O descontentamento popular crescente não tem origem em nenhuma mão invisível como o Presidente João Lourenço defende. O povo não necessita de sipaios para perceber as suas dores porque nasce, vive e morre com elas. O descontentamento está metastizado. Dentro e fora de Angola. Está nas aldeias que nunca foram priorizadas e nunca sentiram a presença do Estado e uma grávida tem de andar 80 km (ou muito mais) para fazer uma ecografia. Está nas universidades públicas que cheiram à urina e que não dão espaço para o debate livre, nem para a promoção da lógica. Está na administração pública que criou taxas privadas para incrementar o seu salário e quem paga é o cidadão. Está na boca dos militantes do MPLA que nunca são convidados para o banquete e apenas servem para empurrar a carroça. Está na ausência de cédulas nas conservatórias rurais. É visível na voz dos empresários que fazem das tripas coração para sobreviverem devido à voracidade fiscal e à ausência de mecanismos de mitigação das dificuldades sentidas e reais. Está na desumanidade do transporte público. Está no preço dos alimentos, fruto de em 50 anos o MPLA nunca ter conseguido construir o caminho da sustentabilidade alimentar.

É visível o desnorte da actual presidência. Sem plano consequente capaz de resolver um único problema básico. E quando o "patrão" sai à rua, o "empregado" diz que "as pessoas se manifestam sem razão aparente", o que demonstra uma total ausência de consciência da realidade e que prova que se a liderança não conhece o estado do País, normalizou os erros repetidos vezes sem conta, sem remorsos, nem avaliação. Angola está farta de ser ignorada por um partido que se tornou míope, egoísta, que sofre de dissonância cognitiva, que não tem ideias para o futuro e que definitivamente provou que não tem capacidade para continuar a governar. O tamanho do estrago que o MPLA criou em Angola nestes 50 anos só pode ser medido pela Escala de Richter, tal é o drama do impacto e da destruição da dignidade nacional, da morte da ética, da disrupção da democracia, da perda da identidade nacional e cultural e da elevada perda diária de vidas de pessoas, que, por falta de um país funcional, morrem de causas tratáveis, mas cujo acesso lhes é vedado.

Durante muitos anos, os angolanos mantiveram a esperança de que, em alguma altura, a sua dor terminaria. Mas, 50 anos depois, é visível a morte da esperança e a maioria dos angolanos é unânime em defender o seu descontentamento que se pode traduzir num sentimento cada vez mais agressivo tal é a ausência total de paciência das pessoas que lutam todos os dias, em diferentes patamares sociais, para manterem a cabeça à tona da água para sobreviverem num país que não tem nenhuma instituição pública de apoio real, concreto e humano à pobreza que se multiplica como uma condenação de quem não tem mais pecados para expiar.

Concordo consigo, Senhor Presidente, que o "próximo presidente de Angola deva ser jovem e bem preparado". Apenas acho que a este desejo faltou explicar que "bem preparado" significa que tenha sabedoria e sentido patriótico e não que seja um subserviente partidário. Que tenha ideias próprias, que ame o povo, que seja corajoso para combater a corrupção e a impunidade, que já tenha uma avaliação assente em dados credíveis que lhe permita começar uma governação a partir dos alicerces, não do telhado como tem infelizmente acontecido. Acrescento ainda que também lhe corra nas veias a vontade de ver um sistema de educação assente na Angola que devemos ter no futuro, capaz de garantir o nascimento da competência e da criação de um capital humano adaptado às exigências do século XXI, sem descurar a realidade do País, que não permite copiar outras realidades sem qualquer semelhança com a nossa, permitindo o descarte do actual sistema deprimente que já não serve nenhum propósito e que está a destruir a capacidade cognitiva de milhões de crianças e de adolescentes.

Infelizmente Angola apenas tem uma democracia formal, por isso é esperado ouvir um presidente a dizer que "está nas melhores condições para escolher o sucessor". Em democracia os sucessores nascem da vontade dos votos, seja a nível partidário, seja a nível de eleições nacionais. Esta formalidade sempre foi o calcanhar-de-Aquiles do MPLA, que promove eleições que são livres, mas nunca foram justas. A minha esperança é que deste descontentamento popular, nacional, patriótico, inclusivo, apartidário, consciente, nasçam novas esperanças para Angola, que tem sido refém de uma governação monolítica, desnorteada, assente no lucro privado, ineficaz e que não cumpriu a promessa de um país para todos.