Passa-se o mesmo com qualquer de nós. Construímos o nosso edifício de mérito, e lá vamos enviando personagens para os vários estágios, desde as catacumbas ao pico onde só os eleitos, raros, podem aceder. Distribuindo-os com critérios a que não é alheia a nossa análise parcial.
Infelizmente, no panorama político nacional, raros são os que conseguimos colocar no purgatório. No paraíso apenas alguns velhos exemplares cheios de dignidade, que, mesmo assim, não conseguem ser referências suficientemente fortes para influenciar de forma decisiva a sociedade, ainda que alguns persistam. O inferno está cheio.
As consequências são um povo com fome e uma sociedade sem rumo. Propícia às ilusões no transcendente. Um campo fértil para todos os oportunismos. Uma situação em que a instabilidade pode fazer surgir o desacato violento que é difícil controlar.
As imagens que, infelizmente, vimos espalharem-se pelas redes sociais, e que pensávamos que só aconteciam nos outros países, assustaram-nos. Não que não fossem previsíveis. Os sinais não eram assim tão misteriosos... Só a miopia de quem decide, impede-lhes uma visão clara, ignorando-os. E imagens de festas milionárias, protagonizadas por responsáveis ligados ao poder, os mesmos que ontem levantavam o punho fechado em manifestações em que se pregava a revolução e a igualdade cantados no nosso Hino Nacional, e que se julgam imunes às consequências dos seus actos, vazam para as redes sociais, numa manifestação de pouco menos que um completo desprezo pelas dificuldades por que a grande maioria do povo passa.
O resultado já não é fácil de escamotear. O rasto de destruição que se pôde ver em Luanda, magnificado por imagens postas a circular de forma abundante nesses terminais nervosos a que a população urbana está permanentemente conectada, causado por quem já nada parece respeitar, incentivado por quem procura retirar vantagens imediatas da situação, vai acabar por ficar na memória de todos.
Esperemos que perdurem também na memória dos que têm que tomar decisões, e reforcem a mensagem da palavra de ordem tão querida, e tão esquecida, de que é preciso resolver os problemas do povo. Hoje! As fantasias coreografadas de apoio, não são a solução. É preciso deixarem de estar mais preocupados em transmitir uma imagem para o exterior que não se coaduna com os actos praticados, e preocuparem-se realmente com os que (ainda) cá estão.
Voltando à Divina Comédia, parece que estávamos há muito no purgatório, com a esperança de podermos construir um paraíso, um país bom para se viver, mas, as ilusões foram-se. Instituiu-se um sistema que não só promove, como ostenta, a desigualdade, e, para a maioria, a sensação é que o inferno é que lhes está a ser servido. E a pergunta é, cada vez mais:
- Que futuro?