Num contexto em que anualmente saiam de Portugal para várias partes do Mundo cerca de 100 mil pessoas, essa nova emigração para Angola, sobretudo para a construção civil, de gente, grosso modo, pouco qualificada, resultou em muitas vantagens económicas, sociais e políticas para Portugal.
Por isso, as autoridades lusas assumiram e reconheceram, naturalmente, as causas e a importância desse fluxo migratório, uma oportunidade para milhares de portugueses conseguirem rendimentos e condições de vida que o seu País não podia oferecer.
Neste quadro, para facilitar a integração dos seus emigrantes nos destinos de acolhimento e a sua ligação ao País, o Governo português reforçou serviços de apoio e protecção dos seus emigrantes, nomeadamente consulados.
Lisboa reconhecia que os portugueses imigravam para Angola e Moçambique "atraídos pelas perspectivas de crescimento e a facilidade de comunicação em português".

Nessa altura, Angola parecia um gigantesco estaleiro de obras e a sua economia atravessava um período de franco crescimento. Entre 2003 e 2008, o PIB angolano cresceu em média 14,8% ao ano - maior subida do Mundo.
Nos anos subsequentes, a economia angolana continuou a subir, mas de forma mais moderada, crescendo apenas 2,5% de 2009 a 2011, impulsionada pelo aumento da produção de petróleo, principal fonte de receitas nacionais.
O efeito desse aumento da produção do crude foi mais acentuado nos dois anos seguintes (2012 e 2013). Nesse período o crescimento económico situou-se respectivamente nos 8% e 8,3%.
No entanto, daí em diante, a economia angolana foi girando entre a estagnação e a retracção, entrando em recessão em 2016 e 2017. Nesse último ano, final do longo consulado de José Eduardo dos Santos, o PIB nacional era de 122 mil milhões de dólares.

Cinco anos depois, em Setembro de 2022, quando João Lourenço toma posse para o segundo e (constitucionalmente) último mandato, o PIB tinha descido para 115 mil milhões de dólares.
Continuando em queda, neste segundo semestre de 2024, o PIB nacional vale apenas 23 mil milhões de dólares, segundo o jornal angolano "Valor Económico".
Estes dados traduzem a crise económica e social sem precedentes que o País enfrenta. A taxa de desemprego jovem (entre os 14 e os 24 anos) ultrapassou os 63 por cento no primeiro trimestre de 2024, de acordo com dados do Inquérito ao Emprego em Angola (IEA), divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE).

A fome atinge pelo menos 11 milhões de angolanos, segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e a pobreza extrema afecta quase metade da população do País, de acordo com dados da Afrobarometer de 2024.
Sem perspectivas de melhoria a curto ou médios prazos, a pobreza, que "não será eliminada com doações de políticos estrangeiros", como alerta o jornalista angolano Cláudio Silva, continua a ser o principal drama dos angolanos.

O número de crianças fora do sistema de ensino vai crescendo todos os anos, superando largamente os quatro milhões. Só Luanda, a capital, tem mais de um milhão de crianças sem escola, representando um problema estrutural, resultante do modelo político e de desenvolvimento adoptado.
Apesar desses milhões sem escola, no Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2024, a Educação com apenas 6,4% não tem qualquer prioridade. Em 2023 era 7,7%. Valores manifestamente insuficientes para colocar ao centro da governação um sector determinante para o combate à pobreza.
Muito longe da meta de 15%, recomendada pela UNESCO, o orçamento do sector em causa, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), representa uma "proporção menor dos recursos alocados à Educação em comparação com os últimos cinco anos".
"Uma vez que a Educação é fundamental para o crescimento do País", o UNICEF defende a revisão da dotação orçamental do sector, que representa apenas cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB).
A esse ritmo, o País está muito longe de respeitar o compromisso de proporcionar educação básica e secundária a todas as crianças e jovens até 2030, inscrito na Declaração de Dakar, adoptada em 2000 por 164 países, incluindo Angola.

Neste País em que os governantes insistem em ignorar a educação como primeiro passo para a cidadania, variável decisiva para o desenvolvimento da sociedade, bem como para o combate à pobreza e à criminalidade, as prioridades do Estado estão invertidas e centradas em questões conjunturais de fachada e supérfluas ou fúteis.

Só em automóveis, segundo o jornal "Expansão", o parque do Estado, em 2022, ultrapassava as 60 mil unidades. A um preço médio de 120 mil euros por viatura, esse parque vale 7,2 mil milhões de euros, quase cinco vezes mais que os 1,5 mil milhões de euros atribuídos à Educação.
Nesta senda, a crise generalizada do País, resultante de políticas e políticos errados, está na origem da fuga de angolanos para o estrangeiro, nomeadamente jovens, dos quais muitos qualificados, que cresce todos os anos, principalmente para Portugal.

Neste momento, Angola lidera a lista dos países que mais imigram para Portugal. Os angolanos fogem da fome, da miséria, da falta de assistência médica e medicamentosa e do desemprego.
Fogem também da intolerância política, da falta de água, de energia eléctrica, de segurança, de escola, bem como de confiança e de esperança. Ou seja, falta de dignidade.
Sem incluir os detentores de dupla nacionalidade (angolana e portuguesa), os angolanos já representam mais de 14 por cento do total de estrangeiros residentes em Portugal, uma cifra em grande crescimento.
Contrariamente a Portugal que divulga e actualiza os dados sobre a sua emigração, as autoridades angolanas e os capturados media de capitais públicos escondem os números, com o fito de mascararem a catástrofe económica e social que criaram ou ajudaram a criar.
Fazem isso convencidos que, escondendo a cabeça debaixo da areia, como a avestruz, conseguem enganar os angolanos e parceiros estrangeiros, principalmente os ocidentais, sobre o mau desempenho da sua governação, a má distribuição da riqueza e as consequentes desigualdades sociais.

Onde Portugal viu necessidade de reforçar os serviços de apoio aos seus emigrantes quando confrontado com novo fluxo migratório, as autoridades angolanas optaram por robustecer informadores (agentes da bófia) entre permanentes e ocasionais, alguns disfarçados de membros de organizações de caridade.
Enquanto Portugal acarinha os seus emigrantes, como uma extensão do País, criando condições facilitadoras para o seu regresso, adoptando medidas políticas específicas, como programas fiscais destinados aos jovens, Angola diaboliza e cria um divórcio com os seus concidadãos no estrangeiro.
Esses "emissários", feitos passageiros frequentes em Portugal, têm como missão vigiar e saber o que fazem e dizem os seus conterrâneos sobre a prestação do Poder político que, no País, criminaliza a crítica e a contestação, ao mesmo tempo que foge do escrutínio "como o diabo da cruz".

Um Poder mais preocupado com a sua imagem externa do que interna, e tem medo que os novos diaspóricos engrossem o coro de denúncias sobre a miséria que grassa pelo País todo. Por isso, persegue e intimida quem foge ou quer fugir da miséria para tentar travar a divulgação massiva das suas maracutaias.
Quando a União Africana elege a diáspora como a sua sexta região, Angola alimenta uma atitude diasporofóbica, normalizando a perseguição através da calúnia e da mentira sobre os cidadãos que deixam o País em busca de um mínimo de dignidade para as suas vidas, como escola para os filhos.
Tal como os anteriores, os novos emigrantes são catalogados como traidores da Pátria, gente que fala mal do País (clara confusão entre governantes e País) e angolanos de segunda ou de terceira categoria.
Quando devia trabalhar para dar esperança e confiança aos angolanos, particularmente aos jovens, os políticos nacionais tentam encontrar formas de bloquear essa fuga, atiçando as milícias digitais do ódio que criam e disseminam fake news sobre a vida dos diaspóricos, promovendo campanhas de desinformação sobre as dificuldades que os angolanos no estrangeiro enfrentam.

Os diaspóricos sem vínculos com o Poder ou com o partido no poder, ou que se recusem a se submeter à acção propagandística dos emissários informadores, só podem contar com os habituais laços e redes informais angolanas, para além das autoridades locais.