No discurso que fez na abertura da reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros do G20, os vinte países mais ricos do mundo, em Nova Deli, o chefe do Governo indiano desafiou os lideres mundiais a colocarem os interesses da Humanidade acima dos seus para que todos os povos do mundo reconquistem a esperança de viver num planeta de justiça e não de desigualdade como o que existe hoje.
Este discurso de Narendra Modi tem especial impacto no curso da História porque encaixa com uma perfeição que não permite ser mera coincidência no que tem sido dito pela China e Pela Federação Russa contra a actual situação mundial sujeita à denominada "Ordem Mundial Baseada em Regras", que é, em síntese, o sistema de Governo mundial criado após o fim da II Guerra Mundial, em 1945, pelos EUA, que tem como pilares as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e, entre outros, o Banco Mundial.
Esta busca por uma nova ordem mundial, não baseada em regras "ocidentais" mas assentes numa visão de cooperação inter pares e multipolar começou a ser desenhada com mais afinco por russos e chineses, como ficou claro no encontro entre os ministros dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, e chinês, Wang Yi, em Março de 2022, numa cidade do leste da China, onde se apontou como objectivo usar a parceria sólida e ilimitada entre Moscovo e Pequim para forçar a alteração na forma de governança do mundo, como pode ler nesta notícia do Novo Jornal.
Se China e Rússia estão claramente apostadas num novo caminho para o mundo, que permita ao denominado "sul global", que inclui não só o Hemisfério Sul, que concentra a maioria dos países pobres ou em desenvolvimento, mas também uma parte do Norte, incluindo China e Índia, entre outros, ter uma voz no palco dos decisores, a Índia era considerada como a peça-chave para esse esforço passar de um processo lento para acelerado por ser impossível de conter a vontade de quase dois terços da população mundial, metade do pib global e três das maiores potências militares planetárias, tanto convencionalmente como nucleares.
Na sua comunicação em vídeo, Narendra Modi não explicitou a sua vontade de se juntar a Vladimir Putin e Xi Jinping nesta demanda por uma nova ordem mundial mais justa e sem o domínio hegemónico dos países ocidentais, mas que as suas palavras indiciam isso, é já claro para vários analistas.
"A arquitectura da governança mundial criada depois das II Guerra Mundial tinha duas funções fulcrais, evitar futuras guerras equilibrando interesses em competição, e depois fundar os alicerces da cooperação em assuntos vitais", disse Modi, acrescentando que "a experiência das últimas décadas - crises financeiras, alterações climáticas, pandemias, terrorismo e guerras - , mostra que esta governação global falhou em ambas as missões".
Aproveitando para desafiar o G20 a procurar soluções consensuais e resolver as diferenças, Narendra Modi, que preside este ano ao G20, sublinhou que não se pode manter assuntos em cima da mesa que não podem ser resolvidos por todos de forma a que isso sirva os objectivos de alguns.
Modi colocou no topo da lista das suas prioridades a "segurança alimentar e energética", apontando como fulcral entre os objectivos de desenvolvimento para os países em desenvolvimento, notando que "nenhum grupo pode reclamar liderança global sem ouvir aqueles que são mais afectados pelas suas decisões".
Naquilo que pode claramente ser lido como um aviso ao ocidente, leia-se EUA e Europa Ocidental, para mudarem de caminho de forma a responderem aos anseios do Sul Global, Modi está igualmente a dizer a Pequim e a Moscovo que, pelo menos em certamedida, podem contar com a Índia na busca de um mundo mais justo e cooperante.
Uma das questões colocadas em saliência estratégica é a questão da dívida dos países mais pobres, que está a ganhar há anos forma de insustentabilidade e lembrou a responsabilidades deste grupo de países na busca de soluções que permitam aos menos desenvolvidos do sul global não ficarem constrangidos por esse problema os seus esforços de desenvolvimento económico e social, estabilidade social, combate ao terrorismo e ao crime transnacional, e à segurança alimentar e energética.
As palavras de Narednra Modi encaixam igualmente na perfeição naquelas que são as principais preocupações da generalidade dos países africanos, que são hoje os mais afectados pelas alterações climáticas, problemas pesados de dívida insustentável, juros extorsionistas praticadas pelas instituições financeiras multinacionais, entre muitos outros, que tolhem o caminho do desenvolvimento do continente.