Mesmo antes do ERA, o Grémio entregava sementes antecipadamente, que depois recebia de volta com o acréscimo pré-determinado, que, entretanto, não tinha um programa de assistência técnica, sendo este limitado ao fomento de determinadas culturas. Segundo Duarte (2020), o programa de extensão rural permitiu que as famílias das zonas alvo (Andulo, Nhareia, Catabola, Camacupa, Mungo, Bailundo), saíssem de uma produção média de 300 kg/ha a 500 kg/ha de milho, para níveis de produção de mais de 2000 kg/ha a 3000 kg/ha. Introduziram variedades mais produtivas, as tais sementes sintéticas e híbridos, no que diz respeito ao milho. Igualmente, ensinaram melhores práticas de plantação de café, cuja predominância era inicialmente do café robusta, para as plantações de café arábica, o que permitiu colheitas melhoradas. Os programas de extensão rural não se limitavam a ensinar as melhores práticas agrícolas, mas também a gestão doméstica dos recursos familiares.
Ensinaram, por exemplo, aspectos do planeamento familiar, a organização doméstica, a importância da instrução das crianças, a diversificação das culturas agrícolas e a criação de animais. Foi o que impulsionou a emergência de uma classe média, que alterou o paradigma do consumo. Sou testemunha ocular do sucesso do programa de Extensão Rural de Angola no planalto do Bié.
Creio ser consensual que o actual estado de empobrecimento da sociedade angolana, não reproduz a economia, porquanto, a pobreza equivale à falta de poder de compra. Ora, se as pessoas não têm poder de compra, quem vende ou produz, também não consegue vender e/ou produzir. O Estado acaba por não colectar as receitas públicas ou fiscais necessárias para atender as necessidades colectivas (como defesa, segurança pública, educação, saúde, etc.). Vai recorrendo ao endividamento e à monetização da dívida (emissão de dinheiro), provocando a instabilidade macroeconómica (altas taxas de inflação, baixas taxas de crescimento económico, elevado défice fiscal, entre outros efeitos nocivos.), a que se assiste. A reversão do quadro de pobreza prevalecente, passa por uma actuação diferente da prática de costume. Isso de dar apoios sem responsabilização, ou dar de graça os insumos, não responsabiliza quem recebe, é o mesmo que dar peixe, em vez de ensinar a pescar. Assim acontece com a prática de oferecer bolsas de estudos sem o compromisso de retribuição, desta forma, o País tem enviado jovens para o estrangeiro há mais de 40 anos, e o Estado não sabe onde andam esses jovens. Gastam-se somas avultadas com fornecimento de insumos, para não variar, preferencialmente, às pessoas leais à linha política dominante. O resultado deste modus operandi apenas contribuiu para o êxodo rural.
Tenho a plena consciência de que a situação é diferente nos dias que correm, se comparada ao período colonial, em que havia lojas no meio rural, que compravam a pequena produção dos camponeses. Naquele tempo, em 15 minutos, colhia-se 10 kg de café, corria-se à loja, vendia-se, ou trocava-se por produtos básicos, tais como, peixe seco, óleo de palma, sal, fósforo, petróleo, sabão, entre outros, assim completavam-se as compras para a refeição da família. Portanto, fazia sentido ter lavras, plantas e criar animais. As coisas não são assim hoje, a guerra civil e as políticas públicas menos conseguidas, desarticularam totalmente a vida no meio rural. Como reverter, então, o quadro prevalente? Como fazer com que as pessoas voltem a ter motivação e incentivos para voltar a trabalhar a terra, que absorve mais de 70% da população angolana, em vez de andar a deambular pelas ruas sem nada fazer? Aqui, não me estou a meter em seara alheia, trata-se de uma actividade que pratico, e na qual fui criado por um grande agricultor. Passei aqui neste espaço a minha experiência como produtor agrícola. Ainda hoje o feijão que a minha família está a consumir, veio da minha horta. Este ano, colhi 12000 kg de milho amarelo que vendi a Kz 350,00/kg. O financiamento das próximas safras, são com o lucro que tive na campanha anterior. Vale ressaltar que não se trata de uma grande extensão de terra, estamos a falar de apenas 2,5 hectares.
Por isso, pese as dificuldades que se colocam hoje aos produtores, tais como, o acesso aos campos, que é um grande empecilho. Ainda assim, acredito, que a solução para a acelerar a almejada auto-suficiência alimentar, está no fomento da produção agrícola que deve ser antecedida de programas de extensão rural, antecipando a entrega de insumos agrícolas (fertilizantes, sementes, pesticidas, etc.), providenciar a assistência técnica e garantir a compra da produção final. Porém, é fundamental alterar completamente o paradigma habitual que consiste em oferecer insumos e depois deixar tudo ao critério do produtor, de tal sorte que as pessoas não são responsabilizadas pelos insumos recebidos. O que condena de antemão os programas ao fracasso, quando, se fosse feito, de forma sustentável, os que recebem os apoios num ciclo, podem daí para frente indo se auto-financiando com os resultados das suas colheitas, para na campanha seguinte a dotação ajudar outros camponeses, assim, ano pós ano, muito mais produtores seriam incluídos no programa de extensão rural. Falando dos acessos e pontes e pontecos. Nasci e cresci até aos 10 anos numa aldeia no centro de Angola, as pontes eram feitas de paus, estendidos de um lado para o outro, ligaram povoações durante anos. Algumas vias, eram simplesmente terraplanadas de tempo em tempo. Entre Cunje, antes Silva Porto-Gare a Camacupa (General Machado), não havia asfalto (não tem asfalto até a presente data), mas as viaturas rodavam numa velocidade de 80 a 100 km/hora. Por conseguinte, no meu entender, o que falta é orientação, ou seja, numa única palavra, falta de liderança.
Já se imaginou se 1000000 de camponeses estivesse integrado no programa de fomento agrícola de milho? Vamos supor que cada camponês tivesse contratado 1 hectare, teríamos 1 milhão de hectares, com o rendimento por safra de 3000 kg por hectare, teríamos 3000000 toneladas de milho. Supondo ainda que cada camponês tivesse a dívida de 500 kg e outros custos associados de 500 kg, teria um lucro de 2000 kg. O que é extraordinário, particularmente pelo facto de que, os programas de extensão rural incentivam o camponês a diversificar as suas culturas. Numa mesma safra pode cultivar milho, feijão, hortícolas diversas e tubérculos. A extensão rural é essencial porque a agricultura exige que seja feita com conhecimento, as pessoas devotadas à agricultura, têm de estar comprometidas com a sua actividade. Quando se diz que a "agricultura não pára e não espera", é real! Por um dia que não se adube a plantação, pode significar perdas de rendimento significativas. A actividade agrícola não é para curiosos ou pessoas preguiçosas, é para pessoas determinadas, dedicadas e comprometidas com o que fazem. Mas, no fundo, é como tudo na vida, as pessoas têm de estar comprometidas com o trabalho, se quiserem superar a condição de pobreza. A vida foi sempre difícil, simplesmente, cada pessoa tem a forma como encara a sua situação. Algumas pessoas optam por lamentar-se e nada fazer que mude a sua condição.
No momento que escrevo essa reflexão, há no País, exemplos de programas de fomento da produção agrícola, na perspectiva privada, perseguindo o fomento da produção de matérias-primas, o qual tem revelado resultados muito promissores. Porém, é preciso que se aumente a escala e abrangência desses programas, o que só poderá ser alcançado numa parceria pública privada (PPP), tal como foi feito no passado. O ERA foi um programa que assentou nas estatísticas produzidas pela Missão de Inquéritos Agrários de Angola (MIAA), e pelo conhecimento produzido pelo Instituto de Investigação Agronómica de Angola (IIAA), claro, só possível com o envolvimento do Governo Colonial Português. A transformação da estrutura económica pretendida, só será possível com a transformação da estrutura sociológica, que deve ser promovida pelo Estado, influenciando, progressivamente, uma série de variáveis, essencialmente, a educação, que podem ser alcançados enquadrados no programa de extensão rural. Estou convicto de que, se se tivesse tentado implementar um programa de extensão rural sério, sustentável, coerente e controlado, nesta altura, não teríamos, de certo, o exército de mendigos que se perfilam pelas ruas do País adentro. Se o programa de extensão atingiu os objectivos preconizados naquele contexto cuja motivação foi a contra-subversão, podemos, agora, ajustar o projecto para o propósito da redução progressiva da pobreza dos angolanos, o que, acredito, só compete mesmo aos angolanos. É possível, nós podemos!
*Economista
Bibliografia consultada
Castelo, Cláudia, (2020) «O projecto-piloto de extensão rural do Andulo (Angola): conhecimento, desenvolvimento e contra-subversão», Ler História [Online], 76 2020, posto online no dia 30 Junho 2020, consultado em: 04 Junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/6347; DOI https://doi.org/10.4000/lerhistoria.6347