Esta acusação foi feita pelo embaixador dos EUA em Pretória e a gravidade da situação foi imediatamente percepcionada por Cyril Ramaphosa porque a África do Sul, embora mantenha uma posição marcadamente histórica de proximidade com a Rússia, a sua economia ainda é extremamente ligada aos Estados Unidos e à Europa ocidental.
A gravidade do momento resulta do facto de a África do Sul, embora se recuse oficialmente a condenar a invasão russa, tem afirmado repetidamente a sua posição de neutralidade face ao conflito no leste europeu.
E, com esta acusação do embaixador Reuben Brigety, a neutralidade sul-africana, se vier a confirmar-se, desvanece-se, porque é comummente sabido que o fornecimento de armas sobrepõe-se à afirmação de neutralidade quando não existe uma prévia e assumida condenação da agressão.
Face a este contexto de grande melindre para o posicionamento futuro de Pretória face ao ocidente, até porque em Agosto o Governo de Ramaphosa recebe em Durban a Cimeira dos BRICS, organismo que agrega, além da África do Sul, o Brasil, a China, a Índia e a Rússia, e na qual deve estar o Presidente russo, Vladimir Putin, apesar de sobre ele pender um mandato de captura internacional do Tribunal Penal Internacional (TPI) por alegados crimes de guerra (ver link em baixo nesta página).
Pretória já mostrou estar a viver um momento tumultuoso face à necessidade de se impor, porque, apesar de ter anunciado que iria deixar de pertencer ao TPI, depois retirou essa ameaça, também já veio dar sinais claros de que não agira de forma a deter Putin na Cimeira dos BRICS, exigindo antes a introdução de uma aliena de excepção para Chefes de Estado naquela situação de pré-detenção.
E as coisas não estão a melhorar com esta denúncia norte-americana de que a África do Sul está a providenciar armamento aos russos, porque se tal se vier a comprovar, existe a possibilidade de Washington e os seus aliados europeus aplicarem sanções a Pretória, o que iria acrescentar dificuldades a um contexto que já é de grande atrito social no país devido à sua crescente fragilidade económica e social.
Estas acusações norte-americanas não são uma novidade, de facto, embora tenham agora sido retomadas com maior vigor, porque, como o Novo Jornal noticiou então, já em Dezembro isso foi apontado após a chegada do cargueiro russo Lady R ao porto de Simons Town.
Os sul-africanos negaram que tenham sido embarcadas armas neste navio, mas os norte-americanos garantem estar bem documentados sobre a transferência de armamento das docas para o interior da embarcação que esteve ali atracada entre 06 e 08 de Dezembro do ano passado.
O diplomata norte-americano considerou ainda "totalmente inaceitável" este alegado fornecimento de armas e munições aos russos, porque demonstra de forma "muito preocupante o desrespeito à sua posição de não-alinhamento e neutralidade face a esta guerra".
Uma das ameaças feitas à África do Sul é que a economia sul-africana pode ser sancionada de forma a perder acesso aos mais importantes mercados financeiros internacionais, sendo ainda de sublinhar que o embaixador dos EUA fez estas acusações precisamente depois de ter acompanhado uma delegação sul-africana a Washington com a missão de explicar e tirar dúvidas sobre o seu posicionamento e as relações com a Rússia.
As ligações Pretória-Washington azedaram recentemente quando em Novembro de 2022 este país acolheu os exercícios navais mais importantes em muitos anos, apesar de estes ocorrerem amiúde, entre a África do Sul, a China e a Rússia, na costa sudeste do país, sendo ainda de notar que a África do Sul nunca escondeu ser um aliado activo, sendo mesmo um dos mais importantes, de Moscovo, no continente africano.
E é por isso que o Presidente Ramaphosa também respondeu às acusações do embaixador americano que este tipo de comportamento "mina o espírito das relações entre os dois países".
Anda num contexto de resposta às alegações do embaixador Reuben Brigety, depois de considerar que se trata de algo que pode perigar as relações entre Pretória e Washington, apontou que se trata de alegações "sem fundamento e produzidas sem nada que as sustente".
Disse ainda que as investigações vão seguir o seu curso aguardando que os serviços de intelligentsia dos EUA forneçam aos investigadores os dados de que dispõem, acusando ainda do embaixador Reuben Brigety de ter optado por uma "posição e postura públicas contra-produtivas" para uma análise que se quer prudente sobre a matéria.