Ronald Lamola e Teté António comandam as diplomacias das duas grandes potências regionais da África Austral que, nos últimos anos, acentuaram novas apostas estratégicas de relacionamento com o mundo.
Com Luanda a apostar muito da sua influência regional para o reforço das relações com o Ocidente, ênfase para os Estados Unidos, enquanto Pretória apostou quase tudo no reforço da sua integração nos BRICS, bloco onde Moscovo e Pequim têm um protagonismo expressivo.
Mas nem sempre foi assim, porque até à chegada de João Lourenço ao poder, em 2017, era com Pequim e Moscovo que Luanda tinha a ligação directa mais lubrificada, enquanto a África do Sul, sem nunca menosprezar Rússia e China, tinha um pé diplomático permanente no Ocidente.
Agora, com a África do Sul claramente na órbita dos BRICS, num processo que gerou mesmo atrito ruidoso com norte-americanos e europeus (ver aqui, aqui e aqui) e Angola, a correr fluidamente pelo Corredor do Lobito para o centro das atenções de Washington e Bruxelas, Luanda e Pretória tinham de se sentar e conversar de forma a que este momento histórico seja uma mais valia e não uma pedra na engrenagem do desenvolvimento na África Austral.
E é isso mesmo que vai suceder, com Angola e África do Sul a sentarem-se à mesa com o arranjo floral composto pelas relações históricas sólidas que remontam aos períodos da luta pela independência em Angola e pelo desmoronamento do regime racista do apartheid na África do Sul.
Depois desta visita de Ronald Lamola, já nesta quinta-feira, a Luanda, onde, além dos encontros de trabalho com Teté António, será, como é da praxe, recebido pelo Presidente da República, estará definido o grosso dos preparativos para a visita de Estado de João Lourenço ao país mais austral de África e, apesar das dificuldades, ainda a grande potência económica continental.
Visita essa que acontecerá logo após João Lourenço receber o Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, em Luanda, na primeira semana de Dezembro, abrindo notadamente um espaço para que também aqui o Chefe de Estado angolano possa, eventualmente, desempenhar um papel relevante na reaproximação entre Pretória e Washington.
Isto, da mesma forma que, potencialmente, o Presidente sul-africano, Ciryl Ramaphosa, poderá desempenhar um papel indelével na modelação do relacionamento de Angola com o grupo global que é já o grande bloco económico, em, potencial, do mundo, que são os BRICS.
E que, recorde-se, quando esta organização teve a sua 10ª Cimeira em Joanesburgo, em 2018, - a 15ª foi igualmente em Joanesburgo, em 2023 -, João Lourenço foi um dos convidados especiais da África do Sul, aproveitando aí para não apenas pedir ajuda dos BRICS para o investimento externo de que o país tanto precisava, e precisa, mas também para sinalizar o interesse de Luanda em estudar uma aproximação mais sólida a este grupo.
Grupo que então reunia cinco países - Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul - e é hoje composto por 10 - após a entrada de EAU, Irão, Egipto, Etiópia e Arábia Saudita -, com mais de 20 à espera para aderir, como ficou claro na 16ª Cimeira de Kazan, na Rússia, que teve lugar na semana passada (ver links em baixo).
Esta deslocação de João Lourenço ocorre de acordo com o convite que lhe foi feito por Ramaphosa durante a sua deslocação oficial a Luanda, no mês de Agosto deste ano, e, segundo fontes diplomáticas, terá a duração de um dia.
Mas 24 horas serão claramente suficientes para acertar agulhas naquela que vai ser a estratégia de Luanda e de Pretória para lidar com os desafios crescentes numa realidade global cada vez mais complexa e que, em determinadas situações, podem evoluir para que os dois países possam encontrar-se em posições e interesses diferentes.
No entanto, nesse mesmo complexo cenário internacional, há posições que unem de forma distinta Angola e África do Sul, como é o caso do conflito em Gaza, onde os dois países defendem sem subterfúgios o direito à autodeterminação da Palestina com a criação de um Estado independente.
Mas o mesmo, embora na retórica oficial, tal não seja muito saliente, não se passa no que toca à guerra na Ucrânia, onde Angola em aproveitado para, seja nas suas posições na Assembleia-Geral da ONU, seja na afirmação permanente e insistente da defesa da Lei Internacional e da defesa da não violação da soberania ucraniana sobre as suas fronteiras reconhecidas pela comunidade internacional, se distanciar da Rússia para se aproximar de Washington.
Além dos temas referidos, Lourenço e Ramaphosa têm ainda de conversar sobre a situação nos Grandes Lagos, onde o leste da RDC voltou a estar sob brasas depois de os rebeldes do M23 terem ffurados osn termos do acordo de cessar-fogo assinado em Luanda, com mediação do Presidente João Lourenço.
Isto, porque a África do Sul é um dos países mais empenhados, no contexto da SADC, na busca de soluções que permitam manter a situação sob algum controlo no abrasivo leste congolês.