É uma das vozes autorizadas para falar sobre as artes em Angola, não só pelo percurso que tem, mas também por ser, muitas vezes, chamada a opinar sobre o sector cultural. Como avalia o estado actual das artes no País?

Mesmo sem condições, os artistas continuam a trabalhar! Há falta de criatividade e de alguma qualidade? Nem sempre, mas, sim, de uma maneira geral. Porquê? Porque o ensino das artes é fraco ou praticamente inexistente e porque não existem programas de apoio à criação e à produção artística. Existem muitos jovens com talento, mas poucas possibilidades de progresso. A área mais desenvolvida continua a ser a das artes visuais.

Então, quais são os principais desafios do nosso sector cultural?

Em primeiro lugar, investir na formação especializada com escolas bem equipadas e com professores competentes. Em segundo, pararem de prometer os equipamentos culturais que nunca disponibilizam, deixando os artistas sem teatros ou outros lugares específicos para se apresentar. Em terceiro, perceberem que o funcionamento das tão faladas indústrias culturais só pode acontecer com a qualidade decorrente da intervenção profissional das artes e da cultura com formação.

Falemos, particularmente, da dança. É uma das pioneiras da dança contemporânea em Angola. Se tivesse a oportunidade de mudaro quadro actual, o que priorizaria?

A resposta é sempre a mesma: formação artística especializada e educação artística massificada. Desta forma, estaríamos a apostar no profissionalismo e, ao mesmo tempo, na sensibilização da sociedade para apreciar, criticar e exigir qualidade nas produções dos artistas.

Quando fala da necessidadede termos formação artística especializada, refere-se ao ensino público ou ao privado?

Penso que o ensino estatal deveria ser privilegiado, uma vez que foi nesse modelo que surgiram as primeiras escolas de artes e porque as escolas públicas devem ser privilegiadas. O ensino privado deveria ser regulamentado e fiscalizado. No entanto, quer para o ensino estatal, quer para o privado, é importante a existência de professores especializados em quantidade e com a competência exigida neste tipo de ensino, em que um mau professor pode causar danos físicos irreparáveis nos alunos. Um sistema de ensino integrado, ensino geral mais ensino especializado na mesma escola, é o ideal para a formação artística. No entanto, o ensino articulado também pode funcionar como alternativa.

Já deu uma olhada nos currículos das escolas públicas de arte, em particular no ensino da dança, ou pelo menos foi chamada a dar o seu parecer?

Não só dei uma olhada como também sou eu que, desde o início, isso nos anos 80, tenho vindo a coordenar o trabalho de desenho curricular e de elaboração, quer dos planos de estudo, quer dos programas para os diferentes níveis de ensino da dança em Angola. No entanto, os professores que actualmente leccionam na única escola estatal existente não possuem a formação exigida para a implementação desses programas nas diferentes disciplinas que integram uma formação em dança. Apenas um docente possui uma licenciatura em Dança, que é o nível académico mínimo exigido para leccionar numa escola de nível médio. Os restantes possuem apenas habilitações de nível médio. É de lei que apenas podemos dar aulas em determinado nível de ensino se possuirmos habilitações académicas superiores ao nível que nos propomos leccionar. Para o nível médio de dança, é exigido, no mínimo, uma licenciatura em dança. Sublinho, em dança.

Recentemente, a Companhia de Dança Contemporânea (CDC), da qual a senhora é fundadora e directora, realizou um curso intensivo de superação em dança, integrado num programa de diversidade que teve o apoio de fundos europeus. Que balanço faz?

Excelente! E este é o balanço feito e expresso pelos participantes nos questionários que preencheram. Porquê? Porque os professores, além de competentes e de possuírem formação superior especializada, são artistas, partilharam conhecimento académico a partir de uma experiência vivida e de pessoas actualizadas. Sabemos que a maior parte dos participantes nunca tinha tido acesso ao tão diversificado conhecimento sobre as possibilidades e abrangências da dança. A CDC Angola viu, nestas acções e fundos europeus co-financiados e geridos pelo Camões com o apoio da Alliance Française Luanda e do Cluster EUNIC- Rede de Institutos Culturais e Embaixadas da União Europeia, uma oportunidade para melhorar o desempenho e os conhecimentos de profissionais que desenvolvem a sua actividade na dança. Apesar de as verbas serem pequenas e de contabilidade rigorosa, foram suficientes para assumir as despesas necessárias ao bom funcionamento do curso.

Há ciclos que afirmam que os grupos de dança em Angola desapareceram, que não temos mais tantas referências e que isso não se deve à Covid-19. É verdade?

Penso que desapareceram, pois tudo quanto não tem uma base sólida de formação, a única condição que permite a continuidade, tende a desaparecer. Por outro lado, a maioria dos grupos eram e são amadores, pelo que os seus integrantes, a uma certa altura, fazem outras opções na vida e deixam a actividade da dança recreativa de lado. Ainda assim, outros grupos surgiram, pois este movimento existe em todo o mundo. Talvez a pandemia tenha contribuído neste último ano, já que o número de espectáculos diminuiu, mas não entendo que seja esse o principal motivo.

Uma das grandes queixas da classe artística é a falta de legislação para o sector da Cultura. Uns afirmam, por exemplo, não ser do interesse nem constar das prioridades do Governo a institucionalização da Lei do Mecenato e de outros incentivos às artes. Partilha dessa opinião?

Partilho, de certa forma. Em realidade, quer a lei, quer a sua regulamentação há muito estão aprovadas e publicadas em Diário da República. O que eu acho é que não foi feita a devida sensibilização e articulação com outros ministérios para a explicação das formas e das condições de funcionamento desta lei. Por outro lado, é bem verdade que os artistas não integram as prioridades e o respeito do nosso País. Basta ver o que fizeram com o Ministério da Cultura, que foi completamente arrasado e transformado numa direcção de um ministério sem sentido.

Enquanto o Estado não prioriza a cultura, a nível da sociedade civil há passos que se vão dando para maior valorização da classe artística. A Sociedade Angolana de Direitos de Autor (SADIA), por exemplo, já começou a dar os primeiros passos no sentido de dignificar os artistas. Inclusive, o seu director jurídico anunciou, em entrevista ao Novo Jornal, que a associação já entregou 13 milhões de kwanzas a 120 autores angolanos, no primeiro trimestre deste ano. Está optimista quanto à actuação dessa instituição?

Eu sou membro-fundador e integrei o primeiro conselho de administração da SADIA. Na época, estávamos todos optimistas, tendo, inclusivamente, efectuado estágios de formação nalgumas sociedades congéneres no exterior. Tenho, portanto, certo carinho por esta instituição. O que eu acho é que, neste momento, se deveria apostar nela, ao invés de se estarem a alimentar outras, sem vocação para o efeito. Uma sociedade de direitos autorais é um instrumento fundamental de defesa e protecção da propriedade intelectual.