Jaka Jamba lembrou também, em entrevista ao Novo Jornal Online, que, em 1997, a comissão parlamentar tinha um papel fiscalizador. Se necessário, poderia até ser constituída uma comissão parlamentar de inquérito "que ia a um determinado sector onde se levantassem problemas que fosse preciso confirmar, por exemplo, se havia ou não desvios de dinheiros públicos, onde podia haver a interpelação dos titulares para esclarecimento".
Depois da maioria no Parlamento, nos anos 2000, houve um acórdão do Tribunal Supremo que já não permite este tipo de fiscalização, "que é uma das funções primordiais de qualquer parlamento". Na opinião do deputado da UNITA "é preciso revogar aquele acórdão e isso, sim, seria um sinal positivo". E a Educação, como outros sectores, "precisa de fiscalização".
NJOnline - É tempo de fazer um diagnóstico sério daquilo que é hoje a educação no país?
Jaka Jamba - Talvez do que é a Educação, o sistema de educação que temos, e do modelo de educação que reivindicamos ter. Eu creio que aí está um lado da questão que se levanta sobre este tema. A luta de libertação nacional - isto um pouco por todo o continente africano - visava encontrarmos um modelo que nos permitisse termos um sistema de educação voltado para a nossa realidade, para as nossas necessidades... E o que se constata hoje, ainda, é que, se nalguns domínios - científico, tecnológico, aquilo que é o modelo ocidental - numa certa medida vai ao encontro da nossa vocação, mas em termos humanísticos, aí é onde começam os problemas. Qual é afinal o tipo de homem novo que nós pretendemos? Os últimos tempos têm sido muito fecundos em várias propostas de homem novo e em várias derrotas dessas propostas.
NJOnline - Mas algo falha gravemente quando milhões de crianças não conseguem aceder ao Ensino Geral.
Jaka Jamba - É aí que reside o problema. Há de facto uma vocação para se assumir a Educação como uma prioridade nacional inquestionável? Esta é que é a grande questão. Um dos problemas que fragilizam o nosso processo é a questão da propaganda, do propagandismo, quase que fazemos propaganda para nós próprios. Se for para avaliarmos a taxa de alfabetização, não nos voltamos para o que realmente está a ser feito, antes nos preocupamos em vendermos uma boa imagem para as organizações internacionais, a tal ponto que depois mentimos a nós próprios e, mais grave, acreditamos nas nossas próprias mentiras, em vez de identificarmos a verdadeira situação.
Quando agora se fala em dois milhões fora do ensino primário, os números começam, ainda muito timidamente, a surgir. Porque ainda há bem pouco tempo nem isso se sabia.
NJOnline - É possível construir um país sem Educação?
Jaka Jamba - Esse é que é o problema, mas esta ideia de se fazer um país com a Educação é assumida com todas as suas consequências? Porque se não for, não se avança. Se se chegar à conclusão velada, não confessada, que a educação não é um domínio rentável, então, nessa altura, talvez haja mais vocação para se investir na plantação de bananas ou de qualquer outro sector. Nós temos um problema: durante muitos anos, nunca se debateram bem as grandes questões nacionais. Por exemplo, em termos educativos. A maior parte da nossa população, dada a nossa situação de limitação de meios, de pobreza, de precariedade, o sítio onde podem ter um acesso mais fácil para a sua formação é na escola pública. Mas está-se a dar a atenção devida à necessidade de robustecermos a escola pública? Não. O que faz com que, segundo constatámos, a tendência, mesmo entre quem tem poucos recursos, pais com poucos bens, preferem um "colegiozinho", com a esperança de que aí haverá uma melhor qualidade de ensino do que na escola pública. E isso evolui para o Ensino Superior, para esta competição que temos com o ensino privado no Ensino Superior. Mesmo sem estar garantidos os requisitos básicos para um ensino superior de qualidade. E os alunos chegam muito mal preparados ao Ensino Superior. Alguns mal sabem ler e escrever.
NJOnline - O ensino básico deveria ser obrigatório e gratuito, tal como diz a Constituição, mas Angola não consegue responder àquilo a que cada um tem direito quando nasce: ser um cidadão e frequentar o ensino primário. Com esta premissa, vale a pena falar dos restantes graus de ensino?
Jaka Jamba - Absolutamente. É como digo: durante algum tempo, as estatísticas que se foram mantendo, foi para transmitir uma imagem para o interior e para o exterior do país, não para buscar os grandes objectivos que hoje já não são só de Angola, mas são os grandes objectivos do milénio. E, de facto, é um problema muito sério, que condiciona o próprio crescimento e desenvolvimento do país e compromete grandemente os grandes objectivos que se propalam ao nível da União Africana, da África que nós queremos. Uma África próspera e livre. Estamos longe de atingir esses objectivos. Estamos longe de descolar, porque a verdade é que nós nem sequer descolámos. E esse é o problema maior.
NJOnline - A falta de investimento na Educação acaba por ter repercussões noutras áreas fundamentais, como a Saúde, por exemplo. Porque uma mãe que não sabe ler, não sabe ver uma receita, que a cólera pode ser combatida lavando as mãos, etc. Muitas vezes são até as crianças que levam esses conhecimentos para casa e que obrigam os pais a mudar alguns hábitos, porque aprenderam na escola.
Jaka Jamba - Absolutamente. Nós temos um quadro muito interessante. Eu cresci em meios religiosos protestantes onde havia uma certa associação da evangelização com a promoção do nível de vida das populações. O binómio evangelizar/educar estava absolutamente ligado, mesmo o assumir-se um projecto como a conversão religiosa resultava também da própria visão que o cidadão poderia ter sobre esses grandes problemas. O protestantismo em Angola e no planalto central, de onde eu sou originário, permitiu que cada um pudesse buscar uma interpretação sua sobre o que são os evangelhos. Isto deu-lhes vantagens e as luzes que estavam na base disso eram as que estavam na base da própria escola. Também é preciso dizer que qualquer tipo de profissão passa pela escola. Não se pode formar um enfermeiro, não se pode formar um professor, não se pode formar...
NJOnline - Um cidadão...
Jaka Jamba - Sim, sim, no fundo é isso. Não se pode formar um cidadão sem haver as luzes da escola. É inquestionável e incontornável. E são esses debates que fazem falta, porque, sobretudo para nós africanos, que agora somos forçados a acelerar a história, muitas vezes, as nossas preocupações tornaram-se circunstanciais. As preocupações dos líderes estão dependentes das campanhas que vão fazendo para ganhar as eleições e esses objectivos são circunstanciais. Não são preocupações de fundo, e sem essas preocupações de fundo não poderemos descolar para o desenvolvimento. E esta é uma das grandes fragilidades que temos. Imitamos os outros, que já embarcaram há muito tempo, têm séculos de estabilidade, já tiveram e superaram crises. Nós queremos acelerar a história de qualquer maneira, mas sem ter seriamente em conta o papel que a educação joga para a formação do cidadão, não iremos dar passos seguros nem robustos para a nossa descolagem.
NJOnline - Peço-lhe para fazer esta reflexão: Nos últimos tempos temos vindo a ser confrontados com notícias do aumento da criminalidade violenta que está intimamente relacionada com a procura do ganho fácil. Mata-se por um carro de luxo, por 500 mil kwanzas...Isso não tem também que ver com essa falta de investimento na Educação, na não aposta na formação de um cidadão, na não preparação para a cidadania? Isso aprende-se desde tenra idade...
Jaka Jamba - Isso é de facto um problema. O crime, que não fazia parte do nosso dia-a-dia, agora atinge proporções alarmantes e escandalosas. Ainda há dias um jovem foi morto porque outros jovens queriam apoderar-de de um carrão que ele tinha em casa. Falta educação num sentido amplo, mas falta ainda a educação para os valores. Nós, por exemplo, no nosso tempo - e disse há pouco que cresci num ambiente religioso - havia a moral cristã, que com mais ou menos adesão aos princípios, era a prática que imperava. E era a partir desse cânone que orientávamos a nossa conduta. Mas agora o problema é que houve opções por ideologias que estavam longe de contemplar os princípios e valores que, até àquela altura, estavam na base da boa formação, da boa conduta. Então, a partir dessa altura começaram a entrar outros anti-valores.
NJOnline - Acha que se fez tábua rasa do que existia?
Jaka Jamba - Sim, sim, fez-se tábua rasa de tudo e entrámos numa crise de valores. Mesmo que seja preciso matar para atingir este ou aquele objectivo.
E voltamos à questão da Educação, porque tem de haver, na escola, educação cívica e moral. Sem observância desses princípios e valores tradicionais, isto tornou a sociedade e a educação cada vez mais limitativa e longe de corresponder àquilo que deve nortear uma boa educação.
NJOnline - Mas por outro lado, Angola é dos países onde há mais igrejas e credos. A religião está em toda a parte.
Jaka Jamba - Esta é uma questão muito interessante, e tem tudo a ver com a minha formação em Filosofia e em História do Pensamento Religioso. Nós temos muitas igrejas, fisicamente falando. Há um episódio que me marcou muito. Quando tive de deixar o meu país, com 22 anos, vi-me num dilema. Tinha uma namorada, que é a minha companheira há mais de 40 anos, que na altura tinha 18. E para sairmos ambos do país teríamos de casar-nos. Ela saía de um colégio de madres católico e eu vinha de uma missão religiosa protestante. Nós não podíamos deixar o país sem casamento, também não podia haver casamento civil sem casamento religioso, tivemos um grande impasse. Na igreja protestante, disseram que a jovem tinha de se converter, e eu, achava que uma pessoa com 18 anos ainda não tinha maturidade suficiente para se converter, ainda por cima por conveniência. A conversão é um processo muito mais complexo e profundo que tem de resultar da vontade da própria pessoa e de acordo com o seu pensamento religioso. Não pode ser para conseguir um emprego ou para se acomodar a uma qualquer situação. Encontrámos um padre português que nos disse "meus filhos, não há problema, cada um fica na sua religião, sobre as crianças, depois resolvem quando as tiverem".
Isto só para dizer que o facto de haver muitas igrejas não significa necessariamente que há uma adesão profunda ao pensamento religioso.
NJOnline - Mas Deus "anda na boca" dos angolanos...
Jaka Jamba - É verdade, é verdade, mas ainda há outro problema: A maior parte das igrejas não tem uma fundamentação teológica sólida. Eu próprio tenho encontrado alguns que me queriam converter. Muitas vezes são criadas por pessoas que, tendo uma gravata, consultam um almanaque de igrejas dos Estados Unidos América, encomendam umas bíblias e fundam uma igreja para obter vantagens. É muito preocupante, para os que se inquietam com o futuro de Angola, porque há igrejas que, de cinco em cinco quilómetros, têm um espaço. Mas não há nenhum investimento a nível de pensamento religioso. Enquanto que em países onde a cidadania está mais consolidada já alguns desses mercadores não têm muita clientela. Em Angola há muitas presas fáceis, pelas dificuldades que as pessoas enfrentam, agravadas com a falta de educação, com a tal dificuldade de ter uma capacidade mais crítica em relação à realidade.
O Novo Jornal Online, esta semana, sentou-se à mesa com parceiros sociais, como o SINPROF, entrevista publicada na sexta-feira, a HANDEKA, entrevista publicada ontem, a ADRA, com deputados da comissão parlamentar da Educação, como Jaka Jamba, e pediu ainda pareceres a sociólogos e economistas sobre um dos sectores que mais importância tem na vida dos cidadãos e na construção de um país.
Neste Especial Educação, para tentar esboçar um retrato o mais fiel possível do estado do sector no país, contamos com os leitores. Queremos também saber o seu ponto de vista sobre este tema e conhecer a sua história ou a de alguém que lhe seja próximo. Para isso, basta que nos envie um mail para [email protected].