Agora, imagine um grupo de pastores que partilham um terreno fértil. Cada um quer maximizar o número de vacas que pode pastar no local, sem considerar que, se todos agirem da mesma forma, a erva desaparece e todos acabam na miséria. Substitua as vacas por interesses políticos e económicos, o pasto pela capacidade de endividamento do País e os pastores pela Equipa Económica (EE). O resultado? Um sistema em que a lógica individual de sobrevivência política aniquila qualquer possibilidade de sustentabilidade das finanças públicas.
Ora vejamos,
No âmbito do Plano Anual de Endividamento (PAE) para 2025, o Executivo do Presidente João Lourenço prevê um desembolso de 13,2 biliões de kwanzas (aproximadamente 13,53 mil milhões de Dólares) em serviço da dívida. Paralelamente, estima captar 14,6 biliões de kwanzas (14,93 mil milhões de Dólares) em financiamento interno e externo. Com base nestes fluxos, o Ministério das Finanças (MINFIN) projecta que o stock da dívida, ao final do exercício de 2025, se fixará em 57,4 biliões de kwanzas (58,61 mil milhões de Dólares), correspondendo a 63% do Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, aqui, surge uma incoerência técnica significativa: os fluxos apresentados conduzem, na realidade, a um stock da dívida de 61,2 biliões de kwanzas, reflectindo um aumento de 6,6% face à estimativa oficial do MINFIN. Esta discrepância, longe de ser um mero detalhe contabilístico, tem um impacto material na avaliação da sustentabilidade da dívida e nas projecções orçamentais do País. Assim, impõe-se um esclarecimento sobre esta diferença, de forma a garantir transparência e rigor na gestão da política de endividamento público.
A captação de financiamento interno será realizada principalmente por meio da emissão de Obrigações do Tesouro (OTs), distribuídas entre operações de leilões em moeda nacional e moeda estrangeira, totalizando 5,3 mil milhões de Dólares. Esse montante inclui operações para a capitalização das instituições públicas, e operações para a regularização de atrasados. Prevê a captação de crédito interno através de contrato mútuo no valor de 2 mil milhões de Dólares. No que tange à captação externa, a estratégia prioriza financiamentos concessionais, bem como a diversificação das fontes de recursos. O PAE prevê a captação de 7,7 mil milhões de Dólares, dos quais 1,5 mil milhões será obtido por meio da emissão de Eurobonds, que serão utilizados como garantia em uma transacção com o JP Morgan. Além disso, estão previstos desembolsos de 4,5 mil milhões de Dólares oriundos de linhas de crédito destinadas a projectos, com base em acordos bilaterais e multilaterais.
É relevante destacar que a EE tem conseguido uma trajectória descendente no stock da dívida pública. Em 2019, o montante total da dívida situava-se em 72,4 mil milhões de Dólares, mantendo-se praticamente constante até 2022. Nos últimos dois anos, registou-se uma redução significativa, atingindo 62,2 mil milhões de Dólares em 2024, um desempenho notável que merece reconhecimento. Contudo, causa perplexidade o facto de que, para 2025, o PAE projecte uma inversão desta tendência, prevendo um endividamento líquido positivo de 6,18 mil milhões de Dólares. Esta mudança de direcção levanta preocupações quanto à sustentabilidade da dívida e à coerência da política de consolidação fiscal até agora implementada.
O PAE apresenta uma abordagem bem estruturada, centrada na optimização do perfil da dívida e na captação de recursos a médio e longo prazos. No entanto, subsistem riscos significativos, nomeadamente a volatilidade cambial, a dependência excessiva do sector petrolífero e a instabilidade nos mercados de capitais. Dado que uma parcela substancial da dívida pública se encontra denominada em moeda estrangeira, qualquer depreciação do Kwanza resultará num aumento expressivo do custo do serviço da dívida em moeda nacional. Este cenário é altamente provável, uma vez que as pressões sobre o mercado cambial deverão persistir, impulsionadas pela procura contínua de divisas por parte das famílias e empresas para importação de bens e serviços essenciais ao funcionamento da economia. Adicionalmente, o risco de que receita petrolífera fique abaixo das previsões do Orçamento Geral do Estado (OGE) não pode ser desconsiderado, sobretudo face às dinâmicas geopolíticas internacionais. Em particular, a recente declaração de emergência energética pela administração de Donald Trump, nos Estados Unidos da América, poderá intensificar a queda do preço do petróleo bruto, reduzindo as receitas do País e agravando as dificuldades no acesso às divisas. Perante este contexto, Angola poderá enfrentar novos desafios na gestão da sua posição externa e na sustentabilidade das finanças públicas.
A proporção do serviço da dívida em relação à receita fiscal continua em patamares alarmantes, fixando-se nos 67%, uma verdadeira prova da asfixia orçamental imposta pelos encargos financeiros sobre o OGE. Por exemplo, o serviço da dívida externa consome 85% das receitas petrolíferas, enquanto o serviço da dívida interna absorve 67% das receitas não-petrolíferas, deixando o Estado numa posição orçamental digna de um malabarista financeiro sem rede de segurança. Para piorar, os encargos com juros representam 22% da receita total, tornando a despesa pública ainda mais rígida e reduzindo a capacidade de resposta a eventuais choques macro-económicos.
Mas não nos preocupemos, porque há um "plano"! Afinal, o discurso oficial insiste no alargamento da maturidade da carteira da dívida pública. No entanto, a realidade é menos poética: o financiamento interno tem uma maturidade média de apenas 3 anos, enquanto a dívida externa se estende por uma média de 9 anos. Ora, se a intenção fosse realmente aliviar a pressão do serviço da dívida, por que razão se insiste num endividamento interno tão expressivo, concentrando os vencimentos no curto prazo? Meus camaradas, a bota não bate com a perdigota! E, como se não bastasse, continuamos a assistir, impávidos e serenos, a esta engenharia orçamental que desafia a lógica e a sustentabilidade. Pasme-se!
Podemos concluir que a sustentabilidade das finanças públicas permanece frágil, fortemente condicionada pela volatilidade das receitas petrolíferas e pela capacidade do País em aceder ao financiamento em condições favoráveis. A dívida pública exerce uma pressão asfixiante sobre a tesouraria do Estado, restringindo severamente o espaço fiscal necessário para a implementação de uma política económica e social estruturante. Esta limitação compromete a viabilidade de uma estratégia verdadeiramente transformadora, que impulsione o crescimento económico, a criação de emprego, a redução da pobreza e a mitigação das desigualdades.
De volta à Tragédia dos Comuns
A dívida pública angolana, historicamente impulsionada pelo apetite insaciável por financiamento e pela crença quase mística de que o petróleo é uma fonte inesgotável de riqueza, exemplifica esta dinâmica. Durante os últimos 20 anos, o Executivo alimentou-se dos seus projectos, alguns grandiosos e outros mais opacos, recorrendo a empréstimos sem grande preocupação com o "pasto" da responsabilidade fiscal. Afinal, quando se trata de gastar dinheiro emprestado, a racionalidade colectiva nunca foi o ponto forte da humanidade. Esquecem-se de que o dinheiro não é público, e, sim, dinheiro DO Público!
Mas a Tragédia dos Comuns não se manifesta apenas no lado da governação. Os credores - bancos, fundos e intermediários financeiros - são igualmente pastores neste campo. Movidos pela lógica da maximização dos seus próprios lucros, continuam a oferecer crédito a um país cuja sustentabilidade das finanças públicas levanta mais bandeiras vermelhas do que um comício político. O ciclo vicioso está formado: Angola precisa de mais dinheiro para pagar os empréstimos antigos e os credores, conscientes do risco, cobram juros cada vez mais altos, o que agrava ainda mais a situação.
Aqui, surge uma ironia filosófica digna de reflexão: num sistema onde todos maximizam os seus próprios interesses, ninguém ganha. O Executivo sobrecarrega o futuro com dívida insustentável, o povo carrega o fardo da austeridade, e os credores acabam por perder quando a capacidade de pagamento do País se esgota. É a tragédia levada ao seu ápice - um jogo onde todos jogam, mas ninguém vence.
Para que Angola escape desta lógica destrutiva, seria necessário um modelo de gestão das finanças públicas e, consequentemente, da dívida baseado em regras rígidas, transparência e uma visão de médio e longo prazo. No entanto, como já dizia Thomas Hobbes, "o homem é o lobo do homem". Quando há acesso irrestrito a um recurso comum, a tentação de explorá-lo até ao esgotamento raramente encontra resistência. Resta saber se, no caso da dívida pública angolana, os pastores se darão conta de que a relva está a desaparecer ou se continuarão a alimentar os seus rebanhos até que tudo o que reste seja um deserto de falência e recessão. Até lá, a Tragédia dos Comuns continua, disfarçada de planos de desenvolvimento, empréstimos estratégicos e discursos políticos que garantem que, desta vez, tudo será diferente.
*Economista
*Professor Auxiliar de Economia e Investigador Business and Economic School - ISG
Bibliografia
• Plano Anual de Endividamento para 2025, Ministério das Finanças, Janeiro de 2025.