Eliaser Nghipangelwa, antigo autarca de Helao Nafidi, uma cidade namibiana localizada próximo da fronteira com Angola, já veio a público admitir que não há registo de tantos angolanos atravessarem a fronteira em tão pouco tempo para escaparem à fome.
"Nunca se viu nada assim, com tantos angolanos a atravessar a fronteira. Isto é um prolema muito sério e um indicador claro de que algo de muito grave se passa do outro lado da fronteira", disse Eliaser Nghipangelwa, citado pelo site Informante.web.
Também a NBC, a emissora nacional de TV e rádio namibiana, está a divulgar esta situação com destaque, apontando que muitos angolanos, especialmente jovens, homens e mulheres, estão a deixar Angola para procurar ajuda humanitária na Namíbia.
Esta situação está a ser gerada pela seca extensa que afecta o sul de Angola e é isso mesmo que alguns dos angolanos que atravessaram a fronteira nos últimos dias e se posicionaram na área de Oshikango dão como justificação para terem deixado o seu país, acrescentando a falta de emprego, o desemprego e a fome.
Um grupo de jovens angolanos contactado pela agência de notícias namibiana, Nampa, descreveu a situação como dramática nas suas terras mas descreveram igualmente sérias dificuldades agora que estão na Namíbia porque dormem ao relento e são poucas as ajudas que conseguem por parte dos locais.
"Vamos continuar aqui para encontrar trabalho, porque se continuássemos em Angola o destino seria morrer à fome", disse um dos jovens citado pela NBC.
A situação é de tal forma complexa que alguns responsáveis das administrações locais nas cidades mais próximas da fronteira, ainda segundo a NBC, estão a defender medidas drásticas como lidar com estas pessoas como se se tratassem de refugiados de guerra, "porque é a única forma de os ajudar".
O ministro namibiano dos Assuntos Internos, Imigração e Segurança, Frans Kapofi, já admitiu estar a par da situação e avançou que estão em curso contactos com as autoridades angolanas para que seja possível emitir uma declaração conjunta sobre este problema.
"Nós não seremos indiferentes ao choro dos nossos irmãos e irmãs. O Governo vai providenciar ajuda para estas pessoas se se revelar necessário", disse o governante namibiano.
Entretanto, num comunicado citado pela Nampa, o governador da região de Ohangwena, Walde Ndevashiya, avançou que a embaixadora angolana, Jovelina Imperial Costa, está a preparar uma visita à região fronteiriça entre hoje, segunda-feira, e sexta-feira.
A diplomata angolana tem previsto, segundo o comunicado da Nampa, encontros com responsáveis das regiões de Ohangwena e Omusati e está ainda previsto encontros com grpos de angolanos "acampados" na região de Omusati.
Sendo generalizada a vontade de encontrar trabalho na Namíbia, especialmente na área do projecto de irrigação de Etunda, Omusati, Elisaer Nghipangelwa defendeu que o Governo namibiano deveria, face à situação dramática destas pessoas, emitir vistos temporários de trabalho para que possam trabalhar no país enquanto não se encontra uma resposta adequada.
Isto, porque estes milhares de pessoas não possuem condições para obter uma permissão para trabalhar e muitos temem mesmo, porque estão assustados, a entrar numa repartição pública porque temem ser deportados.
Entretanto, nas áreas administrativas namibianas próximas da fronteira, segundo avançam os media locais, estão a decorrer censos improvisados e limitados para obter uma ideia aproximada de quantos angolanos atravessaram a fronteira nos últimos tempos.
Resposta no sul de Angola
Para analisar o problema e definir um plano de resposta, o Presidente da República, João Lourenço, esteve, em 2019, nas regiões afectadas no sul de Angola e uma missão governamental liderada pelo então ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Adão de Almeida, esteve também no local, logo no início do ano.
A abertura de pontos de água, poços artificiais, a reparação de equipamentos de extracção de água, e a criação de postos médicos nas áreas afectadas mais deslocadas, são algumas das medidas criadas nos últimos anos para combater a falta de chuvas e as suas consequências.
A atenção do Presidente da República para o problema levou à aprovação, por despacho, de um pacote financeiro de 200 milhões de dólares para resolver problemas estruturantes que combatam os "efeitos destrutivos" da seca, incluindo a construção de duas barragens no Cunene.
No entanto, as medidas tomadas revelaram-se escassas, como o demonstra a actual situação
Aviso estava dado
O fenómeno meteorológico que ajudou a que a África Austral, nos últimos anos, sofresse uma das mais severas secas do último século, com o sul de Angola claramente no mapa das zonas afectadas, já estava anunciado desde meados de 2018, pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).
A OMM, agência da ONU para as questões meteorológicas, criada em 1950 e que reúne alguns dos mais respeitados meteorologistas dos 191 países que a compõem, analisou os dados actuais do clima planetário e concluiu existir uma probabilidade de 70 por cento para que as consequências do El Niño se voltem a fazer sentir a partir de finais de 2018 e nos anos seguintes.
O El Niño é resultado do aquecimento das águas do Oceano Pacífico que, por sua vez, geram correntes quentes que se dirigem para vários pontos do globo, alterando a direcção dos ventos e gerando, na sua passagem, fenómenos localizados de intensas secas, como é, usualmente, o caso da África Austral, mas também de chuvas intensas, com cheias e tempestades destruidoras.
Em alguns países do sul do continente africano, este fenómeno meteorológico produziu, nos últimos anos, uma das mais dramáticas secas em mais de um século, como é o caso da África do Sul, com a destruição da agricultura local, a falta de água em cidades como Cape Town, mas também nos vizinhos Namíbia, Botsuana, Moçambique, Zimbabue e no sul de Angola, obrigando os governos respectivos a criar programas de ajuda extraordinários ou a declarar o estado de emergência.
Petteri Taalas, secretário-geral da OMM, em Setembro de 2018, alertava para o facto de as alterações climáticas como um todo estarem a provocar alterações ao comportamento do El Niño, mas também no fenómeno "primo" denominado La Niña, cujas dinâmicas são agora mais imprevisíveis e, nesse seguimento, também os seus resultados e impactos nas vidas das pessoas.
O La Niña opõe-se ao El Niño pela forma como evolui, resultando, não do aumento mas sim da diminuição da temperatura das águas do Pacífico, provocando, todavia, alterações em todo o mundo igualmente graves, nomeadamente nos padrões da pluviosidade e na temperatura de vastas áreas do planeta e que, segundo a OMM já está a suceder este ano.
Um dos riscos das alterações climáticas continuarem sem travão, por causa da poluição, nomeadamente dos gases com efeito de estufa e da queima de hidrocarbonetos (petróleo e gás), é que tanto o La Niña como El Niño deixem de ser fenómenos sazonais para emergirem como situações permanentes, com consequências catastróficas para a humanidade.
SADC lançou alertou e pediu decisões rápidas e eficazes
Face a estes riscos, recorde-se, e no que mais importa especificamente para Angola, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, através do seu Departamento de Alimentação, Agricultura e Recursos Naturais, lançou, também em 2018, um alerta onde pedia aos países membros para providenciarem no sentido de criar stocks alimentares para ocorrer a emergências criadas pela estiagem.
Domingos Gove, o moçambicano que dirige este departamento da SADC, (FANR, na sigla em inglês) desde Abril de 2018, tinha mesmo advertido, numa conferência de imprensa em Windoek, capital da Namíbia, em Agosto desse ano, que os próximos anos seriam de escassa chuva e problemáticos na agricultura.