E o que resulta deste cenário relatado pelas agências internacionais e corroborado pelas Nações Unidas e pela missão da SADC para o leste congolês, a SAMIRDC, que já fez sair o seu pessoal da cidade, é que o Ruanda e os seus "homens de mão" ficam com acesso quase total às áreas de maior concentração de recursos naturais do leste da RDC.

Aliás, o acesso a estes minerais estratégicos, como o coltão, o cobalto e as 17 "terras raras", fundamentais para as indústrias 2.0, embora os diamantes e o ouro não sejam deixados de lado, como relatam os peritos das organizações internacionais, é o objectivo final desta incursão do Ruanda no país vizinho.

Este pequeno país encravado entre a RDC, o Burundi, Uganda e Tanzânia, com 14,5 milhões de habitantes e pouco mais de 26 mil kms2, com uma das maiores densidades populacionais do mundo, mais de 450 habitantes por km2.

E não carece apenas de recursos naturais para alimentar o seu acelerado desenvolvimento económico e social, que é invejável quando comparado com a generalidade dos Estados africanos, estando em crescimento positivo no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) entre os mais desenvolvidos em África ano após ano, precisa igualmente de alargar o seu território para alojar uma população em acelerado crescimento.

Agora que as Forças Aramadas da RDC (FARDC), mesmo com o apoio musculado da MONUSCO, a missão armada da ONU na RDC, e o contingente regional colocado na região no âmbito dos esforços de estabilização liderados pelo Presidente angolano, João Lourenço, estão a ser derrotadas na região, Kigali vai optar por manter esses territórios apenas para explorar os seus recursos ou vai anexá-los?

Para já, essa questão não tem resposta, mas a RDC, através dos seus representantes na ONU, em Nova Iorque, e a sua ministra dos Negócios Estrangeiros, Thérèse Kayikwamba Wagner, já pediram ao Conselho de Segurança para aplicar sanções aos dirigentes ruandeses de forma a vincar o repúdio pela invasão dos territórios congoleses.

Mas já se sabe que a única forma de conseguir impedir que as bem organizadas e equipadas forças armadas ruandesas não se instalem em definitivo no leste congolês é organizar uma força internacional capaz de expulsar os militares ruandeses e o seu braço desestabilizador que é, desde 2021, o M23, cuja logística e equipamento são fornecidos por Kigali.

Para já, segundo relata a Reuters, a MONUSCO avança que a guerra ainda não está perdida, mesmo que a batalha por Goma esteja em via de estar fora de controlo, tendo um oficial sénior da ONU na RDC, Bruno Lamarquis, sublinhado à Reuters que "ainda há muito a decorrer... nada está perdido para já".

Mas Lamarquis, numa comunicação via vídeo transmitida para Nova Iorque a partir de Kinshasa, confirmou que os combates activos já estão dentro da cidade de Goma, em todos os seus bairros internos e nos subúrbios, o que é a confirmação de que a cidade está na iminência de cair nas mãos dos rebeldes apoiados pelo Ruanda.

Isto, depois de o M23, um movimento criado em 2012, de maioria tutsi, originário do Ruanda, mas que ficou na penumbra até 2021, ano em que reemergiu com força imparável para tomar uma vasta área do leste da RDC, com especial apetência pelas suas áreas mineiras..., ter garantido na segunda-feira, 27, que já era dono e senhor de Goma.

A verdade mostrada pelas imagens conseguidas pelas televisões internacionais, mostram cenas caóticas nas vias que levam ao exterior da cidade, com famílias inteiras a fugir, não apenas das balas e das explosões mas também da falta de água, electricidade, internet... enquanto viaturas militares, carregando peças de artilharia e blindados, atravessam a cidade de um lado para o outro...

Em Luanda, o Presidente João Lourenço, que lidera os esforços de mediação de paz, enquanto líder da CIRGL e em nome da União Africana, como o seu "campeão da paz", já emitiu um severo apelo aos rebeldes para pararem a violência e para abandonarem os territórios ocupados pela força.

A ONU já emitiu vários comunicados a alertar para a grave situação humanitária que está a resultar destes avanços do M23 e das forças ruandesas, piorando substancialmente a já de si grave situação na região, onde existem mais de 6,5 milhões de deslocados.

E a União Africana procura, com uma reunião de emergência do seu Conselho de Segurança, liderado actualmente pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Costa do Marfim, Kacou Houadja Adom, criar uma frente regional para pressionar as partes a conduzirem a conflitualidade para as negociações.

Entretanto, o Ministério das relações Exteriores de Angola, na qualidade de presentemente líder da Conferência Internacional dos Grandes Lagos (CIRGL), e facilitar da União Africana para esta crise, procedeu, em comunicação permanente com o Ruanda e a RDC, à evacuação dos elementos que estavam responsáveis pela vigilância dos acordos de cessação das hostilidades, da cidade de Goma, onde estavam sedeados.

Segundo o Mirex, deixaram a capital do Kivu Norte 18 elementos do Mecanismo ad hoc de Verificação Reforçado (MAVR) e do Mecanismo Conjunto de Verificação Alargado (MCVA) da CIRGL, para, face à gravidade da situação, salvaguardar a sua segurança, num avião da Força Aérea Nacional de Angola.

Entre os 18 elementos evacuados de Goma estão quatro da RDC e 2 da República do Congo, acrescenta o comunicado do Mirex.

Uma nesga de esperança

Enquanto isso, o Presidente do Quénia, William Rutto, que é outro dos pilares regionais, a par do seu homologo angolano, em que assentam os esforços de paz, já veio informar, segundo a Al Jazeera, que os dois Presidentes da RDC, Tshisekedi, e do Ruanda, Paul Kagame, admitiram a necessidade de uma conversa para lidar com a situação dramática no leste congolês.

No entanto, em Kinshasa, o Governo de Félix Tshisekedi, está há vários dias em reunião permanente do seu gabinete de crise e para esta terça-feira, 28, é aguardado um importante discurso do Presidente da República, inteiramente dedicado à situação no leste do país.

Mas sabe-se, segundo o Presidente da Assembleia Nacional, Vital Kamerhe, citado pela Radio Okapi, a emissora criada pela ONU na RDC, que é parte do gabinete de crise, que Félix Tshisekedi vai debruçar-se essencialmente sobre as decisões do Governo para "restaurar a autoridade do Estado" na região em questão, especialmente no Kivu Norte, sublinhando que a actual situação é inaceitável.

Isto, depois de, como o Novo Jornal noticiou (ver links em baixo) a ministra congolesa dos Negócios Estrangeiros, ter ido dizer ao Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque, que os avanços ruandeses sobre território da RDC "é uma clara declaração de guerra" que "já não se esconde por detrás de subterfúgios como fazer de conta que são meros rebeldes".

O reacender da fornalha

Esta mais recente fase da crise congo-ruandesa começou em Outubro do ano passado, quando os rebeldes do M23 romperam todos os compromissos conseguidos nas várias Cimeiras de Luanda, inclusive acordos de cessar-fogo repetidamente queimados pelos guerrilheiros, apesar do forte contingente militar enviado para a zona pelos países vizinhos...

Mais recentemente, já este mês de Janeiro, depois de terem tomado Masisi e Minova, localidades situadas nas duas vias de acesso a Goma, os rebeldes do Movimento 23 de Março, ou M23, estão a conseguir furar as últimas linhas defensivas das forças leais a Kinshasa.

Para enfatizar a preocupação que é uma tomada de assalto bem conseguida da cidade de Goma, com mais de 2,5 milhões de pessoas, a ONU, através do Alto Comissário para os Direitos Humanos, já veio lançar um alerta para a iminente catástrofe humanitária que esse avanço será.

Isto, porque o leste congolês, especialmente nos dois Kivu, Norte e Sul, e Ituri, é uma das regiões mais afectadas pelo fenómeno dos deslocados internos em fuga permanente à violência étnica e guerrilheira, com mais de 6 milhões de pessoas nessa condição.

E Goma cair nas mãos do M23, acelera ainda mais a crise humanitária. que já é gigantesca, fruto de três décadas de violência, com origem no genocídio de 1994, no Ruanda, complementada pela disputa dos seus vastos recursos naturais, será severamente agravada.

Além desse problema, a tomada de Goma deixa o Governo da RDC do Presidente Félix Tshisekedi, que já ameaçou por diversas vezes uma guerra com o Ruanda, o país vizinho que apoia este grupo rebelde, como as Nações Unidas provaram em 2022, em muito maus lençóis, podendo ser a chama que acende o rastilho ligado ao barril de pólvora que é toda a região dos Grandes Lagos.

Por se tratar de uma situação de enorme melindre, o Presidente angolano, João Lourenço, tem, em nome da União Africana, conduzido parte fundamental das negociações para a estabilização regional, incluindo diversas Cimeiras em Luanda.

Pela capital angolana, passaram, nos últimos cinco anos, todos os líderes regionais com ligações a esta crise RDC/Ruanda, incluindo, naturalmente os Presidentes Tshisekedi e o seu homólogo ruandês Paul Kagame, mas nada parece demover o M23 das suas conquistas e dos interesses que perseguem.

Apesar de, no quadro desses esforços, ter sido deslocado para esta região em brasa um contingente militar substancial para impor o fim das hostilidades, o M23, uma e outra vez, sempre furou os acordos de cessar-fogo conseguidos em Luanda por João Lourenço.

E agora, apesar dessa presença, são as Forças Armadas da RDC (FARDC) que procuram travar o avanço dos rebeldes mas, ao que tudo indica, sem sucesso porque, depois de, como o Novo Jornal noticiou qui e aqui, terem tomado Masisi e depois Minova, estes tomaram Saké e Bambiro.

Estas duas localidades são de extrema importância estratégica porque estão em cima do nó rodoviário da N2, R529 e RP 1030, as três vias de acesso a Goma a partir do oeste do Lago Kivu, o que deixa os guerrilheiros apenas com cerca de 15 quilómetros da grande cidade que se situa na linha de fronteira com o Ruanda.

Com este avanço, os homens do M23 não apenas ganham uma situação de vantagem no confronto com uma eventual reacção musculada das FARDC, como já assumiram posições de controlo sobre as mais relevantes áreas mineiras da região, incluindo no Kivu Sul.

A partir de Genebra, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos admite estar "muito preocupado" com este desenvolvimento, que, avisa Ravina Shamdasani, porta-voz desta agência das Nações Unidas, só este ano já provocou 400 mil desalojados.

Segundo os relatos de repórteres na região, a cidade de Goma está à beira do pânico generalizado porque as explosões e os tiroteios já se ouvem nos subúrbios enquanto das suas unidades hospitalares, muito depauperadas, são assoladas por vítimas dos confrontos, civis e militares.

Estes avanços do M23 foram reatados em 2021, depois de um longo interregno de quase uma década em que este grupo se refugiu na sombra, tendo voltado com grande capacidade ofensiva, bem armados e com forte apoio logístico, que é fornecido pelo Ruanda, segundo o Governo de Kinshasa e a ONU.

O histórico

Por detrás desse apoio está a exploração de minerais estratégicos valiosos (ver links em baixo), como o coltão ou o cobalto, que são reexportados pelo Ruanda como sendo provenientes do seu subsolo mas sem que se conheça a existência de reservas no lado ruandês destes recursos naturais.

Perante a ameaça séria de uma guerra entre a RDC de Felix Tshisekedi e o Ruanda de Paul Kagame, com dezenas de escaramuças fronteiriças a suportar essa possibilidade, o Presidente angolano encetou uma "batalha" diplomática para estabilizar a região.

Para isso contribui ainda o Quénia, no âmbito da Comunidade da África do Este (EAC), que, com Angola, tem servido de palco para sucessivas rondas negociais, algumas delas promissoras, como quando, em 2023, em Luanda, Paul Kagame se comprometeu em pugnar junto dos lideres do M23 para aceitarem depor as armas.

Tal nunca foi efectivamente concretizado, apesar de ao longo de 2024 terem sido definidos os ditames das tréguas que duraram meses e foram vigiadas e garantidas por um continente militar de interposição com milhares de militares oriundos de países como Angola, África do Sul, Quénia ou, entre outros, Uganda.

Porém, como tinha sido regular nos últimos meses de 2024, agora, em 2025, ainda o ano está a arrancar é já se começa a perceber que o M23 não vai dar descanso aos líderes dos esforços diplomáticos, onde está o Presidente João Lourenço, como pode ser revisitado nos links em baixo, nesta página.

O mapa das conquistas do M23 no Kivu Norte e no Kivu Sul segue os filões dos recursos naturais que são mais cobiçados pelas grandes indústrias globais, desde as comunicações (coltão) à aeronáutica (cobalto).

Com as vagas de assaltos do M23, Kinshasa ficou sem controlo de algumas das mais vastas áreas de exploração mineira, perdendo assim milhões USD para os garimpeiros ilegais que fazem estes recursos chegar ilegalmente aos mercados internacionais via Ruanda ou outras geografias.

Por detrás desta renovada ofensiva dos rebeldes está, seguramente, a fricção entre Tshisekedi e Kagame que, apesar dos esforços de intermediação de Lourenço, parece ter chegado a um ponto de ebulição devido à imparável chama dos interesses económicos no leste congolês.

Além das perdas económicas, estes avanços do M23 resultam ainda como uma poderosa dor de cabeça para as autoridades congoleses que se encontram já com uma severa crise humanitária entre mãos.

Isso, devido aos quase cinco milhões de pessoas que se encontram em campos de refugiados em vários locais, devido à violência - são mais de 100 os grupos de guerrilheiros, milícias e bandidos organizados na região - e com tendência de crescimento sem fim à vista.

Há relatos de que os combates entre as forças congolesas e os guerrilheiros fazem mais de 20 mil mortos anualmente, sem contar com os milhares de vítimas civis, que são a larga maioria.