No tempo dedicado à campanha na TPA1 ou TPA Notícias, RNA, Jornal de Angola ou Angop, as opções editoriais beneficiam largamente o candidato do MPLA, seja no tempo dedicado aos seus comícios, seja nos ângulos de abordagem escolhidos, embora, como nunca sucedeu nas campanhas desde 2008, a UNITA, principalmente, mas também os "pequenos", têm agora mais visibilidade nestes órgãos de comunicação social, enquanto na TV Zimbo, canal circunstancialmente tutelado pelo Executivo, Adalberto Costa Júnior conseguiu "arrancar" longos períodos de directos das suas iniciativas de campanha, embora ainda longe da dedicação que mereceu João Lourenço, pelo menos nestes 10 dias de "circo" eleitoral.

Uma das tónicas mais vincadas pelo candidato da UNITA tem sido, precisamente, o "angulo fechado" com que as suas iniciativas estão a ser mediatizadas pelos três canais de televisão quando comparado com o que tem sido o "guião" escolhido para o trabalho feito junto do candidato do MPLA, com "angulo aberto" em tempo e em destaque dado aos pormenores, como sejam as multidões que assistem às intervenções de João Lourenço, que são em tudo semelhantes às que ocorrem aos comícios de Adalberto Costa Júnior mas que não são mostradas nas imagens escolhidas para os telejornais.

O jornalista Reginaldo Silva, que integra a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), embora não o faça nessa condição, na sua página no Facebook tem analisado o comportamento dos media sob a batuta estatal ou na sua órbita tutelar e, por exemplo, no último Sábado, considerou ter-se tratado de um "Sábado vermelho" pela disparidade do tratamento dedicado ao MPLA em comparação com as restantes candidaturas.

Mas também o jornalista Carlos Rosado de Carvalho tem usado as redes sociais para mostrar a disparidade da atenção dispensada pelos telejornais da TPA aos distintos candidatos, mostrando mesmo gráficos que colocam o MPLA muito à frente dos outros, ficando mesmo a grande distância se se juntasse o tempo dedicado aos restantes sete concorrentes.

As "bocas" de campanha

Quando se consegue ouvir ou ler nos media nacionais aquilo que dizem os candidatos com menos organização e máquina partidária por detrás, que são todos excepto o MPLA, a UNITA e, em parte, a CASA-CE, o que sobressai é a urgência de acabar com a fome, a aposta no ensino, a resposta na saúde aos graves problemas que o País tem, a agricultura familiar ou as vias de comunicação...

Mas é evidente a discriminação negativa que ensombra a campanha destes "desprotegidos" pelo sistema, porque se a "segunda divisão", que é a UNITA e, embora nem sempre, a CASA-CE, apresentam argumentos contra os benefícios conferidos ao MPLA, claramente a "primeira divisão", pelo aparelho mediático estatal, os cinco da "terceira divisão", formada pelo PRS, FNLA, P-Njango, APN e PH, não chegam a ter direito a ver o "sol".

Foram, no entanto, 10 dias de intensa campanha - com as notícias que vieram a lume esta segunda-feira, a intensidade está claramente a aumentar -, com Costa Júnior e Lourenço a galgarem províncias umas atrás das outras, com as máquinas partidárias bem oleadas, onde se nota, como descreve quem acompanhou de perto todos os processos eleitorais desde 2008, a UNITA a mostrar que conta com uma organização competente, maior qualidade dos adereços de campanha, com palcos e som profissionais e trabalho de retaguarda na preparação das coreografias que apostam na galvanização das massas em torno de Adalberto Costa Júnior, especialmente entre os mais jovens, camada da população à qual os "arquitectos" da narrativa do apelo ao voto colam a ideia de alternância no poder, apostando nos "males" de uma governação de 47 anos por parte do MPLA.

Já o MPLA, como se esperava, não deixou nenhum pormenor solto, com toda a sua sofisticada máquina de propaganda e assessoria, a mostrar como se faz uma campanha de massas e para as massas, com o efusivo colorido amarelo e vermelho em destaque nos seus espaços, onde nada falha, desde as coreografias da OMA ao constante ruído festivo da JMPLA, com o foco mediático colocado na "estrela" em palco.

Quem brilha mais é sempre João Lourenço, que tem escolhido fazer uma campanha onde o estadista da obra feita e da obra que urge fazer mas para a qual não teve tempo - a pandemia é uma das razões apontadas -, tem partilhado os palcos com uma versão de si mesmo enquanto candidato mais agressivo, em busca do xeque-mate prometido antes do início oficial da campanha, como o procurou fazer acusando de forma hábil o seu rival mais próximo, sem o nomear, de se apresentar à corrida à Presidência das República com uma ilegal dupla nacionalidade, sabendo, todavia, que o "acusado" abdicou da sua segunda nacionalidade antes de ser eleito líder da UNITA.

É ainda perceptível a ideia de que está a ser feito uma aposta na construção da ideia de que, com a sua chegada ao poder, começou outro ciclo político, como se João Lourenço fosse a própria "alternância" do MPLA ao... MPLA, o que pode muito bem ser a espinha dorsal da estratégia desenhada para este período de embate político que conduzirá à votação de 24 de Agosto.

Mas também Adalberto Costa Júnior tem apostado nesse intercalar retórico do candidato responsável que investe na consolidação da democracia angolana que vai permitir a alternância e o candidato de verbo hábil e agressivo que vê no "fantasma" da fraude uma espécie de "firewall" que o pode impedir de chegar ao poder para dar corpo e conteúdo prático às promessas feitas aos milhares de jovens que o seguem afincadamente em busca de uma saída para as incertezas do futuro.

Apostando em vincar o que o distingue do seu rival directo, Costa Júnior esteve este Sábado em Luanda, no Cazenga, "porque não deixaram que fosse no 1º de Maio", onde investiu na ideia de que "o diálogo entre diferentes engrandece e melhora" e que "é preciso aprender a ouvir críticas e o contraditório, é preciso pluralidade", procurando atingir o adversário na sua evidente fragilidade de enquanto Presidente da República não criou condições de verdadeira igualdade de oportunidade como prometera noutros tempos.

O candidato da UNITA, numa frase que pode ser a síntese de toda a sua narrativa de campanha para as eleições de 24 de Agostom disse que "é o povo que está a pedir democracia" e que esta só é consumada quando cria condições para que ocorra a alternância.

E no Bié...

João Lourenço deixou, este Sábado, um indício ténue de que pode estar a ocorrer uma ligeira alteração ao "guião" da campanha, no sentido de dar prioridade à atenção para com as províncias em detrimento da política nacional e das "bocas" apimentadas ao seu principal adversário.

Dedicou, o que faz toda a diferença do conteúdo das suas intervenções até ali, quase uma hora, o tempo total do seu discurso, a sublinhar o que pretende fazer se for reeleito e o que o seu Executivo fez no Bié ao longo dos últimos cinco anos, desde as vias rodoviárias, ao comboio, a universidade local, a electrificação, saúde...

Mas o líder do MPLA não deixou de falar para o País a partir do Kuito, onde considerou que o povo angolano não vai em falsas promessas e, por isso, vai dar a esperada "maioria esmagadora" à sua candidatura, voltando a insistir que o discurso da oposição sobre a fraude é a sua capitulação, procurando demonstrá-lo com a analogia do "mau aluno" que não se prepara para o exame e depois justifica a má nota com o professor que lhe "roubou" pontos.

"Ninguém tem o direito de levantar a bandeira da fraude", disse João Lourenço, acrescentando que é errado acusar sem provas.

E, como se esperava, desde o arranque da campanha, o candidato do MPLA voltou a destacar o papel do ex-Presidende José Eduardo dos Santos enquanto promotor da paz e da reconciliação nacional, bem como na ideia subliminar de que a sua recandidatura é a "alternância" que os adversários almejam, afirmando que os outros não podem fazer o que o MPLA já fez, que foi "as reformas democráticas, a defesa dos direitos humanos e a democracia".

Face ao que foi possível verificar ao longo destes 10 dias de campanha eleitoral, tem sido ainda visível o esforço das diferentes candidaturas para evitar quaisquer tipos de violência física com reminiscências na intolerância política e os pequenos episódios que são noticiados não chegam para manchar a democracia angolana neste patamar.

Mas é expectável um endurecer dos discursos, especialmente da UNITA, incidindo naquilo que são as grandes questões do País por resolver, como o desemprego, as prometida e há décadas por cumprir realização das eleições autárquicas no País, tema já em destaque na agenda de Costa Júnior, a qualidade do ensino e da saúde ou a fome/insegurança alimentar que é geograficamente abrangente a toda Angola.

Da parte do MPLA, o sublinhado deve ser direccionado a partir de agora para os "sucessos" alcançados e a fragilização dos argumentos dos adversários, especialmente a questão da fraude "em preparação" propalada pela máquina eleitoral da UNITA e o desemprego.

Estão autorizados a concorrer às eleições gerais de 24 de Agosto os partidos MPLA, UNITA, PRS, FNLA, APN, PHA e P-NJANGO e da coligação CASA-CE.

Do total de 14,399 milhões de eleitores esperados nas urnas, 22.560 são da diáspora, distribuídos por 25 cidades de 12 países de África, Europa e América.

A votação no exterior terá lugar em países como a África do Sul (Pretória, Cidade do Cabo e Joanesburgo), a Namíbia (Windhoek, Oshakati e Rundu) e a República Democrática do Congo (Kinshasa, Lubumbashi e Matadi).

Ainda no continente africano, poderão votar os angolanos residentes no Congo (Brazzaville, Dolisie e Ponta Negra) e na Zâmbia (Lusaka, Mongu, Solwezi).