Com o levantar do fumo das explosões, percebe-se que o ataque iraniano não foi tão simples como parecia no momento, porque, juntando todas as informações fornecidas pelos dois Governos, e oficiosamente divulgadas nas redes sociais, aquilo que pareceu, não foi bem assim.
Sabia-se que os sofisticados sistemas de defesa antiaérea israelitas, como a "Cúpula de Ferro", para curta distância, a "Fisga de David", para médio alcance, e o "Arrow 3", para grandes altitudes, onde são caçados os misseis balísticos e de cruzeiro, neutralizaram quase todos os projecteis lançados pelo Irão e pelos seus "proxys", mas, ao que tudo indica, aqueles que o Irão queria que passassem, passaram mesmo.
Os drones lançados, mais de 170, com velocidades lentas, não teriam qualquer hipótese, mas serviram apenas para cansar os sistemas antiaéreos israelitas e dos seus aliados com meios militares na região, EUA, Reino Unido e França.
Os 30 misseis de cruzeiro, de precisão e que voam a baixas altitudes, com manobrabilidade em voo, na segunda vaga, exigiram o empenho de meios mais pesados e versáteis, enquanto os 110 misseis balísticos, que são disparados numa única trajectória, e de maior velocidade, constituíram o verdadeiro desafio à capacidade de defesa antiaérea Israelita.
Oficialmente, entre 10 e 15 misseis balísticos atingiram os alvos em Israel, duas bases aéreas no deserto do Neguev, onde operam os sofisticados caças F-35, e de onde foi lançada a operação contra o consulado iraniano em Damasco, Síria, a 01 de Abri.
Nesse ataque ao edifício consular iraniano na capital síria, onde morreram vários oficiais da Guarda Revolucionária do Irão e levou a esta "vingança", foi empregue um míssil guiado israelita lançado, ao que tudo indica de um F-35, tendo sido considerado em Teerão uma acção que não poderia ficar sem resposta por uma questão de orgulho nacional.
A vingança iraniana levou mais de 10 dias a preparar e, agora, mais de 48 horas após as primeiras explosões em Israel, percebe-se porquê.
As autoridades iranianas precisavam de tempo para conseguir três objectivos: responder ao ataque em Damasco de forma a apaziguar a sede de vingança nacional; evitar uma escalada que levaria a uma guerra aberta devastadora, avisando mesmo os aliados de Israel e os países da região com 72 horas de antecedência; e, por fim, como testar as defesas israelitas para lhes encontrar vulnerabilidades.
Se os dois primeiros objectivos ficaram logo em evidência na madrugada de Sábado para Domingo, o terceiro só agora começa a emergir e não pelas vias oficiais, antes pelos canais de análise nas redes sociais e canais do YouTube.
E com uma novidade que não estava, de todo, no catalogo das expectativas mais ousadas: embora sem qualquer confirmação tanto de Teerão como de Telavive, entre as centenas de drones, misseis de cruzeiro e balísticos "normais", o Irão terá "escondido" alguns dos seus mais sofisticados projecteis, com tecnologia hipersónica, que furaram sem dificuldade as barreiras antiaéreas israelitas.
E terão sido, precisamente, esses misseis não totalmente secretos do Irão, porque Teerão já tinha, há meses, feito saber que estava a desenvolver, provavelmente com apoio russo e chinês, os seus grandes aliados, misseis hipersónicos, como o Fattah-2 (na imagem), que, tal como os existentes nos arsenais de Moscovo, como os Khinzal ou os Zircon, e de Pequim, com o DongFeng-17, não têm antídotos na parafernália antiaérea ocidental... por enquanto.
Com este ensaio, o Irão mostrou aos seus adversários, especialmente Israel, EUA e Reino Unido, que as suas bases e meios navais na região não estão seguros em caso de um conflito alargado, aumentando a capacidade de dissuasão em Israel para travar um ataque resposta de Telavive.
Alias, depois de horas em reunião, o Conselho Nacional de Defesa de Israel, acabou por emitir uma nota onde, apesar de prometer uma resposta ao Irão, reduz a intensidade retórica ao afirmar que tal ocorrerá no tempo e no modo a definir no futuro, o que, de alguma forma, corresponde às exigências também feitas pelos Estados Unidos, nada interessados numa escalada na região.
Mesmo quando ainda se estava na fase dos rumores de um ataque iminente do Irão, os EUA fizeram saber publicamente que estariam na primeira linha de apoio à defesa de Israel, como sucedeu, de facto, sendo sua a responsabilidade da neutralização de dezenas de misseis e drones, através dos seus meios navais e bases na região, mas que não dariam um passo para apoiar Telavive em qualquer operação de vingança contra o Irão.
A razão é simples e antiga. Com as eleições Presidenciais ao virar da esquina, já em Novembro próximo, a Administração Biden precisa de conter a impetuosidade belicista do actual Governo israelita de Benjamin Netanyhau, o mais radical e extremista de sempre, porque um conflito alargado poderia ser um desastre para a economia global devido à importância estratégica do petróleo e gás produzidos no Médio Oriente.
E, ao quer tudo indica, a eficácia das armas iranianas que atravessaram a firewall antiaérea israelita também está a mostrar que Israel terá mais a ganhar, para já, com uma reacção contida, até porque a "vingança" iraniana pelo ataque em Damasco (ver links em baixo nesta página) dificilmente poderia ser menos efusiva e menos letal.
Apenas foram visados alvos militares, o que em nada belisca a Lei Internacional no contexto de uma resposta ao ataque ao consulado da capital da Síria, e todos os países da região receberam um alerta 72 horas antes de forma a que, não só Israel estivesse preparado - aumentando o aperto da malha para o teste das suas armas 2.0 -, como os países vizinhos saberiam que não se tratava de um ataque aos seus territórios.
Todavia, e curiosamente, como lembrou o analista Tiago André Lopes na portuguesa CNN Portugal, Israel está a passar a sua acção para o palco das Nações Unidas, onde pediu que os membros do Conselho de Segurança condenassem vigorosamente o ataque iraniano quando é o mesmo país, Israel, que, há décadas, ignora as resoluções da Assembleia-Geral da ONU que condenam as suas acções criminosas na Palestina.
Como, alias, ignora totalmente a recente condenação do próprio Conselho de Segurança onde, pela primeira vez, os próprios Estados Unidos da América, não usaram o seu direito de veto para travar uma resolução de condenação de Israel face ao seu comportamento genocida em Gaza, como já foi, efectivamente, admitido pelo Tribunal de Justiça Internacional (TIJ).
Para os próximos dias, fica por perceber cabalmente que tipo de resposta vai ser dada por Israel e se essa resposta, que já está prometida, será de modo a lançar mais faíscas para o monte de pólvora que é o Médio Oriente por esta altura.
Alguns analistas, como o major-general Agostinho Costa, na portuguesa RTP3, Israel deverá limitar a sua resposta atacando grupos próximos do Irão na região, como o Hezbollah, no Líbano, ou as milícias xiitas na Síria, evitando lançar a sua aviação nunca longa aventura em território iraniano a milhares de quilómetros de distância.
Isto, porque, para atingir o Irão, os bombardeiros israelitas teriam de voar sobre o Mar Vermelho, o Mar Arábico e depois pelo Golfo Pérsico, porque os países que estão, geograficamente, entre Israel e Irão, Iraque, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, fecharam os seus espaços aéreos.
Entretanto, num sintoma de um regresso à "normalidade", Israel voltou esta segunda-feira a atacar Gaza, onde forma mortos mais cerca de duas dezenas de civis, aumentando, segundo a Al Jazeera, para 33.729 mortos, na sua maioria crianças e mulheres, 76.371 feridos em seis meses de operação israelita após o assalto do Hamas ao sul de Israel a 07 de Outubro de 2023, onde forma mortos cerca de 1.200 pessoas, a maior parte militares.