Quando em Março de 2016 Valter Filipe ocupou o cargo de governador do BNA encontrou um "quadro preocupante, com bancos que apresentavam uma situação de possível falência técnica", revelou o responsável no programa "Grande Entrevista", transmitido pela TPA na passada segunda-feira, 3.
Segundo explicou o responsável, o estado crítico do sistema financeiro - que no caso do estatal Banco de Poupança e Crédito (BPC) "estava a colocar em causa não só a reputação do sistema financeiro, mas do próprio Estado angolano" -, levou o regulador a desencadear uma avaliação, banco a banco, sobre os activos de cada instituição, incumbidas de apresentar uma proposta de restruturação interna para criar um quadro de solvabilidade.
"Hoje estamos muito melhor", congratula-se o governador do BNA, destacando os méritos do plano para a saída da crise aprovado pelo Executivo, sem esquecer que o sistema financeiro ainda conserva muitas vulnerabilidades.
"A primeira fragilidade é o mercado informal do câmbio. Devemos deixar de ter kinguilas nas ruas", apontou o responsável, defendendo igualmente que "não podemos ter o uso de notas que temos tido, em que queremos andar com um ou dois milhões de kwanzas num saco".
Para além da importância de regular a banca e combater os fluxos financeiros no mercado informal, Valter Filipe sublinhou o impacto da reestruturação no BNA de toda a área de supervisão e de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
"Neste momento estamos a 60, 70% daquilo que são as exigências internacionais. É um trabalho que continuamos a fazer e que resulta também de assistência técnica que nos está a ser dada, algo que envolve o Fundo Monetário Internacional e que precisamos terminar ou até ao final deste ano ou até ao princípio do próximo ano".
A par da reorganização do funcionamento da banca e do ordenamento do circuito cambial, o governador defende a necessidade de envolver toda a sociedade "porque o trabalho é exigente".
"Não podemos ter um país em que os bancos dependem das divisas que são reservas do Estado"
"Temos de ter uma investigação criminal que faça uma verdadeira investigação sobre os crimes financeiros. Temos de ter uma Procuradoria que trabalhe seriamente nos crimes de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo", salientou.
Voltando ao plano de saída da crise aprovado pelo Executivo, o homem forte do banco central esclareceu que o programa de estabilização tinha como um dos principais objectivos a protecção das reservas internacionais líquidas.
"Não podemos ter um país em que os bancos e as empresas dependem das divisas que são reservas do Estado. A reserva é poupança, é para criar estabilidade financeira. Portanto, primeiro temos de fazer essa correcção, com uma política cambial que esteja vocacionada para a produção nacional, para o aumento da produção nacional, da agricultura, da indústria, e para o aumento da exportação".
Apesar dos inúmeros desafios, Valter Filipe chama a atenção para os ganhos já alcançados. "Quando começámos a implementar este plano era necessário aprovar mais de 28 normativos, algo que tivemos de fazer entre Abril e Junho. Agora mais de 21 bancos estão a implementar estas normas e com resultados positivos", assinalou o responsável, destacando a importância de dois instrumentos nesse processo de renovação: o plano de política monetária e cambial e o plano de adequação do sistema financeiro angolano às normas e boas práticas internacionais.
O resultado, considera, assume proporções inesperadas. "O que se previa no primeiro semestre de 2016 é que Angola, em Agosto, entraria numa situação como aquela que a Venezuela vive hoje. Neste momento deveríamos ter filas de pessoas para comprar medicamentos nas farmácias, deveríamos ter filas de pessoas para comprar bens alimentares nas lojas. Deveríamos estar numa situação de crise económica, social e provavelmente política", adiantou o governador, revelando que a "sobrevivência" nacional surpreendeu os especialistas internacionais.
"Um dos técnicos do FMI perguntou-me: "Qual é o milagre que Angola está a fazer"?", contou Valter Filipe, no final da entrevista à TPA, repetindo a resposta que deu ao perito: "O milagre de Angola é trabalho árduo, foco, disciplina e uma liderança única que tem um projecto e uma visão para o país".