Segundo o acordo, o Ruanda iria acolher os imigrantes irregulares que fossem interceptados pelas autoridades britânicas ao tentarem atravessar o Canal da Mancha em embarcações precárias ou de outra forma. Como se sabem este é um problema recorrente na região, com um aumento significativo no número de pessoas arriscando suas vidas em busca de uma vida melhor no Reino Unido.

Dentro do Reino Unido as opiniões divergem, porque há quem defenda que o acordo é necessário para controlar a imigração irregular e proteger as fronteiras do país. Por sua vez, os críticos desta medida apontam que enviar os imigrantes para o Ruanda, um país com seus próprios desafios e problemas, não era a solução mais adequada. Além disso, e a acrescentar, haveria preocupações quanto à segurança e bem-estar dos imigrantes deportados - leia-se, "expatriados" -, face às relatadas condições precárias e violações de direitos humanos que, segundo estes críticos, ocorrem no Ruanda, colocando, por isso, em causa a credibilidade de Ruanda como possível país de acolhimento.

Acresce que, também, os tribunais britânicos apresentaram várias razões para não considerarem legais este acordo com o Ruanda, invocando que:
1. Existência de risco de violação dos direitos humanos: os tribunais britânicos argumentaram que existia um risco substancial de violação dos direitos humanos dos imigrantes clandestinos se fossem deportados para o Ruanda, onde poderiam enfrentar condições desumanas e tratamento desumano;
2. Falta de garantias de um julgamento justo: os tribunais britânicos também apontaram a falta de garantias de um julgamento justo no sistema judicial do Ruanda, o que poderia resultar em uma extradição injusta e não equitativa dos imigrantes clandestinos;
3. Risco de perseguição política: Além disso, os tribunais britânicos levantaram preocupações sobre a possibilidade de os imigrantes clandestinos serem alvos de perseguição política no Ruanda, o que poderia comprometer sua segurança e bem-estar;

Em resumo, os tribunais britânicos concluíram que os acordos de extradição para o Ruanda - foram assinados, até agora, 2 acordos, o último em Dezembro de 2023 - e não atendiam aos padrões legais e éticos exigidos pela legislação internacional e pelos princípios de direitos humanos, e, portanto, foram considerados inválidos.
Face a este impasse, o governo britânico precisa encontrar uma solução alternativa para lidar com a questão destes imigrantes clandestinos.
Dado que, parece ser vontade inequívoca do governo de "Sua Majestade" não acolher os imigrantes irregulares dentro das suas fronteiras, provavelmente, o governo começa a considerar outras alternativas, como negociar acordos com outros países para a repatriação destes imigrantes irregulares, fortalecer mais políticas restritivas de imigração e as fronteiras para impedir a entrada de mais imigrantes clandestinos, ou investir em programas de integração para aqueles que já estão no país, o que não parece estar nas cogitações do Governo britânico.
Parece ser clara e inequívoca que a vontade do número 10 de Downing Street (Londres) é "correr" com os imigrantes clandestinos das terras britânicas.

Como proceder este intento sem colocar em causa problemas éticos e humanitários que levem a uma solução justa e humanitária para lidar com a questão dos imigrantes ilegais, respeitando os direitos humanos e garantindo a segurança e o bem-estar de todos os envolvidos?
Parecem ser várias as opções que se deparam ao governo britânico, desde que, nenhuma delas seja manter os imigrantes irregulares dentro das suas fronteiras. Uma delas, passaria pelo governo britânico trabalhar em parceria com organização internacionais e autoridades locais para lidar de forma eficaz com essa questão complexa e sensível, mas... não entro das fronteiras britânicas...

Ora, parece que começa a estar em cima da mesa do actual primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak - de notar que o primeiro acordo ocorreu no Governo de Boris Johnson e destes acordos os britânicos já terão entregado a Kigali cerca de 164 milhões de euros, em que algum imigrante clandestino tenha sido deportado -, a necessidade de procurar alternativas.
Uma das alternativas que está a ser posta em consideração é a tentar celebrar acordos semelhantes com outros países, ainda que, no entanto, o sucesso destes possíveis acordos ser incerto, uma vez que são muitos países enfrentam os seus próprios desafios em lidar com a imigração irregular ou clandestina, interna e externa.

Mas isto parece não demover a vontade de Sunak - também ele, descendente de emigrantes indo-africanos (mas não clandestinos, ressalve-se) - que está a derivar as suas vontades para a celebração de acordo com países como, entre outros, Serra Leoa, Costa do Marfim (Côte d"Ivoire), Marrocos, Namíbia ou Botswana ou, pasme-se, com Angola ou Cabo Verde.
Como se estes países, por razões diferentes, já não tivessem problemas sociais internos suficientes para não serem viáveis ou não terem condições para a celebração de um acordo de deportação de migrantes irregulares.

No caso concreto de Angola e Cabo Verde - este além de ser um país de imigração, em que esta é, numericamente, superior à local - há um factor que, desde logo condiciona, historicamente, esse acordo: ambos foram países que já acolheram no seu seio "deportados" em "campos de trabalho e recepção", na realidade, campos de concentração: em Angola, na província do Namibe, foi o campo de São Nicolau; em Cabo Verde, é recordado os desgraçados que passaram pelo campo de Tarrafal. Ora, por certo que nem Angola, nem Cabo Verde querem novo "campos".

Assim, ao governo britânico, continua a restar poucas alternativas para conter a entrada de migração clandestina.
Ou celebra acordos com os países "exportadores" desses imigrantes clandestinos e. simultaneamente, recuperam os acordos que a Europa teve com Kadhafi e mantém com Erdogan, ou não lhe resta mais que, repito, investir em medidas de prevenção da imigração ilegal, tais como o reforço das fronteiras e a ampliação dos recursos para combater o tráfico de seres humanos.

Paralelamente e extrapolando a problemática britânica, acresce, ser essencial abordar as causas subjacentes à imigração clandestina, tais como a pobreza, o conflito e a instabilidade política em muitos países de origem dos migrantes. A cooperação internacional e a assistência ao desenvolvimento são fundamentais para abordar estas questões e ajudar a criar condições para que os migrantes possam permanecer nos seus países de origem de forma segura e sustentável.

Em última análise, a repatriação de imigrantes clandestinos é um desafio global que requer uma abordagem coordenada e colaborativa entre os países de origem, trânsito e destino, não esquecendo, nunca, que é importante lembrar que os imigrantes clandestinos são seres humanos que merecem respeito e dignidade, independentemente do seu estatuto legal. É fundamental que qualquer esforço para lidar com este tipo de migração seja conduzido de forma justa, transparente e respeitando os direitos humanos dos migrantes. A cooperação internacional é essencial para abordar este desafio de forma humana, eficaz e sustentável.

O fracasso do acordo entre o Reino Unido e Ruanda destaca a complexidade deste desafio e a necessidade de abordá-lo de forma abrangente e eficaz.
Não é querer "exportar" imigrantes clandestinos detidos em seus territórios, que os países mais desenvolvidos receptores conseguirão estancar este cancro que, não poucas vezes e já referido, tem por detrás o tráfico de pessoas, muitas vezes, com a complacência de autoridades dos países "remetentes" e, ou, de países de "passagem".

A imigração clandestina não deve- não pode - ser vista como um "pacote", um fardo dispensável, para ser reexportado. São seres humanos que têm de serem devida e socialmente acompanhados e percebidas as razões a montante para que a imigração clandestina ocorra! E esta devia ser a primeira alternativa que os países receptores deveriam estudar.n

*Investigador Colaborador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Pós-Doutorado da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto

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