Em Belo Horizonte, dezenas de oradores (académicos, activistas, artistas, políticos e estudantes) de África, das Américas do Sul, Central e do Norte, Ásia e Caribe abordaram a Reparação como um acto de justiça, bem como uma forma de prevenção contra novas tentativas de colonizar e escravizar povos e países em diferentes regiões do Mundo.
Este encontro, o II Seminário Internacional Pró-Reparações: um Pojecto de Nação Diaspórico, Popular e Pan-Africanista, exigiu, na Declaração de Belo Horizonte, a anulação da dívida externa dos países escravizados e colonizados "como princípio de um novo relacionamento entre nações verdadeiramente livres e igualitárias".
O evento, realizado de 10 a 14 de Novembro de 2025, ano nomeado pela União Africana como da "Justiça para os Africanos e Afrodescendentes, através de Reparações", sublinhou que, neste momento, "as condições históricas são favoráveis às reparações: trata-se de uma ideia cujo tempo histórico chegou".
Por "bem viver da humanidade e vida duradoura no planeta", o Seminário, organizado no contexto do I Encontro do Fórum Popular pró-Reparação, e encerrado pela vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, lembrou que "Estados, instituições e famílias que enriqueceram e continuam se enriquecendo com a escravatura e o colonialismo têm uma dívida histórica com as populações de origem africana e indígena".
Adiantou que a luta pró-Reparação visa "pôr fim ao ciclo de injustiças e abrir um debate concreto sobre como fazer o levantamento dessa dívida, o reconhecimento e o pagamento dela por parte dos devedores".
Igualmente defendeu a apresentação de metodologias de cálculo da dívida racial dos países que enriqueceram e se estruturaram sobre a escravatura e o colonialismo, nomeadamente o Brasil e outros países das Américas, bem como as potências coloniais europeias.
O posicionamento dos participantes justifica-se com o facto de as estruturas criadas pela exploração colonial continuarem operando em várias partes do Mundo.
Aliando pelo mesmo diapasão, Francia Márquez, na sua intervenção, manifestou-se pela dignidade para os povos negros, assegurando que "nos manteremos firmes nessa luta até que a dignidade se torne hábito".
Firmeza que inclui o combate ao racismo religioso e a continuação do diálogo com o Vaticano, iniciado com o Papa Francisco, por uma declaração pública de pedido de perdão por parte da Igreja Católica pelo seu papel no colonialismo e na escravatura. Desse papel, destaca-se a Bula Papal (1455) de Nicolau V que concede ao rei português Afonso V direitos de reduzir à escravatura perpétua os habitantes de todos os territórios africanos a sul do Cabo Bojador.
Na Universidade Federal de Minas Gerais, onde decorreu parte do Seminário, a vice-presidente colombiana associou essa dignidade à decolonização do saber, bem como ao reforço do protagonismo do negro na produção do conhecimento, a valorização das epistemes africanas e a transformação estrutural das universidades para enfrentar o racismo e as desigualdades históricas.
Como parte fundamental do processo de descolonização e decolonização institucional, Diva Moreira, coordenadora do Colectivo Minas Pró-Reparações e promotora do Seminário, exigiu o resgate de figuras históricas negras.
Ao saudar os 50 anos de Independência de Angola e Moçambique, o Renascimento de África e repudiar o genocídio desencadeado por Israel contra o povo palestiniano, a Declaração de Belo Horizonte, insta as potências escravocratas, nomeadamente Portugal, Espanha, Inglaterra, França e outros países europeus colonizadores, a adoptarem políticas de reparação histórica, em diálogo com África e a Diáspora.
Defende ainda a criação de um Fundo Internacional das Reparações, com recursos provenientes dos países devedores - Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Dinamarca, Suécia, Noruega, Holanda e Brasil, entre outros - destinado aos estados credores de África e à Sexta Região Africana, a Diáspora.
Insta igualmente as potências escravocratas e colonizadoras europeias que, no passado, sequestraram, traficaram, torturaram e assassinaram pessoas escravizadas, além de saquearem territórios, a romperem com o longo ciclo de exploração.
Para interromper a reprodução inter-geracional das desigualdades, das decisões do Seminário, destaca-se a proposta para uma nova economia política das reparações, capaz de estabelecer condições reais de emancipação e de mobilidade social, aniquiladas pelo actual sistema.
De lembrar que esses Estados continuam a expropriar e explorar terras raras, riquezas minerais, vegetais, hídricas e florestais, por meio, entre outros, de contratos comerciais profundamente desequilibrados em favor dos países centrais.
Os seminaristas defenderam a criação de uma "Antena Negra Global" - uma espécie de "chip ancestral que "nos conecta para além das fronteiras, línguas e religiões", como base para a ligação entre países da Diáspora e o continente africano.
O fortalecimento das vozes negras nos debates globais, a redução das desigualdades por meio de acções políticas e económicas concretas, a ampliação da representação negra em espaços de tomada de decisão política e económica, valorização e difusão da cultura negra como elemento central da identidade global, fazem parte das propostas aprovadas pelo Seminário.
Os participantes apelam igualmente aos países africanos a exigirem políticas reparatórias como forma de justiça para os seus povos e suas diásporas nas Américas, na Europa e em outras várias regiões do Mundo.
Reconhecem nos povos negros na Diáspora uma presença globalizada e criativa, que ajudou a construir a base material e cultural tanto das Américas quanto da Europa.
Manifestam-se a favor da constituição de um Comité Internacional Pró-Reparações - integrado por comités nacionais constituídos em todos os países participantes do Seminário - como instância de articulação, acompanhamento e incidência política.
Por outro lado, defendem a criação de um Tribunal Popular Internacional Pró-Reparações, para julgamento simbólico da violência colonial e imperial, dedicado a monitorar, denunciar e documentar violações de soberania, ameaças, agressões, invasões e práticas de intimidação contra povos soberanos e auto-determinados, bem como elaborar relatórios e recomendações sobre os crimes e violências do colonialismo histórico e contemporâneo.
Assumem a solidariedade como princípio reparador, fortalecendo alianças com os povos do mundo que hoje são ameaçados por agressões genocidas, guerras de extermínio, ocupações e formas de violência impostas pelo imperialismo moderno, reafirmando o compromisso com a auto-determinação.
O Panafricanismo e a luta pró-reparação em Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe, Panafricanismo: Quénia, Ghana e África do Sul, Sexta Região: a Diáspora Negra na Afrolatinoamerindia, e Experiências de Reparações no Brasil, Argentina, Colômbia, Cuba, Venezuela e Caribe, foram temas de debate no encontro.
Em Belo Horizonte, também se discutiu A Luta por Reparações nos países credores: o caso de Portugal, Reparações enfrentando o contexto hostil da perpetuação da soberania digital e do racismo cibernético e reparação e o desafio da garantia do direito à educação pública.
O Seminário denunciou, por outro lado, a escalada militar dos Estados Unidos no Caribe, os assassinatos de agricultores e pescadores em pequenas embarcações e as tentativas de violar a soberania nacional dos países da América, "traduzindo manifestações contemporâneas da necro-política imperial".
A Reparação está hoje no centro de diversos projectos e conferências governamentais e da sociedade civil em várias regiões de África, das Américas e do Caribe.
No continente africano, o destaque vai para as regiões ocidental e oriental, nomeadamente Senegal, Benim, Burkina Faso, Serra Leoa, Guiné-Bissau, Togo, Mali, Quénia e Ghana. Este último foi palco das comemorações alusivas aos 80 anos da V Congresso Panafricano, realizado em Manchester, um marco na luta pela dignidade dos Povos africanos e sua Diáspora
Nos dias 18 e 19 de Novembro, na Conferência Panafricana de Accra, comemorativa do Congresso de Manchester, académicos, políticos, activistas, artistas, intelectuais, entre outros, defenderam "acções judiciais exigindo a devolução do património cultural com importância para África que continua em museus europeus".
Nesse encontro do Ghana, País liderado por John Mahama, Procurador da União Africana para as Reparações, os participantes enquadraram a Reparação não só como pagamento de dívidas por séculos de pilhagem e escravatura, mas também como um reconhecimento, por parte dos países ocidentais dos seus crimes como pré-requisito para um diálogo igualitário e respeitoso.
Neste tempo propício a reparações, como constatou o Seminário de Belo Horizonte, quando a reparação pela escravatura e colonialismo é discutida e exigida em todo Mundo, o Presidente Mahama, justamente, defende a inclusão do tema nos programas de política interna de todos os países africanos.
Tunda Mu Njila: Reparações e anulação da dívida externa
Durante cinco dias, a cidade de Belo Horizonte, capital do Estado brasileiro de Minas Gerais, foi o centro mundial da luta pró-Reparações Históricas pela escravatura e o colonialismo.

