A Índia, que detém o controlo administrativo de Caxemira, acusa o Paquistão de estar por detrás de um ataque terrorista, na terça-feira, 22, numa região muito visitada por turistas, o Vale de Baisaran, em Caxemira, matando 26 pessoas e deixando dezenas feridas.
O tiroteio mortífero que vitimou maioritariamente turistas indianos, foi reivindicado por uma organização islâmica independentista, a "Frente de Resistência", que, mesmo com a persistente negação de Islamabad, a Índia diz ter o apoio paquistanês.
E, num momento em que as relações entre os dois países, detentores de centenas de ogivas nucleares, nunca estiveram tão baixas, mesmo nunca tendo sido normais, desde 1947, quando a Índia declarou a independência do Reino Unido, alguns analistas sublinham que a mortandade no Vale de Baisaran pode ter sido o puxar do gatilho para uma escalada histórica.
Forças militares dos dois países trocaram de forma violenta fogo ao longo da madrugada ao longo da linha de demarcação e controlo disputada por Índia e Paquistão, levando as Nações Unidas a emitir um veemente apelo à contenção para evitar o descontrolo da situação.
Há mais de 25 anos que não se verificava um atentado com tantas vitimas como o desta semana em Caxemira, o que levou a uma reacção em cadeia de acções diplomáticas retaliatórias, com a expulsão pela Índia de todos os paquistaneses no país, excepto do corpo diplomático.
Na resposta, Islamabad anulou todos os vistos, o que obriga os cidadãos indianos a abandonar o país em 48 horas, e aos diplomatas indianos foi dada ordem de saída como persona non grata até ao fim do mês.
A Índia fechou todas as fronteiras, o Paquistão fez o mesmo, as trocas comerciais foram canceladas e Nova Deli deu o passo mais radical em décadas, e que muitos analistas admitem que possa ser o mais grave em todo este contesto abrasivo, que foi dar por nulo o tratado de cooperação sobre o acesso às águas dos rios da região.
Este tratado, assinado em 1960, mediado pelo Banco Mundial, determina que a Índia fica com acesso à Água de três rios de Kashmir, o Ravi, o Beas e o Sutlej, enquanto o Paquistão acede aos caudais do Indus, Jhelum e Chenab, todos eles vitais para milhões de pessoas e nunca tinha sido alterado em 65 anos, mesmo noutras situações de sério risco de escalada militar, atestando bem o perigo do actual cenário.
Agora que a Índia saiu do tratado unilateralmente, aumentam substancialmente as áreas críticas de eventuais pontos de fricção e possíveis escaramuças militares devido a reivindicações de soberania geográfica em disputa há décadas e às acrescidas dificuldades que o Paquistão passa a ter para abastecer as suas populações e já disse que qualquer restrição à água será considerado um "acto de guerra" que terá como resposta todo o poder militar paquistanês, o que envolve o seu arsenal nuclear.
De acordo com este tratado, IWT, na sua sigla em inglês, a Índia pode usar os seus rios ocidentais para produzir energia eléctrica e para delimitado uso agrícola, mas não pode neles erguer barreiras que alterem o fluxo de água para o Paquistão ou redireccione os seus cursos de nenhuma maneira que reduza os caudais porque Islamabad não tem alternativas para manter o seu essencial e vasto sector agrícola.
Depois desta decisão, o Paquistão ameaça agora retaliar com a saída unilateral do tratado de Simla de 1972, que garantiu a paz depois de um conflito abrasivo e que levou à independência do Bangladesh, sendo, potencialmente, outro foco de novas ameaças de retoma das agressões militares mútuas.
Além destes dois intervenientes na administração da vasta região de Caxemira, a China, o vizinho a leste, também administra uma área significativa desta e a Bacia do Rio Indus tem ali igualmente relevância, sendo outro, mesmo que lateral, elemento de possível perturbação regional numa região já bastante quente.
Segundo a AFP, citada por The Guardian, a meio da noite, uma unidade paquistanesa disparou sobre uma posição indiana, que ripostou de imediato, naquilo que, para já, é o primeiro confronto directo entre forças armadas destas duas potências nucleares asiáticas no contexto desta crise.
Ao longo das últimas décadas Nova Deli e Islamabad têm-se acusado mutuamente de desrespeito das linhas de demarcação de fronteiras e nas trocas de fogo a norma é acusar o outro lado, mas o que é novo neste episódio, o mais grave em muitos anos, é a dimensão diplomática, que foi a ponto da expulsão em massa de cidadãos de um e do outro lado.
Até porque existe um simbolismo dramático nesta situação, que foi, aquando da independência, em 1947, e a separação do Paquistão, de maioria muçulmana, e da Índia, onde o induísmo é a religião de 80% da população, com imagens dramáticas de milhões de indus e muçulmanos a deslocarem-se massivamente para o outro lado da fronteira.
Depois do ataque no Vale de Baisaram, nos Himalaias, entre os dois países, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi e o Presidente paquistanês, Asif Ali Zardari,reuniram de emergências os seus Conselhos de Segurança Nacional e ordenaram a entrada e estado de prontidão de várias unidades militares das regiões próximas da fronteira, fazendo mesmo deslocar forças de outras áreas para aquele ponto quente.
Actualmente as forças indianas estão com diversas unidades no terreno, com recurso à Força Aérea, com utilização de drones de vigilância, para encontrar os suspeitos do ataque de terça-feira, 22, que as agências dizem tratar-se de um indiano e dois paquistaneses.
Face a este cenário periclitante, que pode escalar rapidamente perante um novo episódio de violência, as Nações Unidas, quando o resto do mundo parece ignorar o que se passa neste canto dos Himalaias, está activamente a pedir contenção aos dois governos.
Stephane Dujarric, o porta-voz do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, disse aos jornalistas em Nova Iorque que indianos e paquistaneses sabem que quaisquer discordâncias que tenham "podem ser resolvidas de forma pacífica" desde que para isso se empenhem.
"Apelamos enfaticamente aos dois governos para exercerem o máximo de contenção e para garantirem que a situação não se deteriora ainda mais", acrescentou Djurric, quando se sabe que tanto Islamabad como Nova Deli já ordenaram a organização de massivos exercícios militares em terra, no ar e no mar.
Um analista citado por The Guardian, Chilankuri Raja Mohan, académico de Singapura, um veterano na análise às crises indo-paquistanesas, admite que, depois deste atque, que vitimou pessoas de 15 estados indianos, pode exigir ao primeiro-ministro Narendra Modi que assuma "alguns riscos" nesta fase.
Numa opinião publicada no jornal Indian Express, lida pelo jornal de Londres, Raja Mohan adverte contudo para o facto de o Paquistão ter adquirido nos últimos anos "vastas capacidades militares" para as quais a Índia está alerta e sabe da sua existência, mas que os exercícios militares em curso deixam entender que em Nova Deli se pensa que esses riscos são necessários.
O que é evidente nas palavras de Narendra Modi logo após o ataque mortífero no Vale de Basairan: "A Índia vai perseguir e punir os autores desta acto terrorista bem como aqueles que os apoiaram e apoiam" e garantiu que "todos serão perseguidos e punidos nem que seja preciso ir até ao fim da Terra".
Do lado paquistanês, o Governo de Islamabad, como sempre faz, garante que nada teve a ver com o ataque mas garantiu à Índia que ripostará forte e celeremente a todo e quaisquer agressões indianas, considerando que as acusações de Nova Deli são "frívolas".
"Qualquer ameaça à soberania paquistanesa e à segurança do seu povo encontrará medidas reciprocas imediatas em todos os domínios", lê-se num comunicado emitido pelo gabinete do primeiro-ministro Shehbaz Sharif após um encontro com o Conselho de Segurança e as chefias militares.