"Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio dia"
"Adeus à hora da largada
"(Agostinho Neto)
Justamente no ano da proclamação da nossa independência, poucos meses antes do dia 11 de novembro, Agostinho Neto concedeu uma entrevista ao prestigiado jornal desportivo português A Bola, na qual, num dado momento, disse que caso os filhos de Angola beneficiassem, tal como a elite dominante, de três refeições diárias, muitos campeões nasceriam no País, deixando, deste modo, expressa a sua particular sensibilidade e atenção para aquilo que representa, de um ponto vista social, o fenómeno desportivo.
No percurso de vida do Presidente Neto, nascido a 17 de Setembro de 1922, não há grandes referências de um passado ligado à prática das artes desportivas, sendo sim, reconhecidamente, um homem de letras nada dedicado aos "trumunus" dominicais realizados pela Missão da Igreja Metodista em Luanda, todavia, enquanto um dos líderes do processo revolucionário em busca da liberdade se revelou absolutamente sagaz na compreensão do papel especialmente relevante do fenómeno desportivo no objectivo estratégico da criação do "homem novo" do País que emergia das trevas do longo jugo colonial.
Foi com base na sua sábia percepção sobre o papel social do desporto que, uma vez investido no cargo de Presidente da República Popular de Angola, Agostinho Neto se empenhou num árduo processo de atracção de vários quadros desportistas angolanos residentes em Portugal, muitos deles seus contemporâneos nas tertúlias e conversas prolongadas, para o necessário regresso a Angola, um País na altura absolutamente carente de quadros após a debandada geral que se seguiu após a proclamação da independência e do prolongado conflito armado que se seguiu.
Figuras como José Eduardo dos Santos, António França "Ndalu" e Eduardo dos Santos Macedo foram superiormente incentivadas para que redinamizassem a prática desportiva, ainda que num contexto e guerra, estando o País sujeito a uma invasão por terra, mar e ar por parte do exército do regime racista do Aphartheid da África do Sul, resultando da implementação deste trabalho a criação dos comités de reestruturação e comissões instaladoras num primeiro momento e, posteriormente, a institucionalização das várias federações nacionais das mais diversas modalidades.
O desporto foi encarado pelo Presidente Neto como uma das primeiras prioridades do seu Governo, logo após o seu empossamento e início de funções no dia 14 de Novembro de 1975, tanto é assim que, mesmo tendo estado impregnado por todos os cantos e recantos deste País, o cheiro de pólvora das sangrentas batalhas travadas, o "Desporto para Todos" foi assumido como uma divisa importantíssima e absolutamente central na construção do País nascente, e a sua implementação nos meses imediatamente a seguir proporcionou uma meteórica massificação desportiva, deixando de ser uma prática reservada e exclusiva das elites dominantes, como se verificava no tempo colonial.
O ano 1976 é particularmente marcante para o desporto angolano, pois foram precisamente nessa altura, decorridos cerca de quatro meses após a proclamação da Independência Nacional, em Fevereiro, em que foram realizadas as "Jornadas de Solidariedade Anti-Imperialistas", um conjunto de eventos desportivos que contou com a participação de países aliados como Moçambique, Congo - Brazaville, Cuba e Nigéria. Foi nesta ocasião que se constituiu a primeira Selecção Nacional, no caso a honra coube à modalidade de basquetebol.
Outro acontecimento especialmente relevante ocorrido no ano 1976 foi a institucionalização e a criação das diversas selecções nacionais, um processo que contou com total engajamento e acompanhamento por parte do Presidente da República, na altura Agostinho Neto.
Ainda há poucos dias celebrámos mais um aniversário da primeira grande vitória do basquetebol angolano, "a mãe de todas as vitórias", que foi a conquista do Campeonato Africano de Juniores em 1980, na catedral do nosso desporto, a Cidadela Desportiva, sendo que a história regista que foi por decisão do Presidente Neto, entretanto falecido um ano antes da vitória, que o País apresentou a sua candidatura para o acolhimento da referida competição.
Dito isto e pesquisas feitas, fica claro que ainda há muito mais por se dizer sobre o pensamento e sobre as acções protagonizadas por Agostinho Neto que impactaram naquilo que é hoje o desporto angolano e o seu significado e papel na nossa sociedade.
Não há dúvidas de que Agostinho Neto, não obstante ter tido um mandato de exercício presidencial curto, deixou bem vincadas as suas impressões digitais na história desportiva nacional, sendo de destacar e reiterar por mim o caminho orientador por si apontado : "Para termos campeões, é fundamental que os angolanos possam ter a possibilidade de fazer três refeições por dia".
*Presidente do Clube Escola Desportiva Formigas do Cazenga