São várias as histórias de sacrifícios que as dezenas de funcionários, na sua maioria jovens, de várias idades e proveniências na cidade de Luanda, contam para justificar a difícil opção de dormir na rua, mas comum a todos é que o que ganham não permite alimentar as famílias e pagar os transportes.
E não vale a pena confrontar os seus "patrões" com a dura realidade que enfrenta diariamente, porque a resposta é sempre a mesma; quem quer fica, quem não quer, vai embora. Com a falta de alternativas, quase todos... ficam.
As distâncias entre as zonas onde vivem e a Cidade da China, face aos horários de entrada e os custos com os táxis, contribuí na decisão de fazerem sacrifício e arriscarem a saúde, pernoitando ao relento à porta da Cidade da China.
São na maioria jovens, muitos deles pedreiros, ajudantes de pedreiro, empregados de limpeza ou de armazém, os que auferem os salários mais baixos, que pernoitam no passeio na estrada da Cidade da China, na Av. Fidel de Castro, outros preferem passar a noite debaixo das pedonais, alguns nos pequenos jardins das redondezas.
Afinal porque preferem passar às noites ao relento? A resposta a essa questão vem dos próprios, que o Novo Jornal encontrou na madrugada de segunda-feira, para terça-feira desta semana, um dia como outro qualquer para as dezenas de pessoas nestas condições.
"Ficamos aqui porque vivemos longe e com o que ganhamos não dá para ir e vir", contou Damião Simão, jovem de 29 anos que trabalha como ajudante de venda numa das lojas.
Com todos aqueles que o Novo Jornal procurou falar, todos os que aceitaram fazê-lo - alguns preferiram mão se expor -, contam a mesma história, apontam as mesmas razões para a opção de dormir ali e justificam com o mesmo argumento: o salário obriga a fazer opções duras.
Salários esses que andam, em média, entre os 50 e os 80 mil kwanzas.
Mas há outras questões laborais desconformes com a lei vigente no país, porque a maior parte destas pessoas não tem "direito" a folgas ou feriados, sequer fins-de-semana, o que os obriga a faltar dois ou três dias por mês, implicando isso cortes no já de si exíguo salário.
"Eles não pensam que temos de descansar no mês, nós é quem temos, com base na fadiga, que tirar um ou dois dias... para ir ver a família", descreveu Euclides Fernando, mais uma história de vida que parece uma cópia de todas aquelas das pessoas estendidas nos passeios, sobre papelões e cobertas por mantas dos pés à cabeça.
"Para os patrões chineses o que conta é estares na hora de entrada, às 07:30, e trabalhares. Se ficares doente, tiveres óbito ou outra situação qualquer que te impeça de estar no local de trabalho, és descontado sem contemplações", revelam os mais corajosos.
Perguntados se trabalham sob contrato, dizem, na maioria, que não e salientam que as empresas chinesas não celebram contratos, o que também não percebem.
Asseguram por outro lado que esta situação também se deve ao facto de as empresas terem sido inspeccionadas pelas autoridades exigindo melhoria das condições de trabalho, o que nunca chegou a ser feito pelos proprietários, incluindo na questão das condições para pernoitar nos casos em que isso é exigido pelas especificações do trabalho.
Ao Novo Jornal revelam que antes passavam a noite em dormitórios improvisados nos locais de trabalho e que foram fechados pelas autoridades, passando a terem de dormir na rua, o que, apesar de tudo, é pior que aquelas instalações precárias fornecidas pelas empresas chinesas.
"O Estado achou que tinha que encerrar esses dormitórios, e foi a partir daí que os patrões nos proibiram de ficar no interior da Cidade da China", revelaram.
Quanto à alimentação, contam que há algumas senhoras que vendem comidas prontas nas proximidades, o que os tem ajudado.
Outros asseguram que contribuem para o tacho e confeccionam eles próprios as refeições, nos quintalões dos arredores.
A Cidade da China está localizada na Avenida Fidel de Castro, no município de Viana, em Luanda, e é um dos maiores centros comerciais do país.
Destina-se à venda de produtos diversos como materiais de construção civil e decoração, brindes para festas, artigos para o lar, electrodomésticos, acessórios de viaturas, vestuário, calçado, bem como reserva espaços para actividades de logística e exposição.
Foi inaugurado em junho de 2017 e dispõe de uma expressiva área comercial, com 16 naves, que albergam mais de 400 lojas e uma zona residencial, com 30 prédios.