O que faz de África a princesa que todos cortejam por estes dias? O que tem o continente de único para tanto charme a ele destinado, como, por exemplo, se viu nas recentes palavras do Presidente do Brasil, Lula da Silva, ainda em Joanesburgo, ou na sua passagem por Luanda e por São Tomé e Príncipe, que defendeu as maiores honrarias institucionais para a União Africana, ou a nova abordagem dos EUA, com o Presidente Biden a querer recuperar o tempo perdido por Donald Trump, ou a China e a Rússia, que não se poupam a esforços para ganhar espaço e influência?
A resposta é simples e conhecida há décadas. Vai dos vastos recursos naturais do seu subsolo e mares, especialmente agora em que o coltão e o cobalto, além das terras raras, minérios essenciais à nova revolução industrial exigida pela transição energética imposta pelas alterações climáticas, e que, no caso do coltão, depende em grande medida das reservas africanas, à batalha global pelas "ordens" existente, a dominada pelo ocidente, baseada nas ruas regras e instituições (ONU, FMI, Banco Mundial), criadas depois da II Guerra Mundial, e emergente, proposta pela China e Rússia, baseada na cooperação entre iguais, à qual cresce a adesão do denominado sul global, onde estão os menos desenvolvidos e mais pobres.
Ao contrário dos países que assumem a pretensão de conquistar um lugar no Conselho de Segurança da ONU, com o evento da sua exigida reestruturação, como o Brasil ou a Índia, os africanos, embora tendo entre si alguns gigantes, como, por exemplo, a Nigéria, a Argélia, a África do Sul ou a Etiópia, tem visto estes convites formais ou promessas sido dirigidos à União Africana...
Não há registo de as organizações regionais americanas ou asiáticas ou mesmo a União Europeia, serem convidadas a obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas...
E a razão, como tem sido apontado por alguns analistas, é que a fragilidade organizacional africana, quer entre os seus 54 países, quer nas suas organizações regionais e pan-africanas, seja um atractivo extra para a disputa pela influência no continente entre as grandes potências que, além dos seus recursos naturais, precisam, por exemplo, dos seus votos na Assembleia-Geral da ONU, ou na construção de blocos leais para a "batalha" pela nova ordem mundial...
Fica, porém, uma questão: depois de resolvidos estes problemas, da guerra na Ucrânia à reformulação da ONU, estará África, de novo, condenada a ser vista como mera fornecedora de recursos naturais? A resposta é que isso é, se não garantido, o mais provável...
Então, se assim é, questão que já é debatida em diversos fóruns de discussão no continente, não seria esta a altura adequada para, enquanto África é a princesa mais cortejada, exigir do ocidente, ou das outras grandes potências, que enriquecem há décadas com a miséria africana, os investimentos em tecnologia e infra-estruturas industriais e de transportes para que o continente possa, no futuro, tirar proveito dos seus recursos, em vez de continuar a exportar em bruto, com escassas mais-valias internas mas enriquecendo terceiros?
E, já agora, porque é que os países africanos continuam a pagar as mais altas taxas de juro sobre os seus empréstimos quando, se tanto, o seu risco, medido em defaults, é igual ou mesmo inferior ao apresentado pelos países ocidentais?
Integrar estas plataformas, como o G20, os BRICS+ ou até obter um assento no Conselho de Segurança da ONU, pode ser importante para acelerar esse processo de industrialização do continente de todos os recursos, e da construção de uma sólida teia de transportes ferroviários e rodoviários, mas também pode ser uma forma de adormecer os líderes africanos com as contas de vidro e os panos coloridos com que no século XIV os europeus conquistaram os corações dos lideres continentais da altura, oque lhes garantiu cinco séculos de colonialismo.
A forma como as instituições, as organizações regionais e pan-africanas e os países africanos enfrentarem estes promissores tempos, os analisarem e actuarem, definirá o que África vai ser neste século XXI que está já na sua terceira década...