral do partido libertador.
Filho de Seretse Khama, primeiro Presidente do Botswana, Ivan Khama que se refugiou na África do Sul em 2021, na sequência de processos judiciais em que é acusado de posse ilegal de armas de fogo, recepção de bens roubados e lavagem de dinheiro, regressou ao país de propósito para ajudar a derrotar o seu antigo partido e Masisi, a quem acusa de perseguição política.
Masisi chega ao poder em 2018, depois da demissão do seu antecessor, Ian Khama, 18 meses antes, para cumprir rigorosamente a Constituição, que limita o mandato dos chefes de Estado a dez anos.
O novo incumbente de Gaberone, Duna Boko, tem agora em mãos a gigantesca missão de restaurar a economia e a confiança da população, sobretudo da juventude que chancelou as suas ambiciosas promessas eleitorais.
Essas promessas incluem a criação de 500.000 empregos, construção de 100.000 casas em cinco anos, redução em 30% dos preços da água e da electricidade e a criação de um seguro de saúde para todos os cidadãos.
Introduzir um salário mínimo de 4.000 pulas (cerca de 280 euros) e estabilizar as relações com os parceiros da indústria diamantífera, são outras das promessas do Presidente Boko para atacar os problemas da sociedade, nomeadamente a elevada taxa (38%) de desemprego jovem.
Olhando para o caos pós-eleitoral moçambicano, o Presidente Masisi recusa o apego ao poder "doa a quem doer" e prepara o seu partido para ser oposição responsável e construtiva. Um exemplo raro na região.