Entretanto, antes da passagem do Trono, o Rei certificara-se de que o príncipe-herdeiro-político era seu indefectível apoiante, um louvador de sua Majestade.

O herdeiro louvava a clarividência do Rei, a sua capacidade para salvar não só o seu território mas também outros reinos além-fronteiras e exaltava o seu inquestionável amor ao Reino e aos seus súbditos.

O Rei absolutista, com o cognome de "O Incontestável", tinha tantos, tantos poderes que dele dependia o oxigénio para os súbditos respirarem.

Esse poder, que hipnotizava quase todos, era reconhecido inclusive por uma parte do clero que o proclamara como o único "Escolhido por Deus" para governar o Reino.

Apesar disso, alguns súbitos corajosos gritavam: "o Rei vai nu", mas a nobreza e o clero insultavam e apelidavam tais corajosos de "inimigos da Santa Paz".

Preocupado com a imagem externa do seu reinado, o Incontestável, reprimia manifestações contra si e controlava a nobreza e, até, os opositores políticos.

Ao escolher sozinho o seu sucessor, sem ouvir sequer a Corte, o absolutista esperava, em troca, da parte do príncipe-herdeiro-político, gratidão eterna e protecção aos seus interesses.

No início da transição, o Reino viveu uma bicefalia com dois reis. De um lado, o Emérito que decidira continuar a controlar uma parte importante do Poder, o Castelo e de outro, o seu herdeiro que ficara com a outra parte, o Palácio.

Neste momento, as relações entre o Rei Emérito e o ainda príncipe-herdeiro-político já se tinham deteriorado, pois, o Incontestável, um bicho político, cedo percebera que o novo detentor do Palácio já não lhe era fiel e se manifestara disposto a destruir o seu legado.

Impaciente, o indicado foi lamentando em surdina e junto de membros da Corte e da nobreza que não podia avançar na execução de projectos em prol dos súbditos porque o Incontestável continuava a controlar o Castelo.

Em seguida, o príncipe-herdeiro-político, no alto da legitimidade de quem herdara todos os poderes palacianos, pediu a ajuda dos sábios da Corte que convenceram o Incontestável a abandonar também o Castelo.

Com o controlo do Palácio e do Castelo, e entronizado como o absolutista, o novo Rei começa, então, a atacar abertamente os interesses do Emérito e de seus filhos biológicos e políticos, seus antigos companheiros na Corte.

No início, foi o êxtase total. O Povo, a nobreza, o clero e até os opositores entraram em grande euforia com as medidas adoptadas pelo novo Rei, de tal forma que quem se opusesse a tão precipitado entusiasmo era excluído dos convívios do Reino.

No entanto, cedo o Povo percebeu que o afastamento dos herdeiros biológicos da gestão da coisa pública não era programa de governação, nem ajudava a criar os milhares de empregos para a juventude, prometidos pelo Rei e em nada contribuía para resolver os imensos problemas do Reino.

Problemas como a fome, a violação dos direitos humanos, a falta de liberdade, de segurança, de escolas para as crianças e de condições sanitárias que o novo Rei não conseguia resolver.

Com uma vida faustosa, contrastante com a miséria dos súbditos que assistiam incrédulos ao que se passava à sua volta, o Rei e a Corte gastavam milhões em extravagâncias como aluguer de luxuosíssimos aviões para passear por outros reinos.

É assim que, para censurar as críticas e a justa revolta dos súbditos, o Rei decide controlar a comunicação social pública e estatizar a privada de maior alcance.

A partir daí, essa comunicação social mostrava de forma acrítica uma realidade inexistente, um Reino das mil maravilhas, igual ao do Pais da Alice, tudo favorável ao novo Rei, como se os súbditos fossem mentecaptos.

Desta forma, crescia a asfixia no Reino em termos de liberdades. A asfixia política e a sócio-económica sufocavam o Povo, sobretudo os mais jovens, maioritariamente desempregados e atingidos pela desesperança.

Eis que, do lado dos opositores, há uma mudança na liderança. Elegem um líder mais jovem, de porte atlético, com uma fala mais contundente contra os abusos do Rei, mostrando-se mais corajoso e agressivo com o monarca.

Então, à medida que a popularidade do Rei ia diminuindo, a do novo pretendente ao Trono aumentava, passando a ser o ídolo da juventude descamisada, como se de uma estrela pop se tratasse.

Essa popularidade era de tal forma que até membros da Corte, da nobreza e do clero passaram a olhar para o pretendente ao Trono como um D. Sebastião, o salvador do Reino.

Neste momento, intensificam-se os pedidos e apelos para a destituição ou saída do novo absolutista e sua substituição pelo novo líder opositor.

Com vista à sua manutenção no Poder e sobrevivência política, o Rei entra numa luta tenaz, num vale tudo sem precedentes na História do território que inclui a mudança das principais leis da política do Reino.

Com o Reino em bancarrota, o absolutista tinha mais dificuldades em comprar consciências, prática comum naquele território, e começa a assistir ao desmoronar do seu Palácio.

Por conseguinte, decide adoptar muitas das condutas nefastas do Rei Emérito, nomeadamente usar os parcos recursos do Reino para diabolizar opositores.

Neste vale tudo, o Rei autoriza a sua Corte a desencadear ataques racistas e xenófobos aos opositores e a membros da nobreza aos quais ameaçava, inclusive, retirar-lhes a condição de cidadãos do Reino.

Em velocidade estonteante, o monarca fizera alterações para benefício próprio, entre as quais reforçara o controlo da justiça com gente de obediência cega, inventara processos judiciais contra quem o confrontava e decidira retalhar o Reino, como os europeus fizeram com África, em 1885, em Berlim.

Em vez de "paz, pão, habitação, saúde e educação", como canta Sérgio Godinho na canção "Liberdade", os súbditos dentro e além-fronteiras assistiam ao reforço do Estado securitário.

Mas o Rei não percebera que o Povo estava a perder o medo da "porrada se refilar", do belo poema Monangambé do poeta angolano António Jacinto.

Zungueiras, membros da nobreza e jovens manifestantes antiabsolutismo agredidos ou vilipendiados pelos guardiões da Corte, mantinham-se firmes e fortes na convicção de que o Rei ia nu.

O soberano, que prometera realizar autárquicas para que a escolha dos gestores de cada terra, terrinha e terreola estivesse nas mãos dos próprios súbditos, mudou de ideias para não perder o controlo do Poder e, assim, continuar absolutista.

O Rei e a sua Corte, onde pontuavam figuras marcadas por escândalos de corrupção internos e internacionais, protegiam o reinado como leões, não se importando de contrair empréstimos para subornar antigos opositores, desde que isso contribuísse para a sua eternização no Poder.

O clero, também exausto, desta vez colocara-se ao lado do Povo com a consciência de que era preciso evitar a repetição do colaboracionismo, denunciando a postura do novo absolutista e admitindo mesmo apoiar o pretendente ao Trono.

Com ajuda da sua Corte, o Rei dividira os súbditos ao meio, colocando de um lado os "bons", todos os que faziam dele o novo Incontestável, um semi-Deus e que, por isso, eram agraciados com cargos de alta responsabilidade na Corte e do outro, os que ousavam criticá-lo, os "maus", tidos como párias.

Contudo, como a insatisfação atingia todos os cantões do Reino, o soberano, já desacreditado, parecia desorientado e incapaz de reverter o rumo dos acontecimentos.

Alguns sábios e anciãos lhe estenderam a mão, pedindo-lhe que recuasse, mas o Rei, preso na sua redoma, mostrava-se incapaz de se libertar da teia em que, por inabilidade, se envolvera.

Foi então que, do lado dos que ansiavam por mudança, mesmo sem saber exactamente de que tipo, passaram a acreditar que a "união faz a força" e que o "Povo unido jamais será vencido" e a sonhar com "amanhãs que cantam"...

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