O retrato espelha que o emprego informal em Angola é a regra, e não a excepção. Nos 4º trimestres de 2023 e 2024, Angola contava com mais de 11,6 milhões e 12,5 milhões de pessoas empregadas, respectivamente. No entanto, mais de 80% dessas pessoas estavam no mercado informal, sem contrato de trabalho, sem descontos para a segurança social e sem pagamento de impostos sobre o rendimento. Em 2023, dos 11.692.638 empregados, 9.411.182 estavam no mercado informal. Em 2024, esse número subiu para 10.108.549, num universo de 12.582.279 trabalhadores e com apenas 2.563.730 trabalhadores com emprego formal. O número de desempregados manteve-se acima dos 5,4 milhões em ambos os anos. O anúncio recente do Executivo sobre a criação de cerca de um milhão de postos de trabalho em 2024 é, pois, caviloso, pois faltou dizer que se tratou fundamentalmente de trabalho informal.

Agricultura e comércio são os grandes pilares da informalidade. Em 2024, 47,7% dos trabalhadores estavam na agricultura e 21,5% no comércio. Os agricultores familiares, responsáveis por cerca de 90% das áreas cultivadas no país, com rendimentos monetários genericamente muito abaixo do salário mínimo devido à extremamente baixa produtividade da terra e do trabalho, são o exemplo mais claro de trabalhadores essenciais que permanecem invisíveis aos olhos das políticas públicas. O mesmo acontece com as quitandeiras e outros vendedores ambulantes. Com salários mínimos abaixo dos 50 mil Kwanzas, a maioria dos trabalhadores ou operários agrícolas estão isentos do pagamento de Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT), mas também não descontam para a segurança social. O resultado é uma exclusão quase total do sistema de protecção social para a esmagadora maioria dos angolanos que trabalham. Afinal, só contam, ou parece contarem, em termos eleitorais.

Para estes trabalhadores, o dilema da reforma é claro: envelhecer sem segurança é o seu destino. A informalidade tem consequências graves a longo prazo. Ao atingirem os 60 anos, muitos trabalhadores informais não têm acesso à reforma e tornam-se dependentes de familiares com algum rendimento. Esta situação é comum entre agricultores, vendedores ambulantes e trabalhadores por conta própria. Trata-se do prolongamento do estado de exclusão a que estiveram submetidos ao longo da vida. A ausência de contribuições para a segurança social não é culpa dos trabalhadores, mas sim da estrutura económica e institucional e consequentes políticas públicas, que não os integra formalmente. Ou melhor, que não sabe como os há-de integrar por insistir em negar uma realidade como se apresenta, ou em moldar uma realidade aos seus desejos.

Quando se fala da importância da resolução dos problemas do povo, arriscamos uma proposta para a dignidade: pensão vitalícia para os invisíveis. Diante deste cenário, é urgente pensar em soluções que garantam uma velhice digna a quem trabalhou toda a vida sem protecção. Dado que a maioria dos angolanos com 60 ou mais anos não tem acesso a pensão de reforma, devido à informalidade laboral, propõe-se a criação de uma pensão vitalícia universal para esses angolanos. Esta medida poderia ser financiada através do redireccionamento parcial dos subsídios aos combustíveis, criando um fundo de pensão social, gerido pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). A implementação exigiria um registo nacional de trabalhadores informais idosos.

Estima-se que existam cerca de um milhão de idosos vulneráveis. Propõe-se a inscrição destes cidadãos no INSS e lhes seja atribuída uma pensão mínima vitalícia de 25.000 Kz/mês, financiada pelo Tesouro Nacional e, se se justificar, com recurso a programas internacionais. Este apoio representaria um esforço financeiro de aproximadamente USD 25 milhões/mês, ou USD 300 milhões/ano, valor que pode ser absorvido gradualmente com a redução dos subsídios aos combustíveis e outras utilidades, que actualmente consomem mais de USD 2 mil milhões/ano.

A experiência do Programa Kwenda demonstra o impacto positivo das transferências monetárias na melhoria do bem-estar e na redução da pobreza. No entanto, trata-se de um programa transitório, que não cobre todos os idosos vulneráveis. Os dados do Kwenda revelam que 12% dos beneficiários são idosos, e que estes são chefes de 17% dos agregados familiares apoiados. A presente proposta permitiria universalizar e tornar permanente essa protecção social.

Paralelamente, recomendamos a realização de estudos comparativos com países africanos e de outros continentes que enfrentam desafios semelhantes, com vista à formulação de um modelo sustentável de pensões para trabalhadores informais.

Em conclusão, Angola precisa de dar um passo decisivo na construção de um Estado mais justo, inclusivo e solidário. A criação de uma pensão vitalícia para os idosos sem reforma seria um marco histórico, reconhecendo os milhões de trabalhadores informais que sustentam a economia e alimentam o país. É tempo de transformar contributos invisíveis em direitos visíveis.