Apesar de o problema não ser novo para quem vive no bairro, o silêncio das autoridades, sobretudo da administração municipal de Cacuaco, preocupa os habitantes, como certificou o Novo Jornal no local.
Esta época chuvosa é a de maior pânico para os munícipes, e, apesar de a administração municipal ter conhecimento da situação, uma fonte garante que não há meios para resolver o problema.
A zona em perigo faz fronteira com os bairros Dala Mulemba, Ngangula, Boa Esperança Central e, a oeste, com o Oceano Atlântico.
O bairro Boa Esperança III possui quatro quilómetros de superfície e uma população estimada em mais 60 mil habitantes.
O perigo que atormenta os moradores faz com que muitas famílias, por precaução, abandonem as residências e procurem abrigo em casa de familiares, parentes próximos e decidam viver em arrendamento forçado por não ter outra alternativa.
"Há pessoas que não têm para onde ir. Nesta altura em que a vida está apertada para todos, há quem viva na rua", contaram os moradores.
No entanto, famílias há que vão já abandonando as residências por perceberem que as ravinas estão a aproximar-se demasiado das suas casas e atempadamente aproveitam para retirar as portas, janelas, assim como os tectos das casas por estarem conscientes que serão os próximos a perder as residências.
"Aqui a casa quando é engolida é tipo um apagão, só assustamos, já foi (desapareceu). E não se aproveita nada". Infelizmente eu serei a próxima vítima, disse o morador, Elias Pereira Varela, que fez a casa dos seus sonhos em 2001 e que agora a vai perder para a ravina.
Segundo Elias Pereira Varela, quando veio morar na zona, "o bairro oferecia condições e tudo era óptimo".
"Não havia ravinas e oferecia condições. Nunca nos passou pela cabeça que parte do bairro desaparecesse. Há ruas e edifícios engolidas na totalidade e hoje custa a acreditar que existiram. Quatro casas em frente à minha já foram consumidas, a minha será a próxima, porque agora só o número um", contou.
Adão Pedro, de 48 anos, morador que perdeu a casa em 2020, lamenta a situação e espera que as autoridades resolvam o problema.
"Sabemos que as ravinas são obras da natureza, mas o Governo pode e deve fazer algo, porque não fomos nós que construímos nas ravinas, foi a ravina que apareceu no nosso bairro e faz estragos nas nossas vidas, eu tive um primeiro andar, hoje não tenho casa", afirmou, chorando.
Contam os residentes que havia uma rua muito frequentada, onde existia um famoso "bar dos milionários", que atraía muitas pessoas para a diversão na zona, mas infelizmente essa rua e o bar foram engolidos pela ravina.
"Era muito frequentado, vinham muitos famosos, hoje a rua inteira deixou de existir porque as casas que havia muitas foram engolidas", explicaram os moradores atormentados com o nível de alastramento das ravinas.
Marta Manuel, de 63 anos, residente há 43, contou que antes o bairro era bom e não havia sequer indícios de que algum dia pudessem vir a existir ravinas.
"O bairro era grande e tinha muitas casas. Quando começaram a aparecer os primeiros vestígios das ravinas, em 2007, nunca pensei que seria atingida porque pensava viver muito distante do local das ravinas. Tinha cinco casas que construí com muito sacrifício e coloquei em arrendamento, mas infelizmente todas elas foram engolidas".
A mulher conta ainda que vive agora amargurada e infeliz, por apenas sobrar uma residência onde vive com a família, mas que está na eminência de também ser engolida.
"Meu pai, agora a única casa que me restou está também em risco, parte do meu quintal e de um anexo já foi engolida. Por favor, Governo, façam algo por nós", deplorou Marta Manuel.
Aristides Zua Mutange, um morador da Boa Esperança desde 2006, explicou que perdeu a casa e hoje vive de renda na zona.
"Arrendei aqui nos arredores pelo facto de a área ser tranquila, mas as ravinas preocupam-nos a todos, dói ver pessoas como eu perder as suas casas, espero que o Governo venha resolver esse problema", apelou.
O Novo Jornal constatou que a única escola do ensino primário no bairro, a Escola do FAS, está na eminência de ser absorvida pela ravina.
Estado já desalojou da zona várias famílias devido ao alastramento das ravinas
Dados da comissão de moradores indicam que desde 2007 mais de 500 famílias já foram realojadas nos projectos Mayé-Mayé e Mayombe, em Cacuaco.
Miguel de Sousa, coordenador da comissão de moradores do quarterão n.º 02, da zona B, do bairro Boa Esperança III, disse que o processo de realojamento decorre há quatro anos e que a administração municipal de Cacuaco, na altura, desalojou 196 famílias e deu-lhes terrenos no bairro Mayombe.
Segundo este coordenador, mais de 240 famílias beneficiaram de terrenos e várias já se encontram cadastradas, sobretudo as que estão agora em fase de risco.
"Como comissão não temos nada a fazer senão esperar pelos pronunciamentos das autoridades, ainda em Dezembro escrevemos para o senhor administrador para dar uma solução", contou.
Sobre este assunto, o Novo jornal contactou o administrador municipal de Cacuaco, Auxilio Jacob, para o devido esclarecimento, mas não obteve resposta.
No entanto, uma fonte da administração avançou, sob anonimato, que a situação é do domínio das autoridades do município, mas salientou que as obrigações transcendem as competências do administrador.
"O problema das ravinas em Angola é de macrodrenagem e podia ter sido evitado", alerta o engenheiro civil Angelino Kissonde.
Os problemas nas ravinas, em Luanda ocorrem por não existir um sistema eficaz de desvio das águas da chuva para uma zona segura, explicou, em Abril de 2021, ao Novo Jornal o engenheiro.
Para este especialista, o problema está identificado e passa por encontrar resposta ao nível da macrodrenagem que redireccione as águas das chuvas para áreas seguras que, normalmente, são os rios, o mar ou zonas criadas especificamente para o efeito, descreveu o engenheiro civil.
Segundo Angelino Kissonde, a ravina é um processo de desagregação e descaracterização dos solos que são arrastados para zonas mais baixas através de um agente causador de erosão influenciador, que podem ser, principalmente, as águas das chuvas, dos rios, do mar, nas zonas marinhas e os ventos.
O especialista assegura que 99,9 por cento das ravinas em Angola são provocadas pelas águas das chuvas por não existir um sistema de grande escoamento das águas ou, quando existe, este seja deficiente ou desajustado.
A macrodrenagem é um sistema que envolve dispositivos de engenharia que colectam as águas das chuvas a partir das estradas, ruas, e dos quintais, através de colectores e galerias bem controladas que encaminham as águas por valas até ao mar, rios ou uma bacia de retenção.
"Em Angola, sobretudo em Luanda, as ravinas são facilitadas fruto das construções desordenadas e da ocupação das áreas de curso natural das águas das chuvas (linhas de águas). Porque as águas das chuvas têm um movimento laminar e mudam de comportamento em função das obstruções que encontram e passam a ter um movimento turbulento" explica o engenheiro.
Esse movimento, prossegue, é um esforço adicional sobre os solos e quando encontram um solo desprotegido da cobertura vegetal, que pode ser relva, capim, árvores, e pequenos arbustos, dão surgimento aos fenómenos das ravinas.
Angelino Kissonde disse que as ravinas não começam com grandes dimensões, mas sim em pequenas dimensões que vão aumentando, com o tempo, até chegar a tamanhos que podem mesmo engolir prédios e estradas.
Segundo este engenheiro civil, a reparação de uma ravina em estado avançado pode custar uns milhões de dólares mas quando as ravinas estão em fase inicial podem ser intervencionados com meios e equipamentos rudimentais, como árvores e plantas, a baixo custo.
"Basta estar atento", avisa o especialista.