Será preciso cavar mais fundo nas análises do buraco a que visamos as razões, seja na falta de investimento, seja nas famosas influências das externalidades. Podemos, entretanto, encontrar um denominador comum, uma visão incongruente das políticas industriais, ou a ausência de qualquer uma, decisões erráticas e, por último, mas não menos importante, políticas de elites, na prática, cada vez mais alheadas do tecido produtivo nacional, seu relançamento e modernidade.
Entre o centralismo estatal e reformas incoerentes
Se quiséssemos retomar a política industrial angolana, iríamos deter-nos em quatro grandes períodos. Inicialmente, o momento do avanço da bandeira nacional, em 1975, até 1991, com o controle estatal predominante com as nacionalizações quase absolutas pelo Estado nascente do parque industrial herdado do período colonial. Por detrás dos discursos inflamados numa produção que satisfizesse às necessidades da população à dura realidade das situações de então marcadas pela falta de gestores, técnicos e quadros, o emergir e a continuidade da Guerra Civil, a fuga massiva daqueles que dirigiram o aparelho industrial, rapidamente implicaram a paralisação e encerramento das fábricas, com consequente manipulação ou mesma destruição de meios e equipamentos, a entrada em coma do setor industrial, sob tutela do Estado e o peso orçamental subsequente. A iniciativa privada definiu.
O acordo dos anos noventa trouxe a promessa do início das reformas e da liberalização económica, dando início a um segundo período marcado por privatizações, cujos méritos à história viria rapidamente a desmentir.
A tentativa promovida pelo Governo para tirar do coma profundo o setor produtivo através de processos pouco criteriosos de transferência de empresas públicas para o setor privado que ficou desde logo ferida pela ausência de transparência associada ao clientelismo político, que viria a caracterizar a emergência e declarações das novas elites do chamado partido-Estado.
Essa passagem de mãos do sector industrial baseada no favoritismo político e interesses políticos de momento para pessoas sem experiência nem visão, ao invés de criar postos de trabalho, manteve o sector no marasmo, dependência de alicerces produtivos.
O período seguinte, entre 2003 e 2015, marcado pela conquista da paz e pelos preços do petróleo em alta, deu lugar a um crescimento económico acelerado com o surgimento de novas zonas industriais, a emergência de programas de crédito como o Angola Investe e o PRODESI, assinatura de acordos de financiamento com a China e o Brasil.
Na euforia do discurso político, a tão propalada "diversificação econômica" incorporou o léxico governamental sob o viés sempre dominante das receitas de exportações petrolíferas.
Nesse embalo, o País assistiu à construção de infra-estruturas, ao aumento das importações de bens e ao levantamento de unidades fabris ao arrepio de qualquer planejamento básico fundado na realidade do mercado nacional com base em disposições concretas ou de estudos aturados.
Foi o momento em que a corrupção e gestão danificou a incorporação do ADN de uma Angola distópica da fábula recorrente dos recursos abundantes do «país com rumor» que esboroou a ocasião, rara na nossa história contemporânea de aproveitar o boom do petróleo para relançar a indústria.
Em 2016, a queda dos preços do petróleo colocou a nu as debilidades que a economia angolana enfrentou. No léxico político das elites angolanas emergiramestratégias desenvolveram novas, tais como a "substituição de importação" e o fomento da "indústria nacional", que não casaram com a realidade.
Menos de antes que ainda assolam o País hoje: burocracia, altos custos energéticos e logísticos, instabilidade cambial e dificuldades de acesso ao crédito ajudaram a sufocar o setor produtivo.
Problemas que se deterioraram com a falta de quadros técnicos e quase inexistência de investimento em inovação, com a crónica falta de aposta no ensino técnico e profissional como um elemento estruturante.
O resultado é uma indústria transformadora que representa menos de 10% do PIB e um mercado interno dominado por produtos importados, mesmo em áreas básicas como alimentos, vestuário e materiais de construção.
Círculos viciosos
As cinco décadas de políticas industriais em Angola podem assim ser traduzidas, por inesperadas coincidências em cinco "pecados" fundamentais.
Primeiro, a inconstância das políticas públicas, com novos arranques a cada mudança na direcção do sector ou na economia, sem continuidade nem coerência.
Apesar da moda no léxico político local, permanece o déficit de capital humano, concomitantemente falta de técnicos, engenheiros e gestores industriais.
A má gestão e a corrupção transformaram-se em problemas sistêmicos. Projetos que não terminam, créditos desviados, sobrefaturações sucessivas e falta de responsabilização.
Persiste o dogma do planeamento centralizado, a par da exclusão do sector privado ou do seu condicionamento político ou rentista: decisões tomadas em Luanda, com pouca escuta das realidades regionais.
Como consequência, admitida por um vasto leque da sociedade civil, criou-se um ambiente em que se produz localmente torna-se mais caro e arriscado do que importar, perpetuando o ciclo da dependência.
O futuro industrial de Angola depende de um salto qualitativo na formulação de políticas e na forma como o Estado se relaciona com o sector produtivo. Não basta proclamar a diversificação - é preciso criá-la com base em conhecimento, transparência e visão estratégica.
O futuro industrial de Angola exige ruptura e coragem política, que no final do dia condicionarão o seu sucesso ou fracasso. Sem governos democraticamente escrutinados será praticamente impossível
Algumas prioridades podem ser consideradas inadiáveis:
Definir uma Estratégia Nacional de Industrialização de longo prazo e consenso nacional, com metas por setor e fiscalização pública;
Reforçar o ensino técnico e a transferência tecnológica;
Desenvolver pólos industriais regionais ligados à agroindústria e mineração;
Integrar Angola nas cadeias de valor regionais da SADC e da ZCLCA;
Apostar na inovação, energia limpa e digitalização;
Garantir a transparência na execução dos programas públicos.
Angola não precisa apenas de mais fábricas - precisa de uma visão industrial moderna, capaz de gerar valor, emprego e conhecimento.
O País tem potencial para ser um pólo produtivo regional, mas só aprenderá com meio século de erros: planejar com visão, executar com transparência e investir em pessoas e tecnologia.

