Comprar peças de automóveis, em Luanda, tem sido um autêntico quebra-cabeças nos últimos meses. O Novo Jornal testemunhou isso mesmo ao fazer-se passar por cliente. A maior parte dos materiais solicitados não estava disponível nas lojas visitadas. Cenário que contrasta com os mercados paralelos. A maior parte das peças que não encontrámos nos concessionários está à venda a céu aberto.

Funcionários de alguns concessionários ouvidos pelo NJ disseram que a falta de dólares no mercado nacional não permite que os proprietários das empresas importem peças ou que efectuem viagens para as comprar no estrangeiro.

O mesmo não se pode dizer no que se refere aos mercados paralelos. Em todos aqueles por onde o Novo Jornal passou havia peças disponíveis para venda, a diversos preços e com variadas proveniências.

O nosso primeiro destino foi o mercado dos Kwanzas, localizado no município do Cazenga. A praça tem um espaço dedicado apenas para venda de peças de automóveis.

Vendedores ouvidos pelo NJ garantiram que a falta de dólares não atrapalhou o negócio, porque encontraram outras formas de conseguir a divisa norte-americana.

É esse o caso de Tony Fonseca, vendedor no mercado dos Kwanzas há mais de 10 anos. O comerciante disse ter recorrido à fronteira do Luvo para arranjar dólares para viajar e comprar a mercadoria.

"No início, foi muito difícil, porque não tinha como comprar as peças. Mas um dos meus amigos aconselhou-me a ir à fronteira do Congo Democrático vender algumas coisas para conseguir dólares. Assim fiz. Fui para lá vender duas viaturas e, como a senhora vê, tem quase tudo aqui: do parafuso ao motor completo", revela.

Segundo Tony Fonseca, muitos dos seus colegas seguiram o mesmo caminho e este é o percurso que fazem para terem sempre peças. "Para muita gente agora o caminho é o Congo. Eles lá têm dólares e nós aqui não. É por isso que muitos comerciantes já só caminham para o Congo. Mesmo as senhoras que faziam viagens para a China e o Dubai, todos agora vão para lá", afirmou.

Peças de carros acidentados André Francisco, vendedor no mercado dos Kwanzas há mais de quatro anos, é de opinião diferente. Segundo ele, nos últimos meses, a comercialização de peças baixou muito, por causa dos constrangimentos provocados pela falta de divisas. "Agora está tudo difícil por causa do dólar. Os nossos fornecedores estão com muitas dificuldades em fazer as importações e os que conseguem importar também têm dificuldades em vender porque não sabem a que preço colocar os produtos do mercado, porque o dinheiro está difícil", relata.

André Francisco estava no mercado dos Kwanzas a comprar um motor novo para uma viatura, de marca Hyundai i10, a três jovens. "Eles, às vezes, conseguem comprar carros acidentados, desmontam a viatura e vêm aqui ao mercado vender as peças. São meus fornecedores e eu não sou o único que compro essas peças de carros acidentados", esclarece. Confrontado com a possibilidade de as viaturas em causa serem roubadas, André Francisco responde, quase de imediato, que não: "Pelo que eu saiba não são. São jovens da minha confiança e eles não são assaltantes de viaturas. Se assim fosse, muitos de nós aqui já estaríamos na cadeia, porque muitos só compram as peças das mãos desses jovens".

O mercado dos Correios, localizado no distrito do Kilamba Kiaxi, é líder na venda de acessórios de viaturas. Ali o nosso postal de visita são as bancadas montadas ao longo da estrada. Colocadas de forma perfilada, nelas estão expostos vários tipos de acessórios. Logo à entrada, muitas bancadas funcionam a escassos metros do Hospital Geral especializado.

Aniceto Ntumba Bamenga, de 29 anos, vende peças de carros há seis anos e, apesar da actual situação financeira que o país atravessa, garante que o negócio é rentável. "Mesmo da maneira como o país está, dá dinheiro. Acho que tudo depende de como você gasta e poupa. Com o que ganho aqui, ainda este ano consegui comprar uma casa", ilustra.

De acordo com Aniceto, ele e mais alguns amigos compram as peças nas lojas dos cidadãos nigerianos e revendem-nas no mercado dos correios. Os nigerianos são os maiores fornecedores, porque são eles que importam as peças para Angola.

O jovem reconhece, contudo, que há colegas seus no mercado quer compram peças de viaturas roubadas. (...)

(Pode encontrar esta notícia na sua versão integral na edição semanal, já nas bancas, ou em versão digital, que pode ser adquirida em kwanzas).