Mas as dúvidas sobre a origem e as intenções dos ataques aos dois petroleiros somam-se a cada dia que passa e as razões são suficientes para, pelo menos, admitir que algumas coisas não batem certo, como, por exemplo, as explosões terem afectada um petroleiro japonês e ocorrido quando o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, estava em Teerão em visita oficial e o Japão ser um importante aliado comercial do Irão.
Os dois petroleiros que os EUA dizem terem sido atacados pelo Irão, no Golfo de Omã, pertenciam ao Japão - o Kokuka Courageous - e a um armador da Noruega, apesar de navegar com pavilhão das Ilhas Marshall - o Front Altair - e as explosões ocorreram, na passada quinta-feira, quando, por exemplo, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, estava em Teerão em conversações com o líder supremo iraniano, Ali Khamenei, e com o Presidente iraniano, Hassan Rouhani.
O Japão é um dos mais importantes países para o Irão no que toca às trocas comerciais e um dos poucos que, apesar das sanções norte-americanas às exportações de crude iraniano, mantém as portas abertas para o comércio com Teerão, o que deixa dúvidas de monta quanto à oportunidade de um ataque em águas próximas do Irão a um navio japonês de transporte de petróleo.
Quanto ao petroleiro norueguês, as dúvidas são igualmente de monta porque a Noruega é um dos mais destacados países que integram a task-force ad hoc global para intermediar o diferendo entre Teerão e Washington e o navio em questão pertencia a um negociante que negoceia com o Irão desde a década de 1980, o que emerge como um claro contra-senso face aos interesses do Irão em se libertar das sanções norte-americanas.
Japão assume oficialmente desconfiança das provas dos EUA
Numa primeira abordagem a esta questão, que assume especial importância porque é real a possibilidade de uma guerra desestabilizadora de todo o Médio Oriente, com repercussões mundiais garantidas é real como nunca foi, o Japão pediu oficialmente aos EUA mais provas sobre as acusações de que foram os iranianos a lançar os ataques aos petroleiros, que, recorde-se, o Irão negou desde o primeiro minuto e de forma veemente.
Alias, vários analistas ouvidos nas horas seguintes aos ataques por media internacionais, mesmo que próximos do Irão, dizem que esta pode ter sido uma mal preparada acção dos EUA para culpar o Irão, o que só seria possível se os estrategas de Washington não tivessem percebido que os dois petroleiros estavam ao serviço do Japão e da Noruega, dois países que o Irão não quereria incomodar de todo por interesse próprio.
Mas, recorde-se igualmente que o chefe da diplomacia norte-americana, Mike Pompeo, veio a terreiro descrever as razões da acusação ao Irão, nomeadamente o tipo de armas usadas, o conhecimento necessário para levar a cabo uma operação destas e os recursos para a sofisticação mostrada na sua execução..
Mas, como recorda o Governo de Tokyo, através da agência de notícias japonesa, Kyodo, citando o ministro dos Negócios Estrangeiros nipónico, se o Irão detinha tal capacidade, "também os EUA e Israel (- os dois mais importantes inimigos declarados do Irão em todo o mundo -) têm essa mesma capacidade" lembrando que os EUA têm na região uma das suas mais importantes frotas navais, a 5ª, incluindo um porta-aviões e dezenas de bombardeiros e outro tipo de aviões de guerra.
O Japão já fez saber que as alegações dos EUA são mera especulação e não se trata de mais que provas escassas para sustentar tão grave acusação, especialmente quando se conhecem os laços antigos que unem Tokyo e Teerão e o primeiro-ministro japonês estava no Irão.
Entretanto, também Mohammad Javad Zarif, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, afirmou que estes ataques "não são apenas suspeitos, são mais que isso", disse sem especificar, citado pelas agências, acrescentando apenas que a coincidência das explosões e a presença do promeiro-ministro japonês em Teerão deve ser "analisada com toda a atenção".
Geografia dos ataques
Estes ataques foram realizados próximos do estreito de Ormuz, que separa o Golfo Pérsico, onde estão o Irão, Iraque, Arábia Saudita, Qatar e os Emirados Árabes Unidos (Dubai), e o Mar de Omã, que abre esta estratégica e volátil região do mundo para o Oceano Índico.
Qualquer conflito que implique o Irão nesta região poderia deixar todo o Médio Oriente a ferro e fogo, mas também o mercado global do petróleo em polvorosa, cujas consequências imediatas poderiam ser o disparar do barril para valores impossíveis de imagina neste momento.
Mas esse momento ainda não aconteceu e a ONU tem feito, através do seu SG António Guterres, sucessivos apelos à calma, de forma a que a situação não passe de escaldante para o ponto de ebulição.
Há, também, analistas que admitem que o Presidente dos EUA não quer uma guerra, quer apenas levar a situação a um limite que obrigue o Irão a aceitar renegociar o acordo nuclear de 2015, assinado pelo seu antecessor, Barack Obama, e cinco países europeus, China e Rússia, que permitiu que Teerão estancasse o seu programa nuclear e do qual Donald Trump saiu unilateralmente dizendo que tal acordo não impedia Teerão de ter armas nucleares.
Isto, apesar de a Agência Internacional de Energia Atómica, organismo que supervisiona o processo, garantir que o Irão estava e está a cumprir a 100% o acordado em 2015 e que de forma nenhuma estava em cima da mesa a possibilidade de obter a arma nuclear.
Entretanto, como pano de fundo a esta situação actual, de tensões ao rubro, lembre-se que há décadas que o Irão é apontado por EUA e Israel como um dos grandes financiadores do terrorismo internacional e que Israel já por diversas vezes ameaçou Teerão com ataques aéreos às suas alegadas estruturas de suporte ao programa nuclear.
Tanto o Irão como Israel não escondem as rivalidades e o ódio que nutrem um pelo outro, havendo ainda a acrescentar que este ódio levou mesmo a Arábia Saudita a efectuar uma aproximação estratégica a Telavive contra Teerão e a comprar, ainda em 2018, mais de 100 mil milhões de USD em armamento americano.
Mas, mais uma vez, países como a Rússia e a China estão do lado oposto da barricada norte-americana, desde logo quanto ao acordo nuclear alcançado em 2015, criticando severamente os EUA por dele terem saído de forma unilateral, e, depois, por manterem relações comerciais com o Irão, contrariando fortemente os propósitos de Washington.
Em síntese, o que parece já claro para alguns analistas dos principais think thanks que se dedicam ao Médio Oriente é que se os EUA conseguirem provar sem margem para dúvidas que os ataques têm a mão do Irão, dificilmente poderá ser travada uma guerra cuja dimensão não pode, por ninguém, ser prevista devido aos ódios existentes na região, incluindo religiosos, opondo o universo sunita - Arábia Saudita e aliados - e o mundo Xiita, com o Irão e o Iraque e a Síria na linha da frente.
Tenha-se ainda em consideração a actual guerra civil no Iémen, que opõe os guerrilheiros houthis (xiitas), alegadamente apoiados pelo Irão, e o regime do Presidente Abed Rabbo Mansour Hadi, sunita, apoiado pela casa real Saudita, que ainda hoje segue um dos mais radicais braços do islão, o wahabismo, que se tem traduzido por ataques com mísseis a alvos sauditas a partir de bases guerilheiras iemnitas, incluindo aeroportos.