O actual processo também segue um guião e uma agenda mediática, anunciando que se recuperou aquilo que não pode ou ainda não está recuperado. Já se está a ficar ou a distribuir casas e viaturas apreendidas sem uma sentença transitada em julgado. A estratégia inicial devia ser a de negociar. O problema foi a génese do processo que foi totalmente errada. Muitos processos foram baseados na raiva, no ódio, na intolerância e na mania de perseguição. A estratégia tinha de partir do negocial para o judicial. Volvidos seis anos desde a criação do Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA), qual é o ponto de situação dos activos recuperados? Hoje percebe-se de que, em muitos casos, não houve entrega voluntária de património e que as pessoas foram coagidas e forçadas a dar aquilo que tinham e até mesmo o que não tinham. Mas quem é que vendeu esta ideia ao Presidente João Lourenço de que teria de ser assim? No fim do actual mandato, em 2027, vamos ter vários pedidos de indemnização contra o Estado angolano por parte destas pessoas que hoje estão a ser visadas ou prejudicadas. Em muitos casos, já se começa a perceber que há uma estratégia pessoal de actuação e que muitos actores não estão a agir no interesse do Estado e em prol de agenda de grupos.
O anúncio da redefinição da estratégia de actuação do SENRA não foi em vão e surge acompanhado de uma necessidade de se obterem resultados sólidos, transparentes e de buscar estabilidade institucional. O Estado não tinha a necessidade de recuperar activos para a sua esfera e, para além de negociar mal, só vem provar que é um mau gestor. Olhem para o caso da UNITEL? Era uma das maiores e melhores empresas privadas do País, uma das empresas com as melhores condições de trabalho e melhores salários para os seus trabalhadores. E hoje como está?
Com um serviço a cair de qualidade a cada dia, todos nós sentimos as dificuldades nas nossas comunicações e nos queixamos diariamente da qualidade do sinal. Internamente, na UNITEL, os níveis de motivação dos funcionários já não são o mesmo e a sua carteira de clientes já não regista o crescimento dos outros tempos. A rede de supermercados Kero é outro exemplo. Retirou-se a quem tinha noção da coisa e sabia da gestão; sabia trazer resultados e gerar empregos para entregar a cidadãos estrangeiros (nada contra os estrangeiros) e que tornaram aquilo numa espécie de cantinas grandes.
No Processo n.º 105/84, nomes de kamanguistas (comerciantes de diamantes) como Farrobilha Guedes, Zeca Sibéria, Tony Cafunfo, Paulo Stop, Armindo Silva, Alberto de Mena e outros tornaram-se famosos. Os juízes e investigadores mais do que fazer justiça tinham uma preocupação em apreender os bens deles. Cometeram-se abusos e excessos, até que o nome do então Presidente José Eduardo dos Santos também surgiu num "expediente operativo" e aí o processo sofreu a tal reviravolta que descrevo nesta edição.
Os acusadores passaram para a condição de acusados, e muita coisa veio ao de cima. Mas certo é que os bens que foram retirados à maior parte dos kamanguistas jamais foram recuperados. E até hoje há quem diga que este Processo 105/84 não teve só motivações políticas ou de penalizar crimes contra a economia nacional.
O processo terá tido algumas das mesmas motivações do combate à corrupção a que temos assistido, com um Serviço Nacional de Activos (SENRA) nas vestes de uma DISA renovada ou do MINSE (Ministério da Segurança do Estado), que actuou na altura do processo contra os kamanguistas. Quarenta anos depois, estamos a ver muitas semelhanças no "modus operandi" e nas motivações. Como diziam as nossas mães: "Não há febre sem calor".