Nem adianta ligar para o 113. Para quê? Até parece que eles combinam com os bandidos, assim começou a narrativa Antónia Rosa, 43 anos, moradora do bairro Curtume, município do Cazenga, quando questionada acerca do número de emergência da Polícia Nacional.
No passado, relembrou, era muito mais fácil ligar para a polícia através do 113. Nessa época o atendimento até era rápido mas agora, acrescentou, só depois de muito insistir é que o operador atende. Por isso lamentou a demora registada no atendimento e disse não ter dúvidas de que a situação é preocupante, pois coloca o cidadão mais inseguro perante o perigo iminente que enfrenta.
Quando ligamos para o 113 é porque precisamos de ajuda e nestes casos a ajuda tem de ser rápida, defendeu Antónia Rosa. Em muitos casos, segundo dados apurados pela reportagem do Novo Jornal, a Polícia Nacional aparece depois de passado muito tempo sobre o acontecimento que esteve na origem da chamada, situação que motiva descontentamento e desconfiança perante este número de emergência.
Luís Moreno, 28 anos, contou à equipa de reportagem que ligou para o 113 na noite do passado dia 9 de Setembro, domingo, a denunciar três jovens armados que efectuavam assaltos aos transeuntes na rua onde reside. Confessou ter ficado decepcionado com a resposta dos serviços e jurou nunca mais voltar a ligar.
Quando liguei pediram para me identificar, pedido que satisfiz. Também forneci a minha localização e informei acerca do que se estava a passar. Nem sequer apareceram e os bandidos continuaram a fazer o que bem lhes apeteceu, acentuou o jovem, concluindo: Não volto a ligar para a polícia.
Contactar a Polícia Nacional, através do terminal 113, tornou-se ainda mais complicado quando começou a correr a informação de que os números de onde partiam as chamadas com pedidos de ajuda ficavam numa lista negra, caso fossem chamadas falsas. Zenilda Baltazar, residente no Sambizanga, cujo número de telefone terá alegadamente ficado numa lista, disse à reportagem do Novo Jornal que nunca percebeu como isso aconteceu.
Estar numa lista negra da polícia não é brincadeira. Estava preocupada. Não sei quem atende o 113, portanto o melhor mesmo é não ligar, até porque o resultado é o mesmo: Não socorrem ninguém, concluiu Zenilda Baltazar.
A mesma coisa nos bombeiros
Algum descontentamento e desconfiança estende-se também ao número 115, terminal de emergência pertencente ao Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros. Muitas pessoas discam este número no intuito de obterem auxílio, sobretudo em situações de incêndio.
O Novo Jornal cruzou-se com Marquinha Manuel que reclamava do incêndio que no dia anterior, 15 de Setembro, lhe tinha queimado a casa, no bairro Boa-Fé, município de Viana. Segundo relatou, assim que as chamas deflagraram no quarto principal da residência, pelas 06h00, o marido ligou para o 115, mas só foi atendido cerca de 20 minutos depois, pois a linha estava sempre ocupada.
Quando ele tentava ligar dava sempre ocupado. Insistiu várias vezes mas não conseguiu que o atendessem. Para tentar apagar as chamas, mas como não conseguimos voltou a tentar, contou Marquinha. Após várias tentativas, disse, o operador lá atendeu Paulino Mateus e este informou-os da situação e solicitou auxílio. Um carro dos bombeiros apareceu no local já no final da manhã, cerca das 11h45, assegurou Marquinha Manuel. Mas foi inútil, pois os vizinhos haviam conseguido apagar o fogo depois de o mesmo já ter consumido parte da residência. Não serviu para nada a vinda tardia deles. Nem sei porque vieram, desabafou Paulino Mateus. Situação semelhante ocorreu com Pedro António, 38 anos, quando assistiu ao alastrar das chamas depois de uma vela ter caído sobre o colchão. Garantiu que ligou até se cansar para o 115, mas do lado de lá da linha não houve resposta. Liguei várias vezes para os bombeiros mas não me atenderam, lamentou. Como alternativa, Pedro António ligou para um outro número dos bombeiros, fornecido por um vizinho, mas também sem êxito. Estes exemplos indiciam que há alguns problemas com o atendimento daquele número de emergência.
INEMA também debaixo de fogo
O Instituto Nacional de Emergência Médica de Angola (INEMA) é um instituto público que tem por missão assegurar assistência pré-hospitalar e evacuação assistida em caso de doença súbita ou acidente com compromisso vital iminente.
Este instituto, criado em 1992, é responsável pelo número de emergência 116, a nível nacional. O Novo Jornal encontrou uma mulher que perdeu um familiar por, aparentemente ter havido falta de resposta ao pedido de utilização de uma viatura de suporte médico.
Segundo o relato recolhido, no dia 29 de Maio, Adolfo Botelho de Carvalho Simões, 37 anos, morreu no hospital do Prenda, após ter esperado várias horas por uma ambulância para ser evacuado para o Josina Machel.
Luisa, tia de Adolfo Botelho, contou que foram informados na manhã do dia 29 que o sobrinho deveria ser levado ao hospital Josina Machel para realizar exames de Tomografia Axial Computadorizada TAC à cabeça, devia ser transportado numa viatura com suporte médico devido ao delicado aparato técnico-médico a que estava sujeito. Foi neste instante que o meu sobrinho começou a viver as últimas horas de sua vida, recordou a tia.
Em pleno hospital, para espanto dos familiares de Adolfo, uma médica informou-os que não havia ambulância disponível e que deveriam ligar para o 116 para pedir uma, caso desejassem levar o paciente para o exame. Luísa contou que ainda implorou a dois motoristas de ambulâncias que na altura estavam no local, mas não resultou, alegadamente porque ambos estavam ocupados. Ainda chorei ao pedir ajuda a um outro motorista daquelas ambulâncias, mas não ajudaram o Adolfo, lembrou, comovida. Quatro meses passados sobre a morte de Adolfo Botelho, Luísa recorda-se de recorrerem à rádio nacional para conseguirem uma ambulância, porque o 116 estava sempre ocupado. Foi graças ao Bismarck José, jornalista da RNA que fez um apelo urgente, que conseguimos ambulâncias, acrescetando: A ajuda chegou tarde demais. Quando o foram buscar, receberam a notícia da sua morte. Na situação relatada o INEMA terá, alegadamente, falhado ao não assegurar a articulação de acções sobre as quais deveria responsabilizar-se, designadamente na prestação de socorros no local da ocorrência, com o transporte assistido de vítimas para o hospital adequado.
Porta-Voz dos bombeiros
Temos 16 linhas para atender Luanda. Esta informação foi prestada ao Novo Jornal por Faustino
Sebastião, porta-voz do Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros
O nosso terminal 115 tem um ramal de 16 linhas, das 32 previstas. Por razões tecnicas foram apenas instaladas estas, numa primeira fase. Funcionam em pleno, esclareceu Faustino Sebastião.
As linhas, funcionam 24 sobre 24 horas, conforme fez saber o porta- voz, mas confessou serem insuficientes para uma população estimada em cerca de cinco milhões. E Luanda é a mais felizarda porque tem 16 linhas, salientou. Para melhor compreensão sobre o funcionamento do terminal de emergência, Faustino Sebastião esclareceu que as 16 linhas do 115 correspondem a 16 computadores manuseados por operadores, tal como acontece com as operadoras de telemóveis.
Se ligares para o apoio ao cliente de uma dessas operadoras e uma linha estiver ocupada, a chamada passa para a que estiver disponível, e por aí fora. Temos 16 linhas no sistema só para Luanda, frisou o porta-voz.
Anteriormente, informou o porta-voz, as 16 linhas do 115 em Luanda atendiam o país na sua totalidade, mas actualmente todas as províncias têm atendimento local. Umas com quatro linhas, outras com duas.
O nosso operador recebe a informação a partir da central e automaticamente acciona o quartel mais próximo do local onde se encontra o cidadão, esclareceu. Anunciou que brevemente este serviço será descentralizado também para os municípios.
Tão logo tenhamos as condições necessárias vamos descentralizar pelos municípios e distritos que Luanda alberga neste momento, esclareceu. Questionado sobre a gestão do terminal 115, Faustino Sebastião respondeu: O número 115 é gerido por uma empresa. O sistema funciona de forma grátis.
Mais de 7.000 chamadas por dia
Os nossos telefones recebem mais de 7 mil chamadas durante as 24 horas e apenas 10 ou 15 é que exigem respostas dos serviços, explicou Faustino Sebastião.
As restantes ligações são de pessoas que utilizam o número de forma abusiva. Face a estes abusos constantes, Faustino Sebastião fez menção de frisar que esses utentes são colocados numa lista negra. É importante saber-se que todos aqueles que ligam para o 115 de forma desnecessária, principalmente os que ligam proferindo palavras obscenas, têm os seus números transferidos automaticamente pelos operadores para uma lista negra, reforçou.
A Direcção do Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros adiantou também que procederá judicialmente contra os cidadãos que fazem essas ligações desnecessárias.
Alguém telefona, identifica-se, faz deslocar meios e, afinal, constata- se que a situação é falsa. Faz -se o bloqueio do contacto e há ainda a possibilidade de o localizar e proceder- se judicialmente, asseverou. Relativamente à demora no atendimento relatado por cidadãos, o responsável disse entende-la como uma situação normal. Isso acontece em qualquer parte do mundo. Em Angola temos menos de 35% de cobertura nacional em termos de infraestruturas para atender o país, por município. Em Luanda temos apenas 11 quartéis, o que é um défice grande para o que a cidade hoje alberga em termos de infraestruturas, ressaltou. Os bombeiros, tal como qualquer outra entidade de emergência, segundo Faustino Sebastião, vive sérias dificuldades no seu dia-a-dia para atender às solicitações e tenta superá-las da melhor maneira possível. Fizemos isso contando, como é lógico, com a cooperação dos cidadãos, reforçou, aconselhando-os a usarem outros terminais alternativos que são mais rápidos e mais eficazes, porque os numeros grátis estão ocupados a todo o momento. Para melhor atendimento aos cidadãos o Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros colocou em todos os seus quartéis dois números alternativos, e ainda os números dos comandantes e os adjuntos destes quartéis, o que totaliza quatro números para cada quartel. Lembrou ainda que na TPA passam em rodapé números de telefone para situações de emergência. Não importa a hora do dia. Esses contactos estão ligados durante 24 horas. Objectivo: eficácia no atendimento ao socorro solicitado, concluiu.
O silêncio da polícia e do INEMA
Contactados pelo Novo Jornal, o porta-voz do comando geral da Polícia Nacional, Aristófanes dos Santos, e o departamento de comunicação e imagem do Instituto Nacional de Emergência Médica de Angola (INEMA) não responderam em tempo útil ao pedido da reportagem para obter os esclarecimentos considerados necessários face a algumas das situações aqui relatadas. Esses pedidos de esclarecimento foram formulados há mais de duas semana e devidamente fundamentados.
NJ