Bassirou Diomaye Faye, de 44 anos, não é apenas o novo Presidente do Senegal, é muito mais que isso, porque não lhe basta mudar o jogo no seu país, promete "changer le jeu" também na África Ocidental, onde dominam as antigas colónias francesas da "FranceÁfrique".
Para isso vai tentar libertar o Senegal das garras do Franco CFA, a moeda adoptada pela maioria dos países da sub-região, manipulada pelo Tesouro francês e que limita grandemente quaisquer reformas económicas de cariz nacional nestes Estados.
O controlo que a França detém sobre esta moeda, primeiro ligando-a ao Franco francês e depois ao euro, dá à antiga potência colonial um extraordinário poder sobre as decisões dos governos, permitindo a Paris, como localmente se contesta, uma influência quase "colonial".
O jovem Presidente senegalês foi eleito a 25 de Março, numa das mais embrulhadas eleições neste país (ver links em baixo nesta página), que era, e é, tido como dos mais sólidos regimes democráticos em África, mas que vive há mais de um ano sob protestos mortais nas ruas das suas principais cidades.
Protestos esses que visavam tirar chão ao antigo Presidente, Macky Sall, nas suas tentativas variadas de manter as rédeas do poder de forma anticonstitucional, seja pela via do 3º mandato, seja pela extensão do seu mandato por decreto.
Morreram largas dezenas de pessoas, quase todos jovens que viam no partido de Bassirou Faye e Ousmane Sonko, que substituiu como candidato do Pastef porque este último também foi detido por clara perseguição política, para que Sall fosse obrigado a ceder e a realizar eleições.
Eleições estas que tiraram in-extremis o Senegal da beira do abismo mas que podem ser o primeiro passo de uma transformação radical do Senegal, cuja capital, Dacar, é vista como a "Paris da África Ocidental" e pode estar a dirigir-se para ser o centro da segunda libertação de África das garras do neocolonialismo.
Mas este desfecho e possível transformação radical do Senegal de pilar estrutural do braço colonial francês sobre a África Ocidental em estilete enfiado no neocolonialismo económico praticado por Paris há décadas, não é uma surpresa para quem estivesse mais atento.
Bastaria ouvir as declarações de Bassirou Faye, antes e durante a campanha, para perceber que o seu objectivo não seria nunca apenas Governar mas sim revolucionar o seu país e a sub-região, pelo menos, até porque se vê e se revê no universo do pan-africanismo.
E ele sabe do que fala, porque vem, profissionalmente, da área dos impostos, apostando quase todas as fichas na "reconquista da soberania económica e financeira do Senegal", o que, concomitantemente, levará a um reposicionamento geoestratégico.
E isto não é de somenos, porque o novo Presidente do Senegal, um país da costa atlântica da África Ocidental, com fronteiras com a Mauritânia, Mali, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau e Gâmbia, está consciente, como se pode depreender da leitura atenta dos media senegaleses, que vai ter de enfrentar não só o poder de Paris como o dos seus aliados ocidentais.
O que vai fazer este pan-africanista que, na forma como fala e se expressa, mesmo com a actualização dos temas aos tempos, faz lembrar o antigo líder burquinense Thomas Sankara, com quem partilha a vontade de limpar o seu país do veneno da corrupção e a libertação do braço ocidental-colonial?
Como notam alguns analistas do seu país, o desafio é tremendo, mas não se pode ignorar que em Paris, e no ocidente em geral, se tem bem presente que vai ser preciso sensibilidade para lidar com este jovem e determinado líder de um país normal que geograficamente está de mãos dadas com a complexa geografia golpista-militar pró-russa do Sahel.
Isto, porque o contexto regional, com países vizinhos como o Mali, o Burquina Faso, o Níger, ou a Guiné-Conacri, a romperem, para já com sucesso, com as antigas grilhetas da "FranceAfrique" e ocidentais, pode levar o Senegal a enveredar por essa via mais extremista e radical se a pressão for igualmente extrema e radical.
Mas esse cenário será, no mínimo, complexo de evitar quando Bassirou Diomaye Faye avançar com as medidas inerentes à libertação das amarras do Franco CFA, por exemplo.
Ou quando iniciar a limpeza da estrutura administrativa do Estado dos "agentes" de Paris, como prometeu fazer, lembrando que há africanos que se deixam comprar por bagatelas como pertencer a clubes frequentados pelas elites europeias, entre outros exemplos.
E esse compromisso, Faye está obrigado a cumprir, ou pelo menos a tentar, porque é isso que sabe que a imensa juventude senegalesa, largamente a maior parte população do país, perto de 17 milhões de habitantes, lhe vai continuar a cobrar como contrapartida pela Presidência.
Este jovem Presidente, que ganhou, surpreendentemente à 1ª volta, mesmo não sendo, na origem, a primeira escolha do seu partido, tem tudo para ser um fenómeno africano de magnitude que só quem souber ler nas estrelas o poderá dimensionar.
Isto, porque, além do romantismo inerente ao seu pan-africanismo e à sua juventude, e ao seu discurso fácil e fluído, tanto em francês como em inglês, além das línguas nacionais, emerge de um caldo político-económico onde a população está, mais que nunca, disponível para tentar fórmulas alternativas para lutar contra a pobreza e o desemprego.
E é isso mesmo que tem pela frente no Senegal, uma crise financeira histórica em ausência de precedentes, um desemprego jovem que queima as estatísticas, ao mesmo tempo que este é o país da imensa sub-região com os mais elevados índices de alfabetismo e escolarização universitária.
E foi, e ainda é, um dos países africanos de onde saíram as primeiras vagas de imigrantes clandestinos via marítima em pirogas insubmissas levado centenas de jovens em direcção às Canárias com os olhos postos em Paris e Barcelona mas muitos deles enterrados na imensa indiferença atlântica com a miséria africana.
Este caldo, onde se misturam a juventude, a escolarização elevada para os padrões africanos, a miséria e o desemprego, dão a Faye toda a matéria-prima que precisa para tentar as suas soluções alternativas para combater o flagelo social da corrupção, desemprego e desesperança.
Para já, não é apenas Paris que deita as mãos à cabeça, com o risco de Dacar ser a nova Bamako ou Ouagadougou ou Niamey, são também as elites do seu país que se contorcem na cadeira com a perspectiva de verem o tabuleiro do "seu" xadrez" virado ao contrário, acabado com as velhas negociatas, especialmente as ligadas ao sector do gás e do petróleo.
Sector que encerra outra das suas grandes apostas, que é fazer exactamente o contrário do seu predecessor, Macky Sall, que privilegiou, sem rebuço, os interesses externos e dos grandes capitalistas internos, ao invés de usar este potencial para desenvolver uma indústria local e nacional.
Outra realidade que deve ser alterada de imediato é a libertação das dezenas de políticos, elementos da sociedade civil e jornalistas que foram detidos no mandato de Macky Sall, desvitalizando em grande medida a vibrante democracia senegalesa.
Como vai Bassirou Faye cozinhar a sua reverberante vontade de mudar e fazer com a real politique, as pressões, de dentro e de fora, com a viçosa gritaria que lhe chega aos ouvidos a partir das ruas clamando por "revolução"? ver-se-á nos próximos meses...