Goma ainda não caiu totalmente, pode-se concluir dos relatos que chegam esparsamente da linha de combate, mesmo que os rebeldes já tenham dito que esta cidade estratégica de 2,5 milhões de habitantes estava sob seu domínio...
As centenas de feridos que chegam aos hospitais da região mostram que ainda há fortes combates a decorrer, especialmente no Hospital Kyeshero, em Goma, onde já não há um espaço que seja disponível e, como relata a Reuters, os cadáveres amontoam-se face à quase inexistência de resposta à demanda.
Este cenário, apesar de indefinido, contrasta com as palavras do líder do M23 em Goma, Corneille Nanga, que asusmiu a conquista e prometeu marchar com os seus homens para Kinshasa para destronar o Presidente Félix Tshisekedi.
"O nosso objectivo é o Congo, nós estamos a lutar pelo Congo, não estamos a lutar por minerais ou seja pelo que for... apenas pelo Congo", disse em Goma Corneille Nangaa, um dos líderes séniores do M23.
Os mesmos relatos que apontam para uma área cinzenta em Goma de combates entre as FARDC e os rebeldes do M23, que contam, como está profusamente comprovado, com o apoio logística e em armas de Kigali, que ainda tem um número indeterminado de militares no território congolês.
Entretanto, já esta segunda-feira surgirsam relatos de complexa inyerpretação sobre a crescente presença de forças militares do Uganda no Kivu Norte, aparentemente a combater com unidades das FARDC contra os rebeldes da Aliança das Forças Democráticas (ADF) de origem ugandesa, que há alguns anos jurou obediências ao `estado islâmico'.
Este dado aumenta a complexidade da situação no leste congolês, porque uma das acusações feitas por Kinshasa e algumas ONG's internacionais é que o Uganda tem uma teia de interesses que se misturam com os do Ruanda, especialmente na exploração criminosa dos recursos naturais do leste congolês.
Éxercito congolês fragilizado por décadas de disputas étnicas e políticas
Devido à fragmentação do Exército congolês por anos de lutas intestinas étnico-políticas, alguns analistas relatam que há unidades das FARDC que não obedecem ao poder central de Kinshasa e estabelecem as suas próprias regras nas áreas de implantação, o que não apenas fragiliza o combate à invasão ruandesa como impede uma eficaz interposição de forças da missão da ONU na RDC, a MONUSCO; ou mesmo do contingente da SADC, ao abrigo do Processo de Luanda.
A actual situação, segundo analistas locais e internacionais, demonstra que não apenas RDC tem extrema diciuldade em lidar com o problema colocado pela presneºa de forças estrangeiras nos seus territórios, como deixa em evidência que o longo e esforçado Processo de Luanda, liderado pelo Presidente angolano, João Lourenço, já falhou ou está a falhar.
Isto, porque sendo os Presidentes da RDC, Félix Tshisekedi, e do Ruanda, Paul Kagame, peças fundamentais dos esforços de Luanda, apenas o congolês se mantém dentro enquanto o randês já abdicou dos bons esforços de João Lourenço para resolver o conflito.
Neste momento, quando o M23 ameaça marchar sobre Kinshasa, que fica a mais de 2600 kms de distância, embora taç ameaça seja aparentemente um mero ardil para desviar o foco principal dos rebeldes "ruandeses" que é marchar sim para Bukavu, a capital do Kivu Sul e, a par do Kivu Norte, a província mais rica da RDC em recursos minerais estratégicos.
A outra dimensão deste cenário de extrema complexidade é o papel das grandes potências ocidentais e asiáticas, porque o objectivo do M23 está claramente debaixo do chão, onde abundam o coltão, o cobalto ou as "terras raras", essenciais para as indústrias 2.0 da aeronáutica, energias alternativas, veículos eléctricos, armamento...
Facto indesmentível é que decorre por detrás dos panos uma gigantesca luta de galos entre a China, os EUA e as potências europeis pelo acesso a estes recursos, sendo que, como a ONU e organizações internacionais indentificaram em relatórios distintos, uma boa parte destes sai do Ruanda para o mundo sem que este pequeno país tenha deles qualquer reserva conhecida.
E a China possui a maior parte dos contratos de exploação legais feitos com Kinshasa nestas regiões, ou ainda noutras, como, por exemplo, o Grande Kasai, sendo que no Katanga, a outra área estratégica, tenha como principais actores os norte-americanos e europeus.
Apesar desta nebulosa realidade, onde, ao que tudo indica, as gransdes potências tenham posturas distintas à luz da legalidade e na prática, a União Europeia, segundo os media internacionais, está sob forte pressão para suspender os contratos de importação de minerais estratégicos do Ruanda, porque esse é um dos pilares que susnetam este conflito regional há décadas.
Depois de o Presidente da RDC ter apelado à resistência e à mobilização geral, os rebeldes do M23, que a comunidade internacional diz serem apoiados pelo Ruanda, ameaçam agora marchar para a capital congolesa, Kinshasa.
Pouco depois, o vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa, Guy Kabombo, a partir de Kinshasa, ordenou às Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) que defendam as fronteiras do país e recuperem os territórios perdidos para o M23.
Guy Kabombo quer ainda ver as forças externas do Ruanda a serem expulsas do leste congolês e as FARDC a anularem "todas as ameaças à soberania congolesa", sublinhando que essa missão tem como alvo todas as ameaças e não apenas o Ruanda.
"Neste momento crucial, mostrar a credibilidade do nosso Exército é fundamental para a Pátria. E é por isso que as FARDC devem assumir a sua missão constitucional, que é defender as fronteiras da RDC contra todas as ameaças", apontou Kabombo, nma declaração transmitida pelos media congoleses, na qual acrescentou um grito patriótico: "Restaremos de pé e combateremos sem recuar um milímetro".
Se os rebeldes do M23, que nas últimas horas concluíram a tomada de Goma, a capital do Kivu Norte, havendo notícias de que já se encaminham igualmente para Bukavu, a capital do Kivu Sul, ouviram Guy Kabombo, fizeram de conta que não, porque a partir da sua nova "capital", lançaram um desafio existencial ao Governo de Félix Tshisekedi: "Vamos tomar Kinshasa!".
"O nosso objectivo é o Congo, nós estamos a lutar pelo Congo, não estamos a lutar por minerais ou seja pelo que for... apenas pelo Congo", disse em Goma Corneille Nangaa (na foto), um dos líderes séniores do M23.
Esta milícia tem insistido nos últimos dias, usando para isso as televisões internacionais, no momento em que, em Goma, centenas de mercenários europeus se rendiam à MONUSCO, numa operação concertada com o grupo armado, afirmando-se congoleses e não ruandeses, negando veementemente qualquer apoio de Kigali, tal como, de resto, o fez o próprio Presidente do Ruanda, Paul Kagame.
Ignorando todos os apelos à contenção, o M23, que demonstra uma organização excepcional e armados com equipamento moderno ocidental, fazendo tábua rasa das palavras do mediador da União Africana, João Lourenço ou do outro pilar da mediação regional, o queniano William Rutto (ver links em baixo), não apenas visa agora alargar o seu poder a todo o leste congolês como aponta a mira à capital, naquilo que seria um golpe intolerável para as potências regionais, incluindo Angola, abrindo assim as portas para uma perigosa escalada regional do conflito.
Mas é isso mesmo que os rebeldes afirmam querer, depois de um dia, de quinta-feira, 30, repleto de posicionamentos severos das lideranças directamente envolvidas, RDC, Ruanda e M23, mas também do Processo de Luanda e da Organização dos Estados do Este Africano (EAC).
Na declaração onde apontam agora como objectivo Kinshasa, o M23 sublinha que o seu alvo é obter poder político no país para reorganizar o Estado, que dizem não existir na RDC, porque "o regime de Tshisekedi destruiu o Exército, a Polícia Nacional e a administração e a Justiça, acima de tudo".
O que os rebeldes dizem querer como ponta final da sua acção é "reerguer o Estado congolês", o que só é possível, afirma Corneille Nangaa, "com a conquista de Kinshasa", que, recorde-se, fica precisamente a 2620 kms de distância, ficando sem se perceber como o poderão fazer sem o apoio robusto de uma potência militar externa.
Porém, alguns analistas em Kinshasa não estão a levar a sério esta ameaça que encaram como sendo uma ferramenta negocial para se contentarem com a cedência de Tshisekedi das suas actuais posições no leste do país, eventualmente sob a forma de uma região autónoma com total lastro de decisão local, nomeadamente na exploração do seus vastos e ricos recursos naturais e com fronteira com o... Ruanda.
Todavia, essa tarefa não tem, para já, qualquer aderência em Kinshasa, onde o ministro da Defesa, Guy Kabombo, recusou encetar quaisquer negociações com o M23, apesar de a EAC ter apelado a que esse diálogo aconteça como forma de conseguir um cessar-fogo para proteger as populações civis, que vivem uma gigantesca crise humanitária, somando milhares de refugiados aos mais de seis milhões que 30 anos de conflitos persistentes produziram.
"Dei ordens efectivas para que todos os planos e instruções para dialogar com os terroristas do M23, ferramentas do Ruanda, sejam queimados de imediato, porque nos vamos combater até ao último homem e se não for possível ficar vivos, ficaremos mortos", atirou Kabombo.
O governante, responsável por lidar com a guerra contra os rebeldes e contra as forças ruandesas que estão no leste congolês, disse ainda que os militares das FARDC estão a "iniciar a cruzada das suas vidas" e que "os olhos do mundo inteiro estão fixados nos militares congoleses", prometendo que "nesta batalha o inimigo será destruído e a vitória será oferecida ao povo".
O reacender da fornalha
Esta mais recente fase da crise congo-ruandesa começou em Outubro do ano passado, quando os rebeldes do M23 romperam todos os compromissos conseguidos nas várias Cimeiras de Luanda, inclusive acordos de cessar-fogo repetidamente queimados pelos guerrilheiros, apesar do forte contingente militar enviado para a zona pelos países vizinhos...
Mais recentemente, já este mês de Janeiro, depois de terem tomado Masisi e Minova, localidades situadas nas duas vias de acesso a Goma, os rebeldes do Movimento 23 de Março, ou M23, estão a conseguir furar as últimas linhas defensivas das forças leais a Kinshasa.
Para enfatizar a preocupação que é uma tomada de assalto bem conseguida da cidade de Goma, com mais de 2,5 milhões de pessoas, a ONU, através do Alto Comissário para os Direitos Humanos, já veio lançar um alerta para a iminente catástrofe humanitária que esse avanço será.
Isto, porque o leste congolês, especialmente nos dois Kivu, Norte e Sul, e Ituri, é uma das regiões mais afectadas pelo fenómeno dos deslocados internos em fuga permanente à violência étnica e guerrilheira, com mais de 6 milhões de pessoas nessa condição.
E Goma cair nas mãos do M23, acelera ainda mais a crise humanitária. que já é gigantesca, fruto de três décadas de violência, com origem no genocídio de 1994, no Ruanda, complementada pela disputa dos seus vastos recursos naturais, será severamente agravada.
Além desse problema, a tomada de Goma deixa o Governo da RDC do Presidente Félix Tshisekedi, que já ameaçou por diversas vezes uma guerra com o Ruanda, o país vizinho que apoia este grupo rebelde, como as Nações Unidas provaram em 2022, em muito maus lençóis, podendo ser a chama que acende o rastilho ligado ao barril de pólvora que é toda a região dos Grandes Lagos.
Por se tratar de uma situação de enorme melindre, o Presidente angolano, João Lourenço, tem, em nome da União Africana, conduzido parte fundamental das negociações para a estabilização regional, incluindo diversas Cimeiras em Luanda.
Pela capital angolana, passaram, nos últimos cinco anos, todos os líderes regionais com ligações a esta crise RDC/Ruanda, incluindo, naturalmente os Presidentes Tshisekedi e o seu homólogo ruandês Paul Kagame, mas nada parece demover o M23 das suas conquistas e dos interesses que perseguem.
Apesar de, no quadro desses esforços, ter sido deslocado para esta região em brasa um contingente militar substancial para impor o fim das hostilidades, o M23, uma e outra vez, sempre furou os acordos de cessar-fogo conseguidos em Luanda por João Lourenço.
E agora, apesar dessa presença, são as Forças Armadas da RDC (FARDC) que procuram travar o avanço dos rebeldes mas, ao que tudo indica, sem sucesso porque, depois de, como o Novo Jornal noticiou qui e aqui, terem tomado Masisi e depois Minova, estes tomaram Saké e Bambiro.
Estas duas localidades são de extrema importância estratégica porque estão em cima do nó rodoviário da N2, R529 e RP 1030, as três vias de acesso a Goma a partir do oeste do Lago Kivu, o que deixa os guerrilheiros apenas com cerca de 15 quilómetros da grande cidade que se situa na linha de fronteira com o Ruanda.
Com este avanço, os homens do M23 não apenas ganham uma situação de vantagem no confronto com uma eventual reacção musculada das FARDC, como já assumiram posições de controlo sobre as mais relevantes áreas mineiras da região, incluindo no Kivu Sul.
A partir de Genebra, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos admite estar "muito preocupado" com este desenvolvimento, que, avisa Ravina Shamdasani, porta-voz desta agência das Nações Unidas, só este ano já provocou 400 mil desalojados.
Segundo os relatos de repórteres na região, a cidade de Goma está à beira do pânico generalizado porque as explosões e os tiroteios já se ouvem nos subúrbios enquanto das suas unidades hospitalares, muito depauperadas, são assoladas por vítimas dos confrontos, civis e militares.
Estes avanços do M23 foram reatados em 2021, depois de um longo interregno de quase uma década em que este grupo se refugiu na sombra, tendo voltado com grande capacidade ofensiva, bem armados e com forte apoio logístico, que é fornecido pelo Ruanda, segundo o Governo de Kinshasa e a ONU.
O histórico
Por detrás desse apoio está a exploração de minerais estratégicos valiosos (ver links em baixo), como o coltão ou o cobalto, que são reexportados pelo Ruanda como sendo provenientes do seu subsolo mas sem que se conheça a existência de reservas no lado ruandês destes recursos naturais.
Perante a ameaça séria de uma guerra entre a RDC de Felix Tshisekedi e o Ruanda de Paul Kagame, com dezenas de escaramuças fronteiriças a suportar essa possibilidade, o Presidente angolano encetou uma "batalha" diplomática para estabilizar a região.
Para isso contribui ainda o Quénia, no âmbito da Comunidade da África do Este (EAC), que, com Angola, tem servido de palco para sucessivas rondas negociais, algumas delas promissoras, como quando, em 2023, em Luanda, Paul Kagame se comprometeu em pugnar junto dos lideres do M23 para aceitarem depor as armas.
Tal nunca foi efectivamente concretizado, apesar de ao longo de 2024 terem sido definidos os ditames das tréguas que duraram meses e foram vigiadas e garantidas por um continente militar de interposição com milhares de militares oriundos de países como Angola, África do Sul, Quénia ou, entre outros, Uganda.
Porém, como tinha sido regular nos últimos meses de 2024, agora, em 2025, ainda o ano está a arrancar é já se começa a perceber que o M23 não vai dar descanso aos líderes dos esforços diplomáticos, onde está o Presidente João Lourenço, como pode ser revisitado nos links em baixo, nesta página.
O mapa das conquistas do M23 no Kivu Norte e no Kivu Sul segue os filões dos recursos naturais que são mais cobiçados pelas grandes indústrias globais, desde as comunicações (coltão) à aeronáutica (cobalto).
Com as vagas de assaltos do M23, Kinshasa ficou sem controlo de algumas das mais vastas áreas de exploração mineira, perdendo assim milhões USD para os garimpeiros ilegais que fazem estes recursos chegar ilegalmente aos mercados internacionais via Ruanda ou outras geografias.
Por detrás desta renovada ofensiva dos rebeldes está, seguramente, a fricção entre Tshisekedi e Kagame que, apesar dos esforços de intermediação de Lourenço, parece ter chegado a um ponto de ebulição devido à imparável chama dos interesses económicos no leste congolês.
Além das perdas económicas, estes avanços do M23 resultam ainda como uma poderosa dor de cabeça para as autoridades congoleses que se encontram já com uma severa crise humanitária entre mãos.
Isso, devido aos quase cinco milhões de pessoas que se encontram em campos de refugiados em vários locais, devido à violência - são mais de 100 os grupos de guerrilheiros, milícias e bandidos organizados na região - e com tendência de crescimento sem fim à vista.
Há relatos de que os combates entre as forças congolesas e os guerrilheiros fazem mais de 20 mil mortos anualmente, sem contar com os milhares de vítimas civis, que são a larga maioria.