Em nota verbal de 27 de Maio (que data!), dirigida a todas as (15) embaixadas africanas acreditadas em Portugal, a representação do Presidente João Lourenço recorda que, numa reunião realizada em Março, "nos opusemos à inclusão na lista de convidados a Dr.ª Luzia Moniz, cidadã luso-angolana que faz activismo contra a mais Alta magistratura e Governo da República de Angola".
Alegando que o Presidente e o Governo angolanos foram "legitimamente eleitos", os autores do documento insurgem-se contra o activismo de Luzia Moniz, "cujos artigos são públicos".
Por isso, a Missão Diplomática teve a "honra de informar" que, por "razões expostas e defendidas" na citada reunião de Março, Angola, País que quer assumir a presidência da União Africana em 2025, não estaria (e não esteve) na cerimónia oficial do Dia de África, organizada por todos os países africanos acreditados em Portugal.
Na opinião dos autores da nota, a inclusão do meu nome entre os convidados "viola o princípio de promoção da Unidade, Solidariedade e Coesão entre os Estados, previsto no Acto Constitutivo da União Africana".
Com este documento, "a capital" torna oficial e internacionaliza o ataque à minha Liberdade, nomeadamente de pensamento, opinião e de expressão, e tenta proibir ou condicionar as relações de amizade e de parceria pan-africanistas que mantenho com diversos países africanos.
Quando devia aproveitar a efeméride para esclarecer os africanos sobre o seu envolvimento ou não na recente tentativa de golpe de Estado na vizinha-irmã República Democrática do Congo, numa manobra dilatória, "a capital" colocou-me como o alvo a abater, certamente para desviar as atenções.
Com esse comportamento, "a capital" decreta a proibição de se criticar e protestar contra o Presidente e Governo do País, onde diariamente morrem à fome 46 crianças, segundo dados oficiais divulgados por este jornal.
Decreta a lei da rolha para evitar que se fale da miséria que atinge as populações de todo o País, nomeadamente do Sul (Cunene e Huíla), de onde são originários os pelo menos dois mil angolanos salvos da morte à fome pelas autoridades da Namíbia.
Desses "deslocados da fome" que encontraram no País irmão e vizinho o apoio social que os retira da vergonhosa lista de angolanos que morrem à fome, mais de metade são crianças e aproximadamente 70 são mulheres grávidas.
Estes acontecimentos resultam, sobretudo, do abandono a que estão votadas as populações mais frágeis, como denuncia o padre Pio Wacussanga, ao clarificar que "a seca, quando começou, em força em 2012, já encontrou vulnerabilidades, porque, se tivesse encontrado uma situação em que a comunidade tivesse meios para sobreviver, não teria sofrido tanto. Já havia vulnerabilidade, pobreza, exclusão social, falta de meios de vida ou meios de vida frágeis ao nível da saúde, educação, segurança alimentar e então, quando vieram as alterações climáticas, só agravou a situação".
Querem silêncio sobre o falhanço de uma governação que deixa mais de quatro milhões de crianças sem Escola. Situação que tem como consequência natural o aumento da taxa de analfabetismo, que, nos últimos anos, passou de 25% para 34%, de acordo com estudos internacionais.
Crianças sem qualquer possibilidade de reivindicar direitos humanos básicos, como Educação e Liberdade, e assim, condenadas a um presente e futuro longe da dignidade humana.
No País em que 87 por cento das escolas primárias e secundárias públicas funcionam sem acesso à água canalizada, os "da capital" querem silêncio sobre escândalos financeiros como a sobrefacturação de preços na compra de autocarros públicos, gastos em Lexus e outras viaturas luxuosas superiores aos das carteiras escolares e impunidade de políticos que abocanham os recursos nacionais.
"A capital" quer matar a crítica e os críticos porque estão incomodados com quem denuncia que 82 por cento das escolas do Estado estão privadas de energia eléctrica e que 60 por cento desses estabelecimentos de ensino mão têm casas de banho.
No País em que a luxuosa frota de aviões presidenciais e governamentais cresce anualmente, "a capital" quer evitar que se fale dos 89% de escolas públicas sem qualquer tipo de cabimentação orçamental do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE).
Nessa tentativa de me transformar em "jornalista bem-comportada", expressão de Lula da Silva, os "da capital" não querem que o Mundo perceba que nada justifica que em Angola haja 12% das escolas com "salas de aula" ao ar livre e que 31% dos alunos percorrem a pé mais de quatro quilómetros para ir à escola.
A farsa de democratas, a máscara, caiu deixando destapada a natureza totalitária do regime que persegue dentro e fora do País quem se manifesta e denuncia o desastre político provocado pela "capital" que confunde Unidade, Solidariedade e Coesão entre os Estados" africanos com unanimismo, culto de personalidade e subserviência.
Não, "capital". A unidade africana é feita na diversidade. A coesão só é possível com liberdade de opinião, de pensamento e de expressão, e a solidariedade no continente africano é inimiga da exclusão dos filhos e filhas de todas as regiões, incluindo a sexta, a Diáspora.
Não me calarão!
Porque estamos perante um Governo que transformou a geração jovem em kunangas que enfrentam a mais alta taxa de desemprego de que há memória, cerca de 60 por cento, forçando milhares de jovens, parte dos quais muito bem qualificados, a abandonar o País.
Não me calarei perante uma "capital" que usa o medo como instrumento do Poder, que assassina contestatários como forma de avisar outros de que se persistirem nas críticas e protestos, poderão ter o mesmo destino.
Num País onde a expressão "Xê menino, não fala política", do músico angolano Waldemar Bastos, voltou a fazer parte das recomendações das famílias aos seus filhos que criticam o estado miserável de Angola, o silêncio é conivência com a opressão.
Não me calarei diante das dezenas de assassinatos de Cafunfo, das Julianas, Rufinos, Inocêncios, Gangas e outros que reivindicaram e reivindicam os seus direitos de cidadãos da Pátria angolana.
Não me calarei enquanto os recursos do Estado forem canalizados para luxos e ócios de políticos e o Povo continuar a viver na miséria, sem água potável, sem saúde, sem comida, sem saneamento básico, sem escola, sem cidadania nem dignidade.
Enquanto houver uma criança que morra à fome, ao mesmo tempo que "a capital" faz dos membros da elite política os únicos cidadãos aos quais o Estado patrocina vidas com dignidade, não terão o meu silêncio.
Não me calarei porque não me resigno ao ver no meu País, terra dos meus pais, avós, bisavós, tataravós, filhos e netos, uma classe política egoísta e reaccionária, a enriquecer despudoradamente quando o "Povo heróico e generoso", como diz o Hino do MPLA, vive na mais abjecta miséria.
Enquanto milhares de zungueiras, na sua luta pela sobrevivência, enfrentarem as sevicias e a repressão de polícias, também eles famintos e maltrapilhos, que cumprem desumanas ordens superiores, orientadas para disparar a matar, não me calarei.
Não contem com o meu silêncio perante a pobreza extrema que atinge pelo menos metade da população do meu País, fruto de desigualdades escandalosas, e diante da capturara da comunicação social, justiça e outras instituições do Estado transformadas em meras coutadas partidárias, encarregadas de tentar salvar um regime podre e esgotado.
Não sou Deolinda, mesmo sendo deolindista, nem Njinga, apesar de njinguista, nem sequer Kimpa Vita, sendo kimpavitista. Mas luto e lutarei sempre por causas, por Angola, por África, pelo Mundo, em defesa de vítimas de todas as formas de repressão, opressão e dominação, pela Liberdade e Dignidade.
Não me calarão porque a minha defesa de África, dos seus povos e culturas não é uma opção, é a minha essência. Não viro as costas, não traio os meus ideais em troca de palmadinhas ocidentais nas costas ou de qualquer "recompensa" material, social ou financeira.
Não me vergo perante a prepotência, arrogância e espírito racista e endocolonialista de gente que, com a sua impercebência, como se diz em Catete, minha terra e "intupidez", de acordo com o sociólogo angolano Manuel Dias dos Santos, ignoram que as diferentes embaixadas africanas que desde 2017 me convidam para abrir a cerimónia do Dia de África, não são sucursais "da capital".
Que farão a seguir se não me eliminarem fisicamente? Inventarão uma lei "ad hominem" para retirar a nacionalidade angolana aos milhares de luzias e luzios da imensa em Angola?
Não, "capital"!
Não percam tempo porque as luzias e luzios são angolanas/os, não pelos recursos do País, não só por nascerem em Angola, mas sobretudo porque Angola nasceu dentro delas e deles, como aprenderam com Kwame Nkrumah.
Não me calarei porque, como escreve a Mamã Graça Machel, no prefácio do meu novo livro intitulado "Liberte-se, Sr. Presidente!,"a liberdade e a dignidade são indissociáveis, e a luta pela emancipação política, económica, social e cultural deve ser contínua e incansável".