Mais de 35 milhões de sul-africanos são hoje chamados a votar para manter o ANC, de Cyril Ramaphosa, no poder, ou escolher um dos dois potenciais "challengers": o jovem negro Mmusi Maimane, que lidera o maior partido da oposição, a Aliança Democrática, conhecido como o partido dos brancos, ou ainda o intrépido Julius Malema, que saiu do ANC para fundar o partido radical de esquerda Combatentes pela Liberdade Económica (EFF, sigla em inglês).
Esta votação decorre num momento importante e que pode aprofundar ou aliviar a clivagem entre brancos e negros que está em crescendo, a ponto de o próprio Congresso Nacional Africano (ANC), partido que governa o país desde o fim do apartheid, em 1994, ter feito aprovar legislação que abre as portas à expropriação de terras sem direito a quaisquer compensações, alegando que se trata de uma correcção histórica aos desmandos do regime racista do apartheid.
O intrépido Malema
Como tem sido habitual nos últimos pleitos eleitorais no país baptizado por Nelson Mandela como a "Nação arco-íris", é o fulgurante Julius Malema (à esquerda, na foto) que tem feito de lebre na corrida para as urnas de voto, tendo optado nesta campanha eleitoral por voltar a insistir no velho chavão de sempre, o mesmo que usa desde que em 2013 fundou os EFF: "Não queremos fazer guerra aos brancos, queremos comer à mesma mesa que eles comem... e se não nos for permitido isso, destruiremos essa mesa".
Malema, de 38 anos, deixou o ANC, onde liderou por anos a fio a sua organização jovem, cunhado como o "rebelde" que encontrou na minoria branca, e comummente tida como mais rica devido aos privilégios conseguidos durante as décadas do regime racista do apartheid, o seu alvo político, conseguindo usar essa escada para alcançar o estatuto de importante força política na África do Sul e que, segundo alguns analistas, em caso de vitória sem maioria absoluta do ANC, moderando ligeiramente o discurso, poderia ser o "parceiro" natural de Cyril Ramaphosa para formar Governo.
Este "rebelde" com causa bem definida, apresenta-se como a voz dos sem voz, dos desempregados e da realização da "justiça histórica" que é retirar a terra herdada pelos brancos do "pai" apartheid" sem quaisquer compensações e a literal nacionalização das minas e dos bancos, que serão a plataforma mais sólida, no seu entender, para o aprofundamento, pela via da radicalização, do "Black Economic Empowerment", que é, numa tradução livre, o mesmo que dizer abrir as portas, pela via legislativa, do poder económico à maioria negra da África do Sul.
Este "Black Economic Empowerment" é a denominação de um programa official do ANC que Malema quer ver aprofundado na sua principal vertente: dar aos negros, mestiços e indianos os privilégios que sempre foram reconhecidos aos brancos.
O seu objectivo, segundo os analistas políticos sul-africanos mais citados, é "cavalgar a onda do descontentamento entre os mais pobres dos pobres sul-africanos" de forma a conseguir votos suficientes para deixar de ser um líder das franjas para passar a ser parte da mesa principal onde se vai redefinir o futuro do país de Nelson Mandela.
Os mesmos analistas, principalmente citados pela imprensa mainstream, sublinham o facto de o papel de Malema na sociedade sul-africana hoje é o de forçar o caminho para a chegada de mais negros ao poder nas empresas do país mas, ao mesmo tempo, estar a empurrar os quadros brancos mais competentes para fora do país.
Ramaphosa, o homem na corda-bamba
O líder do Congresso Nacional Africano, Cyril Ramaphosa, de 66 anos (no centro, na foto), ao contrário de Julius Malema, é um velho leão da política e da economia sul-africana, sendo a sua existência, enquanto dirigente do ANC, conhecida desde que assessorou Nelson Mandela pouco depois de ter deixado a prisão de Robben Island - tendo-o acompanhando nessa caminhada para entre a cela e a liberdade - sendo conhecido como um "moderado" que está a ser empurrado para uma certa radicalização devido à pressão da crise e da insatisfação popular dos milhões de sul-africanos que têm vindo a perder qualidade de vida.
O actual Presidente da África do Sul chegou ao poder no ano passado depois de uma intermitente carreira a saltar entre a política, desde os tempos do activismo anti-apartheid, esteve, com Mandela, na linha da frente das negociações com o regime do apartheid e foi um dos autores da actual Constituição do país.
Nas empresas tem também nome consolidado, desde o sector mineiro às sociedades na Mc Donald"s e na Coca-Cola, ou ainda na área das telecomunicações e na criação de gado bovino. E no sindicalismo não é, de todo, um desconhecido.
Chegou ao poder a partir do lugar de Vice-Presidente do desacreditado Jacob Zuma, tendo conseguido, no entanto, segurar as pontas do país num momento e que as trapalhadas de Zuma estavam a atirar a África do Sul para um buraco económico e para um "mau exemplo" na luta contra a corrupção em África, tendo sido acusado amiúde de manter um silêncio comprometedor face aos desmandos do Presidente.
Ramaphosa continua a ser visto como um estratega de qualidade e um homem paciente que, ainda segundo os analistas, sabe que o melhor caminho para a África do Sul não está na radicalização sugerida por homens como Malema, mas que tem de lidar com essa pressão nos próximos anos, porque percebe que só o crescimento económico pode servir de antidoto para o perigoso caminho do extremismo xenófobo que está a ser iniciado na sociedade sul-africana.
Uma das suas frases-chave para esta campanha eleitoral é, e foi, aquela que suporta a ideia de que os sul-africanos vivem "um momento histórico decisivo" onde têm de escolher entre "a esperança e o desespero".
Maimane, o jovem negro do "partido dos brancos"
De entre os três principais rostos dos candidatos da primeira linha nas eleições de quarta-feira na África do Sul, a par de Ramaphosa, e Mulema, o menos conhecido mas, provavelmente o mais temido, é Mmusi Maimane, de 38 anos (à direita, na foto), porque surge com a marca da absoluta moderação que, num país como este, é sempre suportada pela questão racial.
Isto, porque Maimane é um jovem negro, de verve fina e impactante, a liderar aquele que é o partido conhecido como "dos brancos" mas que é composto por homens e mulheres de todas as raças e aposta num discurso "arco-íris", defendendo uma África do Sul libertada da "opressão" dos velhos problemas raciais.
É essa postura ideologicamente versátil mas claramente contra as distinções raciais da Aliança Democrática que lhe permitiu fixar-se na condição de maior partido da oposição.
Nascido no "musseque" - localmente conhecidos como townships - de Joanesburgo, onde historicamente está o coração da luta anti-apartheid, o Soweto, onde Mandela tinha casa, Maimane chegou ao partido que agora lidera há escassos 10 anos, mas a sua ascensão foi fulgurante.
Por um aldo, apontam uns, isso deveu-se ao seu brilhantismo, aos seus discursos eficazes e à clareza das suas ideias, mas, por outro lado, Maimane carrega sobre os ombros a suspeita de que a sua subida ao poder resulta de uma aposta estratégica dos brancos mais velhos que pretendem, com a sua presença no palco, libertar o partido dos "sobressaltos raciais" devido à imagem que a AD tem de ser historicamente um partido de "whites".
Facto é que a sua liderança foi fundamental para, num tempo de agressivo crescendo das negativas questões raciais, como sublinham os analistas sul-africanos, manter a AD sob os holofotes dos media e dos eleitores, não só brancos, como também entre os muitos negros que se têm manifestado contra o endurecimento do próprio ANC de Ramaphosa quanto à questão racial e das opções económicas dos últimos anos, que se têm revelado desastrosas.
Uma das suas ideias mais citadas é aquela em que defende que "a grande questão histórica nestas eleições é a afirmação da rejeição pelas pessoas das divisões raciais" por entenderem que "é possível negros e brancos trabalharem juntos" ao mesmo tempo que acusa o ANC de ter "lido muito mal a África do Sul" por pensar que a questão maior no país passa por essa dicotomia brancos/negros.
Casado com uma branca, Mmusi Maimane, tinha, antes de chegar à política, uma vida de devoto cristão bem vincada, com formação superior em Teologia, e ainda como professor universitário de economia em Joanesburgo e consultor.