Numa entrevista com o jornalista russo Pavel Zarubin, conhecido como o repórter do Kremlin, com quem Putin mantém uma estreita relação e que lhe serve para dar os recados mais ousados, o Presidente russo colocou mesmo Zelensky numa posição secundária.
O chefe do Kremlin, na parte de trás do seu carro, explicou a Pavel Zarubin que Zelensky até pode participar nas negociações como convidado dos representantes legítimos da Ucrânia, mas não como Presidente.
Para conversações efectivas, Vladimir Putin só reconhece Ruslan Stefanchuk, o Presidente da Rada, Parlamento ucraniano, a quem compete chefiar o país, na leitura que o Kremlin faz da Constituição ucraniana, depois de as eleições de Maio de 2024 terem sido adiadas devido à lei marcial vigente no país devido ao conflito.
Kiev considera que Volodymyr Zelensky mantém intactos todos os poderes inerentes ao cargo de Presidente da Ucrânia porque a lei marcial "desliga" as obrigações constitucionais de realização de eleições, prolongando o mandato corrente ao Presidente da República.
Zelensky já reagiu a esta posição de Putin, acusando o chefe do Kremlin de estar "com medo" de negociar o fim do conflito porque "receia o confronto com líderes fortes", mantendo a "postura cínica" de quem "apenas quer prolongar a guerra".
O fade out americano
Desde que Donald Trump chegou ao poder nos EUA, mesmo ainda na condição de Presidente-eleito, entre 05 de Novembro e 20 de Janeiro, Volodymyr Zelensky tem vindo a mudar radicalmente a sua postura, diluindo as exigências iniciais, que passavam pela saída sem condições de todos os soldados russos dos territórios ucranianos, incluindo a Crimeia.
Agora, Zelensky já admite como patamar de começo de conversações com Moscovo o plano do enviado especial de Trump para o conflito no leste europeu, Keith Kellogg, que passa por congelar a guerra nas actuais posições, garantir que a Ucrânia fica fora da NATO por uma a duas décadas e a colocação de uma força internacional de 200 mil militares para garantir o cessar-fogo.
Todavia, segundo vários analistas, e Putin parece confirmar, aos russos pouco ou nada interessa aceitar o plano Kellogg, recusando liminarmente qualquer congelamento do conflito, não aceitam um cessar-fogo e nem querem ouvir falar da presença de tropas europeus na geografia da guerra, que garantem ser alvo legítimos se entrarem na Ucrânia.
Isto, porque, como em todas as guerras a que a Humanidade já assistiu, nunca os vencedores aceitaram, sem acordos firmados e claramente vantajosos, ceder territórios conquistados, sendo os acordos firmados com base nas posições no terreno de batalha dos contendores.
O que quer dizer que aos russos interessa avançar o mais possível na frente de combate, aproveitando as fragilidades cada vez mais evidentes das unidades de combate ucranianas, que começam a abrir brechas em quase toda a linha.
Como se viu na recente perda em tempo recorde da importante posição em Veliko Novossilka, na região de Donetsk, uma das últimas cidades fortificadas na região, o que permite agora a Moscovo avançar quase sem oposição ao longo de dezenas de quilómetros se o entenderem fazer.
Porém, Vladimir Putin não se recusou a negociar com os ucranianos, exigindo apenas o afastamento de Zelensky da mesa das negociações onde ele mesmo estiver sentado, sublinhando que para a Rússia apenas Ruslan Stefanchuck, o Presidente do Parlamento, possui essa legitimidade constitucional.
Mas a explicação de Putin, na conversa com o jornalista russo, ambos sentados na parte de trás de uma viatura, é ainda mais densa e complexa, porque o Presidente russo defende a tese de que Zelensky não pode, mesmo que queira, negociar seja o que for com a Federação Russa.
Isto, porque, quando em 2022 assinou um decreto Presidencial proibindo-se a si próprio e a todos os representantes do Estado ucraniano a negociar com os russos, Zelensky mantinha a legitimidade de Chefe de Estado, mas, agora, já não a tem.
Putin defende que, desde Maio do ano passado, data em que deveriam ter ocorrido as eleições, Zelensky já não tem qualquer legitimidade, seja para negociar, ou mesmo para anular o decreto que assinou em 2022, considerando que "quaisquer papel assinado por ele será ilegítimo" e notou que "é essa a armadilha que tem de ser evitada".
Este posicionamento de Putin parece mesmo ignorar o volte-face de Zelensky na passada semana, quando este veio a público afirmar que o tal decreto de 2022 a proibir quaisquer negociações com os russos, não o abrange a ele, enquanto Presidente, apenas aos restantes ramos do Estado.
Explicou na altura que isso era necessário para garantir que qualquer governador regional pudesse, sob coacção ou por vontade, assinar qualquer tipo de acordo ou rendição aos russos, durante o decurso desta guerra.
Putin admitiu, contudo, que Zelensky pode participar em conversações bilaterais, mas não poderá assinar qualquer documento, sendo que se estiver presente nas negociações, então o Kremlin indicará as pessoas para com ele entabular essas mesmas conversações.
"Guerra pode acabar em semanas", diz Putin
E quando os ucranianos procuram, por todos os meios, incluindo lançar para os media locais e internacionais a ideia de que o país pode ser extinto em seis meses, atrair a atenção dos seus aliados europeus pedindio-lhes mais apoio em armas e dinheiro, Putin vem dizer, na mesma entrevista, que "o conflito pode acabar em dois meses".
Isto, porque, com a cada vez mais certa diluição do apoio norte-americano, que já começou com a decisão de Trump interromper a ajuda humanitária de forma generalizada, e o armamento começa a chegar cada vez mais esparsamente, sem o apoio ocicental, disparou Putin, "a Ucrânia não tem como existir sem os seus patrocinadores ocidentais".
"A Ucrânia não sobrevive um mês se o dinheiro e as armas dos seus patrocinadores ocidentais deixarem de chegar", disse, acrescentando que "eles praticamente não têm qualquer soberania nesse sentido", o que deixa claro que se os países ocidentais quiserem a paz, "é muito simples de conseguirem, basta deixarem de enviar armas para Kiev".