O Ministério da Saúde do enclave, controlado desde 2007 pelo Hamas, indicou que "dezenas de corpos de mártires, alguns em estado de decomposição, foram encontrados no complexo e nos arredores do hospital".

O exército de Israel retirou-se "depois de queimar os edifícios do complexo e colocá-lo completamente fora de serviço", lamentou o ministério.

"A extensão da destruição no interior do complexo e nos edifícios que o rodeiam é muito significativa", acrescentaram as autoridades, em comunicado.

A Lusa refere hoje que, de acordo com um jornalista da France-Presse (AFP) e testemunhas citadas pela agência de notícias, tanques e outros veículos do exército israelita deixaram esta manhã o complexo hospitalar, que tinham ocupado há duas semanas.

O jornalista da AFP disse que o exército israelita disparou granadas para cobrir a retirada dos tanques e deixou o bairro de Al-Rimal para se dirigir ao sudoeste da cidade de Gaza.

Um médico disse à AFP que mais de 20 corpos foram recuperados, alguns dos quais foram atropelados pelos veículos militares israelitas em retirada.

No domingo, o Ministério da Saúde de Gaza tinha tido que 400 pessoas morreram durante as duas semanas da operação militar do exército israelita no hospital Al-Shifa.

O exército de Israel mantinha há duas semanas uma operação militar dentro do hospital Al-Shifa, onde disse estar a "travar combates corpo a corpo" com combatentes do Hamas, numa operação que resultou na morte de cerca de 200 supostos combatentes e foram interrogados 800 suspeitos, dos quais 500 disse serem membros do Hamas e do movimento islamita da Jihad Islâmica na Palestina.

Os dois grupos são considerados terroristas por vários países, incluindo Israel, Estados Unidos e União Europeia.

As autoridades de Gaza disseram que dentro do hospital se encontravam 107 doentes "em condições desumanas, sem água, medicação, comida ou eletricidade", incluindo 30 pacientes com deficiência e cerca de 60 profissionais de saúde.

Destruição e morte...

Este quadro é ainda mais aterrador quando se sabe que os hospitais e os centros de apoio humanitário da ONU em Gaza são dos principais alvos das forças israelitas que invadiram o território, o que, a par do entrave à entrada de alimentos e medicamentos, entra na check list das Nações Unidas e do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) para definir este conflito como um genocídio.

E, numa clara demonstração de que em Israel não está a ser equacionada uma redução das atrocidades, uma unidade das IDF foi filmada - a Al Jazeera obteve essas imagens e divulgou-as - a abater a sangue-frio dois homens desarmados e com um deles a erguer um pedaço de tecido branco em sinal de rendição.

Os homens palestinianos, que não é evidente serem combatentes do Hamas, embora essa possibilidade não tenha sido afastada, depois de abatidos de forma selvática e sem qualquer justificação no âmbito das leis internacionais que "gerem" os conflitos, foram soterrados em escombros por buldozers.

Mas as atrocidades das forças israelitas parecem imparáveis e com indícios fortes de que não se trata de episódios circunstanciais mas sim um modo de conduzir esta guerra desenhado para obter esse efeito de terror sobre as populações e desafiar a comunidade internacional.

Os analistas, em geral, notam que este tipo de comportamento é encarado em Israel como um método de verificação da solidez dos seus aliados, e isso tem sido conseguido com algum sucesso.

Seja porque os EUA, apesar da retórica de Washington, e a Alemanha não cedem nesses laços inquebráveis, mantendo o apoio sem condições, como no resto do ocidente, quase sem excepção próximo do Estado hebreu, começam a surgir brechas robustas no apoio a Telavive, como é o caso da União Europeia enquanto organização.

Terror como estratégia

Outro exemplo da utilização do terror como estratégia, depois de ter ficado evidente que Israel está a usar a fome como arma de guerra, é que em meros cinco dias, 13 crianças foram abatidas a tiro apenas nas imediações do Hospital Al Shifa.

Além disso, naquilo que evidencia igualmente esse desenho para as operações das IDF em Gaza, os militares israelitas já mataram mais de uma centena de jornalistas no território, na sua maioria alvejados deliberadamente para impedir que a verdade saia para o mundo com a cumplicidade de norte-americanos e alguns dos seus mais indefectíveis aliados ocidentais.

Isso mesmo é evidente nas explicações dadas por Annelle Sheline, que abandonou a equipa de Joe Biden que no Departamento de Estado lida com as questões dos Direitos Humanos e Democracia.

"A razão fundamental para esta decisão foi eu não querer mais estar ligada a esta Administração", devido à forma como nunca deixou de apoiar com armas e dinheiro Israel, notando que não quer também que um dia a sua filha lhe pergunte como foi capaz de estar ao lado desta gente.

"A minha filha ainda não tem dois anos, mas se um dia no futuro ela se interessar por este momento da história e souber que eu tinha feito parte dela sem nada fazer no Departamento de Estado, e me fizer perguntas, eu quero poder dizer-lhe que fiz tudo o que me era possível fazer", adiantou ainda Sheline, de 38 anos, que é o segundo elemento da Administração Biden a demitir-se pelas mesmas razões.

E acrescentou, citada pelos media norte-americanos, que o Departamento de Estado (de Antony Blinken) "está claramente ciente de que Israel está a violar a Lei Internacional" e que a Administração Biden "está a violar a Lei dos EUA ao manter o envio de armas para Israel".

O mais radical de sempre

O governo israelita, liderado por Benjamin Netanyhau é o mais radical, ideológica e religiosamente, de sempre no país desde a sua fundação, em 1948, com alguns dos seus elementos a defenderem sem nada esconder o extermínio de palestinianos.

Um desses elementos é o actual ministro da Defesa, Yoav Gallant, que defendeu que os palestinianos não são humanos e devem ser abatidos, ou ainda o ministro das Finanças, igualmente radical, Bezalel Smotrich, que diz que toda a Palestina é terra israelita e os palestinianos devem ser expulsos para o mar.

Ou seja, Netanyhau constituiu o mais extremista gabinete israelita de sempre, levando para o seu Governo os mais radicais dos pequenos partidos sionistas e ultra-ortodoxos, que não reconhecem nem direitos nem qualidades humanas aos palestinianos e defendem sem rebuço a expansão dos colonatos para a Cisjordânia e para Gaza, expulsando ou submetendo à condição infra-humana a população palestiniana.

Gaza, recorde-se, ao contrário da Cisjordânia, onde vivem perto de seis milhões de pessoas e é um território ocupado por Israel mas gerido pela Autoridade Palestiniana, é governado pelo Hamas desde 2006 sem a ocupação concomitante de Israel.

Neste território "vivem" 2,3 milhões de pessoas comprimidas em escassos 365 kms, delimitados numa faixa de 40 kms de extensão por nove de largura, o que faz com que este seja um dos mais densamente povoados locais do Mundo, com mais de 6.000 habitantes por km2.

Genocídio em curso e aumentado

Conhecido há décadas como "prisão a céu aberto", essa designação resulta do facto de Gaza estar entalada entre o Mar Mediterrâneo a oeste, Israel a este e norte e pelo Egipto, a sul, estando totalmente dependente da boa vontade do mundo para sobreviver.

Ao fim de seis meses de invasão israelita, que foi, recorde-se, justificada pelo ataque do Hamas, pelo seu braço armado, as Brigadas Al Qasem, ao sul de Israel, deixando um rasto de morte e destruição, com mais de mil mortos, em Gaza já não existe qualquer sobejo de normalidade social e mais de 80% do seu edificado esta em escombros.

Mais de 2 milhões de pessoas vivem de ajuda humanitária que é escassa, de tal modo insuficiente que a fome é já vista como uma das mais letais armas de guerra em uso por Israel, vindo com a falta de alimentos, as doenças infecciosas oportunistas, que já matam tanto como as bombas e os misseis disparados pela artilharia e aviões norte-americanos fornecidos a Israel.

E, se não for travado o plano de Netanyhau, para invadir a cidade de Rafa, perto da fronteira com o Egipto, estes números serão largamente ultrapassados, porque é ali que se refugiaram mais de 1,5 milhões de pessoas empurradas do norte, maioritariamente da Cidade de Gaza, capita do território, pelas IDF que garantiram irem ali encontrar segurança.

O processo no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, despoletado pela África do Sul, onde Israel está acusado de genocídio, continua os seus tramites depois de uma primeira "sentença" onde o TIJ reconhece evidências desse que é o crime mais hediondo conhecido pela Humanidade.