A RDC está, como tem sido a norma desde a independência, em 1960, na corda bamba, por causa da indefinição alimentada por Kabila sobre as suas reais intenções de forçar ou não uma 3ª candidatura presidencial, apesar de a Constituição limitar a dois os mandatos sucessivos possíveis.

E Joseph Kabila teve uma oportunidade única de esclarecer essas mesas dúvidas de uma vez por todas na sexta-feira quando, num discurso no Parlamento, em Kinshasa, passou por cima da questão, optando por atacar aqueles que procuram "destruir a democracia no país e no mundo".

Ao fim de praticamente dois anos de governação fora do período legal dos dois mandatos constitucionais - Kabila deveria ter sido substituído em Dezembro de 2016 mas, através de uma série de expedientes, estas foram sendo adiadas -, os sinais emitidos pela Maioria Presidencial, coligação eleitoral que o tem apoiado, são, no mínimo, contraditórios.

Rosto de Kabila candidato está na rua

O seu Partido do Povo para a Reconstrução e Democracia (PPRD) organizou, nos últimos meses, uma campanha publicitária com o rosto de Kabila anunciando-o como o único candidato possível (ver notícias relacionadas em baixo), ao mesmo tempo que o seu ministro da Comunicação, Lambert Mende, tenha vindo a público dizer que o Presidente não contornará em momento algum os ditames constitucionais.

E o primeiro-ministro congolês, Bruno Tshibala, em Junho último, disse em Nova Iorque, como o NJOnline noticiou, que Joseph Kabila estaria em breve em Luanda para um encontro com João Lourenço, onde deixaria claro a sua posição e decisão sobre o seu futuro político, sublinhando que todas as dúvidas seriam diluídas nesse momento.

Entre as sérias dúvidas levantadas, por um lado, pelas campanhas da Maioria Presidencial e do PPRD, partido que fundou, que o apontam como candidato, mesmo que para isso tenham de forçar uma candidatura inconstitucional, e os seus ministros, que, pelo outro lado, têm procurado diminuir a pressão, o encontro entre João Lourenço e Kabila de segunda-feira, poderá ser central na definição do futuro da RDC.

Se Kabila, no Lobito, Benguela, onde, segundo a imprensa congolesa informa que João Lourenço o vai receber amanhã, deixar claro que não é candidato - as eleições são o tema principal da agenda -, a RDC deverá respirar de alívio, com a oposição a baixar as "armas" e o processo eleitoral a decorrer sem a turbulência com que decorreram todos os processos eleitorais de transição política na RDC desde a sua independência.

Alias, depois de Tshibala, o primeiro-ministro que "chefia" o governo de transição criado em finais de 2016 para gerir o país até à realização de eleições, sucessivamente adiadas por kabila, poderá ter definido o calendário da estabilidade na RDC quando apontou a visita de Kabila a Angola como o momento chave do esclarecimento cabal das suas intenções.

Caso Kabila não esclareça as suas intenções amanhã, no Lobito, cidade que o próprio, segundo a imprensa congolesa - horas antes deste encontro, a parte angolana ainda não divulgou quaisquer dados sobre o mesmo - escolheu para o encontro com João Lourenço, a reacção em Kinshasa, onde a oposição aguarda com grande ansiedade a confirmação do seu afastamento definitivo, poderá ser tumultuosa.

Kabila procura cumplicidade dos seus homólogos

No entanto, subsiste um clima de continuada dúvida, até porque, anda segundo fontes da Presidência congolesa citada ela imprensa de Kinshasa, Kabila vai, depois do Lobito, fazer um périplo pelos países da sub-região, com encontros com os respectivos homólogos, o que conduz à possibilidade de não ser em Angola que a dúvida será desfeita.

Os analistas congoleses tendem mesmo a apontar como mais certo que este périplo de Kabila visa a reunião de apoios sólidos entre os seus pares para forçar uma 3ª candidatura, sendo um dos argumentos possíveis aquele que o próprio avançou em 2017, num discurso no Parlamento, onde sublinhou que o Congo poderá ser ingovernável e, por isso, uma ameaça para a região, o continente e até para o mundo, sem, deixou entender, a sua continuidade no poder.

Recorde-se que João Lourenço, aquando da sua deslocação à Europa - França e Bélgica -, defendeu numa entrevista a realização de eleições livres na RDC, apontou como essencial a saída de cena de Kabila, defendeu o seguimento dos preceitos constitucionais e notou que eleições injustas de nada valem porque não recebem o reconhecimento internacional e regional.

O Presidente angolano foi ainda compelido a negar de forma veemente que Angola esteja, com o Ruanda e com a França, a organizar qualquer conspiração contra Kabila e contra a RDC, como o Presidente congolês, através dos seus homens no Governo mandou acusar.

Devido à liderança angolana no âmbito da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos nos últimos anos e da actual liderança, por João Lourenço, no Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança (OCPDS) da SADC, qualquer iniciativa eventualmente pensada por Kabila para levar os seus homólogos na região a apoiá-lo dependerá da posição do Presidente angolano e, por isso mesmo, o início do referido périplo por Angola.

Mas se João Lourenço mantiver a sua posição, não havendo nada que leve a pensar que assim não será, provavelmente uma hipotética investida com esse objectivo de Kabila estará condenada ao fracasso, até porque Lourenço tem feito questão, e de forma sólida, de defender que o acordo de São Silvestre, assinado por Kabila em finais de 2016, com intermediação dos bispos congoleses, onde está prevista a sua saída de cena, seja escrupulosamente cumprido.

Este acordo, que, apesar de já ter sido violado por Kabila e as forças que o apoiam, nomeadamente na questão das eleições que deveriam ter tido lugar em 2017, é o azimute também da comunidade internacional, ONU, e da própria União Africana, cujo Presidente, o Ruandês Paul Kagame, tal como Lourenço, tem apostado no seu cumprimento e feito saber que esse é o entendimento da organização pan-africana.

O acordo de São Silvestre foi assinado no meio de um turbilhão de sangue provocado pela resposta violenta das forças de segurança ás dezenas de manifestações que ocorreram em todo o país, deixando, entre Setembro e Dezembro de 2016, centenas de mortos e milhares de feridos e detidos.

Um cenário semelhante é o mais certo suceder se, como se torna mais possível a cada dia que passa, apesar das declarações contraditórias de membros do seu Governo, Kabila forçar um terceiro mandato, onde, a acontecer, deverá ter como opositores dois pesos-pesados da política congolesa, Moise Katumbi e Jean-Pierre Bemba.

Argumentos de Kabila

Um dos argumentos mais queridos de Kabila para justificar a sua evental continuidade no poder, o que passaria por forçar o tal 3º mandato e, como a oposição diz repetidmente temer, manipular as eleições, é a ameaça da instabilidade no gigante Congo, perigando toda a região, se ele não estver no comando do país.

Num discurso no Parlamento, em 2017, Joseph Kabila disse mesmo que o mundo deve ter cuidado com a RDC porque, devido à sua geografia e posição no continente africano, pode ser o rastilho para a instabildade em África e no mundo.

O Presidente não tem ainda deixado de lembrar que a RDC, devido às suas enormes riquezas naturais, tem sido alvo da cobiça global e que ele mesmo é o garante da defesa dos interesses nacionais nesse capítulo, apesar de a sua família controlar a esmagadora maioria dos grandes negóocios no Congo-Kinshasa.